Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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No vocabulário das ONGs e da mídia brasileiras, pode-se dizer que transgênicos sempre foram sinônimo de polêmica. Porém nunca tanto quanto a gerada recentemente pela constatação da grande safra de soja geneticamente modificada a ser colhida no Rio Grande do Sul, a partir dos próximos dias. Estima-se que a soja transgênica represente 8% da produção brasileira do grão, podendo chegar a 80% do total a ser colhido no Rio Grande do Sul. A situação coloca de um lado do ringue as organizações da sociedade civil que se opõem à produção e à comercialização de sementes geneticamente modificadas sem as devidas avaliações e, de outro lado, os agricultores, que - conscientes ou não - plantaram sementes transgênicas e têm sua produção para escoar. Alguns, ligados à Federação dos Trabalhadores da Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), decidiram, no último dia 20, comercializar o que colherem, devido à indecisão do Governo Federal até agora. Este fica no meio, tentando arbitrar a questão, enfrentando pressões dos dois lados e precisando pesar conseqüências econômicas, sociais e políticas.
Atualmente, no Brasil, o plantio e a comercialização são proibidos sem um parecer favorável conclusivo da CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia). Apesar de existir a Lei de Biossegurança (Lei 8.974/95), a CTNBio foi criada em 1995, através da Medida Provisória 2191-9 – que a tornou o órgão máximo de decisão sobre o assunto, sendo responsável por emitir os pareceres para autorização da cultura de cada espécie de organismo geneticamente modificado. Já a partir de 1996, diversas empresas do setor de biotecnologia passaram a solicitar emissão de Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) e também autorização para liberação no meio ambiente de espécies transgênicas em caráter experimental – todos aprovados pela CTNBio.
Em setembro de 1998, a empresa de biotecnologia Monsanto conseguiu o parecer favoráel da CTN-Bio, para a soja “roundup ready”. Imediatamente após, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entrou com ação cautelar (medida específica e provisória) para suspender a permissão dada à Monsanto. Em seguida, ajuizou ação civil pública (medida mais ampla, que atinge a totalidade dos casos e da sociedade). A ação pedia que a CTNBio se abstivesse de emitir parecer técnico conclusivo a qualquer pedido antes de elaborar normas sobre segurança alimentar, comercialização e rotulagem dos transgênicos. Em 2000, o juiz Antônio de Souza Prudente, da 6ª Vara Federal do Distrito Federal, tomou a seguinte decisão sobre o assunto: “nenhum organismo transgênico vai ser liberado no Brasil sem a realização dos estudos de impacto ambiental, das avaliações de risco sobre a saúde humana e sem a implementação de regras de rotulagem dos alimentos de acordo com o Código de Defesa do Consumidor”. Apesar de impetrada em 1998, a ação tramitou por dois anos e a decisão do juiz saiu somente em 2000. Neste meio tempo, a medida oficial que impedia o plantio e a comercialização de transgênicos era a ação cautelar. A Monsanto recorreu da ação civil depois disso, junto com a gestão federal anterior.
“Quando falamos que no Brasil é proibido por lei plantar e comercilizar transgênicos, é a essa ação civil pública que nos referimos”, explica Flávia Londres, da AS-PTA e da campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos. A advogada Andrea Salazar, do Idec, explica o motivo da necessidade de tantos cuidados e da recomendação para realização de tantos testes: “O nível de avaliação é tão precário que a CTNBio estava se valendo de estudos realizados no exterior para conceder parecer favorável ao plantio de soja transgênica no pedido da Monsanto, em 1998”. Depois de concedido o parecer favorável da CTNBio, o pedido tem que passar pelos ministérios da Agricultura, da Saúde e do Meio Ambiente (MMA). Neste último, para que haja o licenciamento ambiental, é exigido o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) – que também ajudaria a adicionar precaução na liberação se sementes geneticamente modificadas, não fosse o entendimento de que o parecer da CTNBio é vinculante, ou seja, os ministérios têm de acatar.
Salazar lembra ainda que em junho do ano passado, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) emitiu resolução que permitia que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), exigido pelo MMA, pode ser substituído por outros estudos se o MMA considerar que sim. “Na opinião do Idec, sempre é necessária a realização de EIA, pois o governo sofre pressões de todos os lados. Sempre vão tentar convencê-lo de que não é necessário o EIA ou apresentar ao governo estudos tendenciosos. Por isso o ideal é que a exigência do Estudo de Impacto Ambiental seja norma, seja lei”, diz Andrea.
