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Autor original: Marcelo Medeiros

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Os produtos químicos que vazaram do reservatório de uma indústria de papel em Cataguases (MG) no dia 30 de março são arrasa-quarteirões que devastaram a vida nos rios por onde passaram, o Pomba e o Paraíba do Sul, deixaram oito municípios fluminenses sem água e prejudicaram diversas atividades econômicas. Mas esse não é o primeiro nem o último acontecimento do tipo e só está recebendo tanta atenção pelo seu tamanho e apelo visual. Enquanto isso, há outras indústrias prestes a deixarem produtos químicos chegarem aos rios e nada é publicado. O poder público, portanto, deveria agir com mais rigor na fiscalização e criar leis mais adequadas à realidade. Já a sociedade tem que mudar seus hábitos e aprender a usar os recursos naturais disponíveis de maneira sustentável.


Estas são algumas das opiniões de Mário Moscatelli, biólogo e coordenador do Projeto de Recuperação e Conservação de Manguezais da Baía de Guanabara da Fundação OndAzul, emitidas nesta entrevista sobre o desastre ambiental que alguns especialistas classificam como o maior da história brasileira. O biólogo aproveita para alertar para o risco de vazamento de produtos químicos perigosos no litoral fluminense e para a degradação de outras áreas, como o rio Guandu, que abastece toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. Para Moscatelli, empresas e, principalmente, governos devem estar atentos ao cumprimento das leis, para que novas tragédias não aconteçam.


Rets - Quais as conseqüências ambientais desse vazamento?


Mário Moscatelli - Primeiramente, isso tem jeito de ter sido uma grande falha do proprietário da indústria de papel e do órgão de fiscalização ambiental de Minas Gerais. Quem deveria cuidar não cuidou. Quem deveria fiscalizar, não fiscalizou. O estado do Rio de Janeiro já é uma lixeira ambiental por si só e agora ainda recebe lixo de outros estados.


Falando das conseqüências, primeiro devemos descobrir exatamente o que havia naquele reservatório – quais as substâncias e em qual quantidade. Depois, saber o que acontecerá com cada uma delas, se diluirão na água ou ficarão nas margens, no fundo ou próprio rio.


A princípio, os produtos limparam a vida do rio. Porém, sem saber exatamente o que causou a morte, fica difícil tomar alguma atitude. É como na medicina: primeiro temos que saber como está o paciente para depois dar o remédio. As espécies mais resistentes podem voltar em seis meses – falo sem saber exatamente quais produtos mataram - enquanto outras podem desaparecer.


Rets - Já se sabe da presença de cloro e soda cáustica entre os produtos. O que eles podem causar?


Mário Moscatelli - São arrasa-quarteirões que limparam a vida do rio. O efeito é o mesmo que jogar água sanitária no aquário. Ouvi relato de moradores da região dizendo que viram peixes e camarões pulando da água. Isso caracteriza a falta de oxigênio. É importante lembrar que até agora os problemas se resumem ao leito do rio. Será mais grave quando chegar na foz do Paraíba do Sul e atingir outros ecossistemas como manguezais e praias. Os prejuízos não serão apenas ecológicos, mas também sociais e econômicos. Cabe perguntar quem vai pagar os carros-pipa, as perdas na produção de tomate etc.


Rets - Por falar em pagamento, você considera a multa de R$ 50 milhões suficiente?


Mário Moscatelli - É o valor mais alto já aplicado, mas a multa é pelo vazamento apenas, não quer dizer que os proprietários sejam obrigados a reparar os danos causados. Acho que todos os problemas causados pelo vazamento devem ser pagos por quem o provocou, pois o dano ambiental sempre é maior, a poluição permanece por um bom tempo. Como na medicina, é preciso acompanhar o paciente.


Rets - É possível calcular o valor de todos esses danos?


Mário Moscatelli - Basta ver o quanto se gasta com carro-pipa para as cidades, o prejuízo na produção de tomate da região e outras atividades econômicas paradas ou que sofrerão com a poluição. Diretamente, só com a definição das substâncias.


Rets - E quais riscos a população corre com toda essa poluição?


