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Ajuda para quem ajuda

Autor original: Marcelo Medeiros

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Funcionando há mais de 50 anos, a Colônia Curupaiti, localizada em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, está precisando de ajuda. A Colônia, que funciona também como centro espírita Filhos de Deus, por anos foi dirigida por Amazonas Hércules, histórico militante contra a hanseníase, e atende a centenas de portadores e ex-portadores desta doença, além da comunidade do entorno de onde está localizada. Fora os medicamentos, eles têm emprego, cursos e diversas outras atividades no espaço onde a instituição funciona - um terreno cedido pelo governo estadual. Desde janeiro, porém, os pacientes da Colônia não recebem a alimentação prometida pelo estado - gerando algumas dificuldades e sobrecarga no centro.


Iniciativas como a Colônia Curupaiti são fundamentais dado o preconceito sofrido pelos portadores da hanseníase - antigamente conhecida como lepra - e pelos que, mesmo curados, ainda carregam seqüelas do mal de Hansen. Há casos em que pessoas foram demitidas e não conseguiram o trabalho de volta, em claros exemplos de discriminação provocada por ignorância: se tratada, a hanseníase não é contagiosa. Em outras situações, indivíduos tiveram que viver escondidos para não serem internados novamente, mesmo estando curados. Antigamente, os portadores eram proibidos de criar seus filhos e tinham que viver isolados.


Hoje em dia, algumas coisas estão melhores. É o que contam os voluntários da equipe da Colônia: a psicóloga Neide Teixeira Ribeiro e os ex-pacientes da entidade Carlos Augusto e Zita Prudêncio.


Rets - Por quais dificuldades passa a Colônia Curupaiti atualmente?


Equipe da Colônia Curupaiti - Dentro da colônia, que existe há mais de 50 anos, trabalhamos com hansenisianos e com a comunidade carente daqui. Todos recebiam cestas básicas, leite em pó e cursos para gestantes. Há ainda dois ambulatórios, ginecologistas, dentistas e uma farmácia. Funcionamos no terreno de um Hospital Estadual, o de Curupaiti. Aqui há cinco vilas, onde moram mais de 500 famílias. O governo estadual mandava alimentos para todos eles, que chamam de “etapa”, mas desde janeiro não recebemos nada. Alguns dos pacientes recebem do estado como prestadores de serviço, mas o salário está atrasado. O centro acaba cobrindo essas faltas.


Tivemos que optar entre os pacientes e os carentes de fora e os primeiros venceram. No geral, tudo é doado e atualmente está em falta: comida, pomadas, fraldas geriátricas e tudo o mais.


Rets - Como o centro funciona? De onde tira recursos?


Equipe da Colônia Curupaiti - Tudo vem de doação e todo o trabalho é voluntário. De vez em quando organizamos um bazar de roupas e móveis que nos são doados e acabam não sendo aproveitados. É tudo vendido barato, tipo R$ 1 ou R$ 2. Com o pouco dinheiro arrecadado compramos remédios, pomadas, gaze etc.


Rets - E por quanto tempo uma pessoa fica na Colônia para receber tratamento?


Equipe da Colônia Curupaiti - Depende. Alguns têm feridas crônicas e por isso estamos buscando alternativas. Alguns não se curam por causa da má alimentação ou problemas psicológicos. Nesses casos, o paciente vive em função da doença – por isso buscamos outras terapias. Mas já é possível se curar em até seis meses com os novos medicamentos.


Rets - Durante muito tempo a hanseníase foi motivo de preconceito, os portadores tinham que ser isolados da sociedade entre outros problemas. Como está a situação hoje?


Equipe da Colônia Curupaiti – O preconceito existe ainda hoje. Há gente que não chega perto, evita o contato. É falta de esclarecimento. Há uma propaganda na televisão do Ministério da Saúde dizendo que a hanseníase tem cura, mas não explica o que é hanseníase. Lepra todos sabem e a carga é muito forte. O mal de Hansen tem cura, mas mesmo curados os pacientes carregam seqüelas. As extremidades do corpo perdem a sensibilidade - nariz, mãos e pés. Há gente mutilada por causa disso. A maioria dos moradores das vilas anda em cadeiras de rodas. Ainda assim eles têm filhos, trabalham, enfim, levam uma vida normal. Mas quem vier aqui não vai ver nada do que imagina. A maior parte das marcas fica nas pernas.