Confusões e riscos
No entanto, é preciso ir mais além na questão. Tende-se a acreditar que entidades que atuam na luta contra a liberação dos transgênicos sem as avaliações necessárias são contra todos os tipos de transgênicos. Isso não é verdade. “Nós somos contra a liberação de plantio e comercialização de organismos geneticamente modificados sem que sejam feitos estudos e testes que comprovem que não são danosos para a saúde e o meio ambiente, ou se organismos não trouxerem nenhum benefício para o ser humano”, esclarece Andrea, em um discurso semelhante aos das outras organizações que atuam na área, como o Greenpeace e a AS-PTA.
Nem todos os organismos transgênicos são ruins ou trazem malefícios para o Homem, nem as organizações são contra todos eles. Um exemplo de prática de modificação genética que é aceita e muitas vezes estimulada (claro, com os devidos cuidados tomados) é na produção de remédios. Ou seja, essa não intransigência é que precisa ficar clara para uma grande parcela da população, que – bombardeada por informações truncadas, especialmente pela grande mídia, que costuma generalizar – tende a ver a questão como uma briga entre dois lados extremamente opostos e sem quaisquer pontos em comum. O que se tem adotado, sim, como prática é a cautela, para não haver uma apressada ou inconseqüente liberação dos transgênicos. Os motivos são os mais claros e nobres possíveis: não se sabe quais conseqüências os OGMs podem ter para o ser humano, sua saúde e o meio ambiente em que ele está envolvido.
“Na natureza, tudo é dinâmico e obedece a regras próprias que o Homem, por mais que tente, não controla. Essa é a grande preocupação”, lembra Andrea. Um exemplo disso é o do agricultor canadense Percy Schmeiser, que, depois de plantar canola por 40 anos, descobriu que sua plantação estava contaminada pelas sementes geneticamente modificadas utilizadas pelo vizinho. Muito provavelmente, as sementes transgênicas (compradas da Monsanto) foram parar nas terras de Schmeiser por causa do vento – fato natural sobre o qual, como era de se esperar, não se tem controle. O canadense não só descobriu que sua plantação estava contaminada, como foi acionado na justiça pela Monsanto, que exigia que ele pagasse a taxa que a empresa cobra daqueles que compram sua semente (uma vez que Schmeiser estava, na prática, cultivando canola geneticamente modificada). Situações como essa são ilustrativas dos riscos e descontrole que se pode ter: não só o agricultor não sabia que estava plantando transgênicos, como muitas pessoas podiam – e outras ao redor do mundo ainda podem – estar consumindo alimentos sem saber que estão ingerindo transgênicos.
Os riscos são muitos outros, além da contaminação do meio ambiente. Por exemlo, as pragas podem desenvolver resistência às sementes geneticamente modificadas, tornando-se também mais fortes. Com os seres humanos ingerindo alimentos geneticamente modificados ou manufaturados a partir de transgênicos, as mudanças no organismo são imprevisíveis, desde o aumento de propensão a doenças até o aumento de resistência a antibióticos. Entidades científicas (como a Associação Médica Britânica, a SBPC – Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e a Union of Concerned Scientists) vêm divulgando a probabilidade de aumento de alergias. E por aí vai. Por isso a insistência na tecla da realização de testes e estudos exaustivos – pois o que está em jogo para uns pode ser o lucro e o monopólio empresarial, mas, para a grande maioria das pessoas (mesmo que elas não tenham real noção disso), é a sua própria saúde e o futuro do meio ambiente, áreas na quais mutações genéticas podem ser definitivas e fatais. Ou seja, a oposição à liberação descuidada de plantio e comercializaçao de transgênicos tem seus motivos.
Outro alvo de críticas por parte de ONGs é a dependência gerada pelas grandes empresas em relação aos herbicidas e a necessidade constante de compra de sementes. O caso da Monsanto é exemplar: ela não só vincula a compra de sementes transgênicas à compra de seu herbicida (afinal, as sementes não são atacadas por aquele tipo de herbicida, que pode ser usado para acabar com ervas daninhas, sem danificar a plantação) como faz os agricultores assinarem um contrato em que se comprometem a não reproduzir as sementes, obrigando-os a comprar novas sementes com a empresa a cada ano. Ou seja, cerceia a liberdade de escolha e a autonomia de plantação e reprodução do grão pelo agricultor. “Eu não planto, mas os agricultores filiados à Fetag-RS me relatam diferenças sentidas entre as sementes convencionais e as transgênicas. Não dizem nada com relação à qualidade, mas afirmam que, para plantar um hectare de soja convencional gastam R$ 80 (incluindo todos os fatores envolvidos), enquanto para plantar um hectare de soja transgênica gastam R$ 20”, relata Ezídio Pinheiro, presidente da Fetag-RS.
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