Autor original: Marcelo Medeiros
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O texto abaixo é um extrato do relatório apresentado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), no dia 27 de fevereiro, em uma cerimônia que teve a participação do Secretário Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda. O documento foi elaborado com base no trabalho da Campanha Nacional Permanente de Combate à Tortura, que iniciou os trabalhos em outubro de 2001. Para ler uma versão condensada, faça download no link "A Prática da Tortura no Brasil", ao lado. Para obter a íntegra do extenso documento, entre em contato com o MNDH.
Breve Balanço e Proposições
Introdução
O presente relato tem por finalidade apresentar, em breves linhas, a formação, desenvolvimento e perpetuação do fenômeno da tortura no Brasil, situando-o, por conseguinte, no Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos. Cuida especialmente, de como O Movimento Nacional de Diretos Humanos-MNDH, a partir das Recomendações do Relator Especial da ONU sobre a tortura e do Comitê Contra a Tortura – CAT, vem propondo alternativas no sentido de erradicar a Tortura no Brasil. Assim, apresenta informações e dados extraídos de uma Programa de combate a tortura pensado e executado pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos-MNDH , que aqui se chamara de Campanha Nacional Permanente de Combate a Tortura.
1. Breve Retomada Histórica
A prática da tortura no Brasil remonta o tempo da sua formação. A colonização portuguesa torturou e dizimou povos indígenas. Com o mesmo objetivo, oficializou-se a escravidão de negros trazidos da África. A escravatura perdurou até o período da proclamação da Republica e promoveu atrocidades físicas e psicológicas contra a população afro-descendente, consignadas em lei e códigos criminais. Mesmo com a abolição formal da escravatura (1888) e com o advento da República (1889) os direitos civis e políticos, já parcialmente proclamados, não se viram respeitados de fato.
Em todo o período republicano, o fenômeno da tortura foi mantido, especialmente nos momentos marcados por sucessivas ditaduras . Sob a égide da Constituição de 1946 houve um relativo progresso na defesa dos direitos civis e políticos. Porém, os direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro voltaram a ser profundamente cerceados no mais recente período ditatorial (de 1964 a 1985). Mais do que nunca, a tortura passou a ser prática oficial do Estado brasileiro. Os órgãos oficiais compreendiam como normal a repressão, o constrangimento e a ameaça a qualquer cidadão, com o objetivo de obter informação ou para simplesmente castigar em razão de suposta ou virtual opinião contra o regime vigente.
Nos anos de 1980, a forte pressão e a luta popular, que se mostrou em movimentos políticos de massa, como a luta pela Anistia e pela Libertação de presos, a reivindicação de eleições diretas para presidente da República (Diretas Já), entre muitas outras, criaram condições políticas e passaram a tornar uma exigência social e cultural o processo de democratização do país, após anos de regime fechado. Contando com ampla participação, o processo constituinte desemboca na promulgação de uma nova Constituição, em outubro de 1988. Ela afirma os direitos e as garantias fundamentais, entre as quais a proibição da tortura (art. 5º, inciso III). Outrossim, mesmo nesse período de transição democrática, a tortura não foi debelada, continuando a ser prática corriqueira como instrumento de investigação ou punição junto às instituições públicas brasileiras do sistema de justiça e segurança pública, especialmente nas corporações policiais e nas delegacias de polícia.
A retomada do processo democrático também permitiu o fortalecimento de muitas organizações sociais e populares, entre elas, muitas organizações de direitos humanos – o próprio MNDH se fortaleceu neste período – que passaram a ser procuradas pelas vitimas para fazer denúncias de casos de tortura. A par das denúncias, também várias iniciativas foram sendo tomadas no sentido de mobilizar condições e propostas para a construção de um novo modelo de justiça e segurança pública. Portanto, se poderia dizer que, ao mesmo tempo em que a prática da tortura passou a ser presente como método de investigação policial, a sociedade civil brasileira passou a denunciá-la e a exigir instrumentos e mecanismos concretos que pudessem resultar em políticas públicas com força para eliminá-la. Estas várias lutas fizeram com que várias iniciativas legislativas fossem tomadas, entre as principais estão à ratificação dos instrumentos internacionais sobre o assunto e promulgação da Lei Federal n.º 9.455, abril de 1997, que define, tipifica e pune a conduta delituosa da Tortura.
No ano de 2000, a visita ao Brasil de Sir. Nigel Rodley, Relator Especial da ONU para a Tortura, com a finalidade de verificar as condições de realização dos direitos civis e políticos nesse país, constatou que as instituições estatais, como as delegacias, presídios e penitenciárias fazem da tortura modo corriqueiro de obtenção de provas em processos judiciais e na aplicação de castigo mesmo disse que a pratica de tortura e “ sistemática e disseminada”. Recomendou alterações profundas no funcionamento daquelas instituições bem como na possibilidade de alteração de visão do judiciário sobre o tema mediante capacitação , vez que este, em linhas gerais, apresenta um visão equivocada quando se trata do tema da tortura. Vale ressaltar a importância de relatórios. Em uma reunião na Comissão de Defesa de Direitos da Pessoa Humana do Ministério da Justiça do Brasil, a senhora Mary Robson, disse que
“ a apresentação de relatórios representa uma oportunidade de fazer um balanço e adotar as medidas necessárias para corrigir falhas na implementação das convenções. O processo de elaboração de relatórios deveria ser considerado como parte integrante de um esforço continuo para promover e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e para reafirmar o compromisso do governo. A elaboração de relatório fornece uma oportunidade de agregar vários setores da sociedade em um esforço de identificar os problemas que devem ser abordados. Alem disso, ela reafirma no âmbito domestico e perante a comunidade internacional de respeitar os compromissos internacionais permanecem forte”
No mesmo período da apresentação das recomendações do relator, o governo brasileiro ofereceu seu relatório ao Comitê de Combate à Tortura da ONU (CAT) e no período de sessões no qual foi discutido, organizações da sociedade civil apresentaram contra informes. Este conjunto de ações resultou também na constatação clara de que a tortura é prática generalizada e sistemática – o governo brasileiro não concordou com este ponto – no Brasil e recomendou um conjunto de medidas a serem adotadas pelo governo brasileiro para que efetivamente viesse a criar condições para erradicar a tortura no País.