Mário Moscatelli - As pessoas usam água para beber, cozinhar, lavar roupa, tomar banho. É só imaginar que tudo isso está em risco ou foi suspenso. Todas as atividades devem ser ressarcidas e a Indústria Cataguazes de Papel é que deve se comprometer a pagar. Já fui perguntado se a água poluída poderia chegar à região metropolitana do Rio e a resposta é não. No entanto, a Bacia do Guandu, que abastece todo o Grande Rio, está completamente sucateada, tem esgoto despejado e lixão no caminho. A Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro) faz milagres para tornar essa água potável, mas a situação é dramática e tão ou mais grave quanto essa do Paraíba do Sul –só não está com os holofotes da mídia.


Existem verdadeiras bombas iguais ou maiores do que essa do Rio Pomba. Na Baía de Sepetiba (litoral sul fluminense), a falida Ingá Mercantil, que fabricava zinco, possui um depósito aberto de metais pesados. Para ela vazar, só falta uma chuva forte, muito comum nesta época do ano e naquela região. Qualquer vazamento pode ser causado por microfissuras nas represas. Não sou leviano a ponto de dizer que a represa da Ingá possui rachaduras, mas pode ter. Quem está gerenciando a massa falida da empresa e tomando previdências?


O poder público tem que fazer inspeções rigorosas em empresas, que geram empregos e impostos, mas precisam estar dentro das normas técnicas. Se não, o imposto vai todo para consertar as besteiras que fazem. A Baía de Sepetiba está aí para provar.


Rets - A fiscalização é eficiente?


Mário Moscatelli - Em Minas Gerais, alguém bobeou, mas não conheço suficientemente a região e seus órgãos para criticar. No caso da Ingá, aqui no Rio, estamos brincando com a sorte. É muito comum no Brasil o temporário virar permanente, temos uma cultura fatalista.


Precisamos de técnicos bem remunerados, os órgãos de fiscalização não podem ser sucateados. Muito político considera fiscalização uma dor de cabeça, mas se tudo funcionasse não aconteceria esse tipo de desastre.


Pode acontecer o mesmo que ocorreu com a segurança no Rio. É preciso um planejamento a longo prazo, com uma rota fixa. Alterações ao longo do projeto são possíveis, mas o caminho deve ser o mesmo sempre. É necessário dar orientação e fiscalizar para evitar essas coisas. O prejuízo é muito grande para pagar R$ 50 milhões. As ladainhas vão se suceder muito até esse dinheiro ser pago. Veja a Petrobras: primeiro teve aquele grande vazamento na Baía de Guanabara em 2000. Foi multada mas nada adiantou. Pouco tempo depois, derramou óleo da refinaria Presidente Getúlio Vargas, em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba em 2001. Uma coisa é o discurso de responsabilidade social, outra é quando tem que mexer no bolso.


Rets - E a legislação? Pelo menos na teoria ela é boa?


Mário Moscatelli - Tudo é lindo na teoria. O problema é a prática, que gera desvios de conduta. Não adianta termos leis utópicas, elas devem ser realistas.


Rets - A Cataguazes é uma indústria de papel e celulose. O quão poluente é esse tipo de indústria?


Mário Moscatelli - A indústria de celulose sempre está perto de rios pois precisa de água para o processo produtivo. Mas eles pegam a água limpa e não a devolvem como a pegou. Porém, no fim das contas é uma indústria como outra qualquer. O poder público precisa impor regras, se não acontece relaxamento do empresário e da fiscalização. Não sou contra nenhuma empresa, desde que funcione dentro de leis realistas.


Rets - A cobrança pelo uso de água seria uma solução para esse tipo de problema de uso indevido?


Mário Moscatelli - Até bem pouco tempo atrás, se pensava que a água seria um recurso infinito. Mas é como oferecer luz de graça. Sem cobrança, as pessoas deixariam a casa inteira ligada o dia inteiro. Como fazem hoje com a água.


Por enquanto o consumo ainda é grande para um custo baixo para o consumidor. A cobrança, é claro, deve ser avaliada pois alguns consumos são tão insignificantes que não valem o custo da emissão da conta. Fica mais caro comprar o papel do que cobrar pelo consumo. Porém, é uma boa estratégia para as pessoas físicas e jurídicas tratarem a água com mais consciência. 


 


Marcelo Medeiros

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