Há uma estagiária de serviço social trabalhando aqui que faz entrevistas para fazer uma tese. Segundo ela, o preconceito é de dentro pra fora. Mas quem é ex-portador sabe que o preconceito é mesmo de fora para dentro. Há pouco tempo, o Carlos Augusto [uma das pessoas que participaram da entrevista] recebeu uma ligação de parentes do Nordeste, querendo informações sobre a hanseníase, pois alguém lá havia sido infectado. Quando souberam o que era a doença, todos começaram a falar para o garoto ir para a “casa de leprosos”.


Sabemos de casos também em que uma mulher que teve a doença e guardou seqüelas (pé deformado e mão atrofiada) ficou grávida e, quando chegou na maternidade, os médicos ficaram com medo de fazer o parto. A menina nasceu com pouco peso, mas mesmo assim ficou pouco tempo na maternidade, pois os doutores queriam acabar logo.


Rets - A prática de isolamento ainda é comum?


Equipe da Colônia Curupaiti – Este tipo de tratamento foi barrado pelo Ministério da Saúde em 1976. Era horrível. Os filhos chegavam a ser separados dos pais. Mas a informação demorou a chegar até muitos dos doentes. Mesmo em Curupaiti, antigamente, não se podia sair. Era preciso uma autorização do diretor, que só permitia quatro saídas por mês. Eles faziam de tudo para que a pessoa não precisasse sair. Tinha-se tudo aqui dentro. Ainda hoje isso acontece. Apesar de ser um centro espírita, temos espaço para todas as religiões - igrejas, templos budistas e até um terreiro -; tínhamos um cinema, hoje desativado; campo de futebol, quadras e bandas dos internos.


Antes, era pior; hoje em dia as coisas evoluíram. Agora, em até seis meses há cura, dependendo da vida que a pessoa levar. Atualmente só internam a pessoa quando ela tem mais de 60 anos e com provas de que ela não tem condições de vida fora do centro.


Rets - E como é a vida depois da hanseníase?


Equipe da Colônia Curupaiti – Temos trabalho aqui dentro. A mão-de-obra dos internos é aproveitada, pois antigamente trabalhar aqui era como um castigo. Ninguém queria vir pra cá. Vários entraram para o funcionalismo público em três concursos, nos anos de 1977, 1980 e 1990.


Rets - E fora, como é?


Equipe da Colônia Curupaiti - Eu [Zita] fui internada em 55, hoje tenho 65 anos, mas sabia desde pequena que tinha a doença. Em 1960 vim para o Rio. Em 1970 tive uma filha e saí. Vivia camuflada, só trabalhava à noite, sem ver conhecidos, pois eles podiam me denunciar. Como não podia estudar normalmente, fiz um curso supletivo e me formei em auxiliar de enfermagem. Tiraram meus filhos, que foram mandados a um colégio interno, e eu só podia vê-los de longe.


Comecei a trabalhar e ninguém descobriu que eu tinha tido a doença, mas era obrigada a esconder as marcas. Com o passar do tempo, fui aposentada por causa das seqüelas. Como não consegui ficar parada, voltei há 14 anos para ser voluntária aqui, onde fui tratada.


Rets - O Brasil é o segundo país com mais casos de hanseníase, atrás da Índia. A que vocês atribuem tantos casos?


Equipe da Colônia Curupaiti – São vários fatores. A contaminação é por vias superiores, nariz e boca. Tem a ver com más condições de vida. É um absurdo ainda termos tantos casos. O bacilo da bactéria tem reprodução lenta, a cada 15 dias e só se reproduz no ser humano. Temos a multidroga - o último tratamento -, mas ainda há casos surgindo. Acho que a campanha está fraca.


Rets - O governo brasileiro firmou um acordo em 1999 com a Organização Mundial de Saúde onde se comprometia a fazer a hanseníase deixar de ser um problema de saúde pública (ter no máximo um caso por 10 mil habitantes) até 2005. Será possível alcançar essa meta?


Equipe da Colônia Curupaiti - Acreditamos que não.


Para ajudar a Colônia Curupaiti com alimentos, remédios, artigos hospitalares, roupas, lençóis e produtos de higiene e limpeza basta ligar para (21) 2423-3099 ou (21) 2225-3178.


Marcelo Medeiros

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