Entre as recomendações do CAT e do Relator merecem destaque:
a) O Estado parte deveria assegurar que a interpretação da lei que criminaliza a tortura seja feita em conformidade com o artigo primeiro da Convenção;
b) O Estado parte deveria adotar todas as medidas necessárias a fim de assegurar a instauração imediata de inquéritos imparciais, sob o efetivo controle do Ministério Público, em todos os casos de queixas de práticas de tortura ou de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, incluindo atos cometidos por membros das forças policiais. No curso desses inquéritos, os agentes envolvidos deveriam ser suspensos de suas funções;
c) Todas as medidas necessárias deveriam ser adotadas para garantir a toda pessoa privada de sua liberdade o direito à defesa, e, por conseguinte, o direito de ser assistido por um advogado, pago pelo Estado, se for necessário;
d) Medidas urgentes deveriam ser adotadas para melhorar as condições de detenção nas delegacias de polícia e nas prisões, e o Estado parte deveria, além disso, redobrar seus esforços para remediar o problema da superpopulação carcerária e estabelecer um mecanismo sistemático e independente de supervisão do tratamento na prática de pessoas arrestadas, detidas ou aprisionadas;
e) O Estado deveria reforçar as atividades de educação e de promoção dos direitos humanos em geral, e de proibição de atos de tortura, em particular, para os funcionários encarregados da aplicação da lei, bem como para o pessoal da área médica, e introduzir capacitação sobre esses temas nos programas de ensino oficial dirigidos às novas gerações;
f) Medidas deveriam ser adotadas para regulamentar e institucionalizar o direito das vítimas de tortura a uma indenização justa e adequada por parte do Estado, e a estabelecer programas para sua mais completa readaptação física e mental;
g) O Estado deveria explicitamente proibir o uso como prova em procedimento judicial, de qualquer declaração obtida mediante tortura;
h) O Estado deveria fazer a declaração prevista nos artigos 21 e 22 da Convenção;
i) O segundo relatório periódico do Estado parte deverá ser submetido o quanto antes, afim de se conformar ao cronograma previsto no artigo 19 da Convenção, e incluir, notadamente: (i) a jurisprudência pertinente relativa à interpretação da noção de tortura; (ii) informações detalhadas sobre alegações, inquéritos e condenações relacionados com atos de tortura cometidos por agentes públicos, e (iii) informação concernente às medidas adotadas pelas autoridades públicas para implementar, em todo o país, as recomendações do Comitê, e também aquelas do Relator Especial sobre Tortura, às quais a delegação do Estado parte fez referência durante o diálogo com o Comitê.
Estes processos geraram vários movimentos políticos no País, tanto em nível governamental quanto na sociedade civil, já que ficou explícita a ineficácia da Lei de Tortura. Em Seminário Nacional, organizado com a presença dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e de mais de dois mil representantes de organizações da sociedade civil – entre as quais o Movimento Nacional de Direitos Humanos, que assinou representando a sociedade civil –, realizado em dezembro de 2000, assinou-se um Pacto Nacional Contra a Tortura, que estabeleceu o compromisso conjunto do Estado e da Sociedade Civil no sentido de implementar medidas que tornassem eficaz a mencionada lei , como passo importante para a erradicação de tal prática delituosa. Este pacto resultou em várias ações, entre elas a organização de uma Campanha Nacional de Combate à Tortura, por parte que está presente em 20 unidades da federação e conta com uma Central Nacional de recebimento de alegações, através de um sistema de ligação telefônica gratuita e Centrais Estaduais, que localizadas nos estados aso responsáveis pelo encaminhamento das alegações para os oragos competentes como delegacia de policia e Ministério Publico. De outros lado, tem-se os Comitês Nacionais e Comitês Estaduais, que conta na sua composição com autoridades publicas e entidades da sociedade civil no âmbito nacional e estadual. Tem como função básica discutir os aspectos políticas da campanha.
Diante disso, a nossa Campanha tem uma estratégia com três aspectos articulados : um político, outro formativo e um operacional. Assim, mobilizou a sociedade civil e os oragos públicos para que efetivamente a tortura seja enfrentada como um crime e deixe de ser pratica recorrente e sistemática em nosso pais. O Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH entende que, em hipótese alguma a Campanha vem a resolver o problema da tortura, mas tem por objetivo sensibilizar a sociedade e comprometer as autoridades, constitucionalmente investidas da tarefa de erradicar a tortura, como determina a lei. Por isso o envolvimento dos diversos atores sociais interessados e os agente públicos responsáveis pela sua erradicação e requisito fundamental. De modo especial, o MNDH entende que a Campanha e um bom momento para mobilizar a sociedade em vista de implementar, sistematizar e socializar propostas criativas no sentido de construir uma Política Nacional de Justiça e Segurança Pública pautada pelos Direitos Humanos.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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