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Themis: dez anos na balança

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor







Segunda esposa de Zeus, Themis personificava a ordem e o direito na mitologia grega. Por isso tornou-se conhecida como deusa da justiça. E não por acaso, em 1993, exatamente no Dia Internacional da Mulher, inspirou o batismo de uma organização que se propõe a construir e apoiar mecanismos de defesa e promoção dos direitos da mulher. Dez anos depois, justiça seja feita, a balança pende a favor desse projeto.

"O balanço que a gente faz é bastante positivo, pelo reconhecimento que a entidade tem hoje em Porto Alegre e em todo o Rio Grande do Sul. Nesse período, conseguimos não apenas um grande reconhecimento, mas também formamos uma rede de amigos", analisa a advogada Carmen Campos, que coordena o Centro de Documentação, Estudos e Pesquisas (Cedep), um dos três eixos principais do trabalho desenvolvido pela entidade – os outros são os programas Advocacia Feminista e Promotoras Legais Populares.

O Cedep é a base teórica das intervenções realizadas pela Themis. Além de registrá-las em livros e publicações como a revista "Gênero e Direito" (já em sua terceira edição), procura estabelecer canais de diálogo com as esferas jurídica e acadêmica. "Queremos fazer a discussão das questões de gênero no campo do Direito" diz Carmen. "E o espaço para essa discussão pode ser a revista ou eventos como o seminário internacional que vamos organizar no ano que vem, provavelmente em março". A Themis vem trabalhando, ainda, para disponibilizar todos os artigos, estudos e publicações em seu site, de modo a formar um banco de dados para quem tiver interesse em fazer consultas ou pesquisar o tema.

Um outro eixo fundamental das atividades da organização é a Advocacia Feminista, projeto que busca formar jurisprudência favorável a partir da perspectiva dos direitos humanos das mulheres. A idéia é estimular o Ministério Público e o poder judiciário a se manifestarem sobre as questões de gênero, levando-os a considerar uma outra perspectiva, baseada nos instrumentos internacionais dos quais o Brasil é signatário, principalmente a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (conhecida como Convenção de Belém) e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).

Duas vezes por semana, às terças e quintas, a Themis mantém plantões de assessoria jurídica em que os casos são atendidos por sua equipe técnica e por voluntárias do grupo de Promotoras Legais Populares. A formação dessas promotoras, aliás, é um dos projetos de maior repercussão da entidade. Carmen explica: "É um trabalho socialmente reconhecido, que se projetou nacionalmente e se estabeleceu por meio de parcerias com organizações não-governamentais locais. Nós capacitamos essas organizações e elas desenvolvem o projeto em seus municípios".

O objetivo é dar a mulheres com papel de liderança em suas comunidades conhecimentos sobre direitos sexuais e reprodutivos, direito constitucional e de família, legislação para defesa e proteção contra a discriminação racial e contra a violência sexual e doméstica e noções sobre a organização e o funcionamento do Estado, em especial sobre o poder judiciário. Capacitadas, elas passam a atuar como multiplicadoras.

A capacitação dessas promotoras se dá por meio de parcerias com o Ministério Público, advogados e outras instituições. O treinamento é desenvolvido nas próprias comunidades. Segundo Carmen, há benefícios para os dois lados. "Eles tomam contato com a realidade dessas comunidades e podem se aproximar dos movimentos populares. Por sua vez, nós proporcionamos a essas mulheres a oportunidade de conhecer melhor como funciona a Justiça. Isso ajuda a desmistificar a imagem que elas têm desses poderes e mostra que eles não são inatingíveis – precisam e devem ser utilizados". O resultado, segundo ela, é que as mulheres envolvidas neste projeto passam se reconhecer como cidadãs, começam a exercer seus direitos e auxiliar outras mulheres.

Maria da Graça da Silva é uma delas. Há dois anos, formou-se como promotora legal popular. Hoje participa dos plantões semanais da Themis e, quinzenalmente, participa das atividades de atualização organizadas pela entidade. Atua também nos SIM (Serviços de Informação à Mulher) – espaços mantidos em comunidades de baixa renda, em parceria com ONGs locais ou com o poder público, e utilizados para debate, educação, orientação, prevenção e defesa.

"Sempre gostei de trabalhar em lutas sociais e achei que era preciso enfrentar e viver outras situações, porque havia muita coisa envolvida", relata. "Às vezes chegava uma mulher espancada, humilhada, e a gente não sabia bem como agir. Era preciso dar a ela o conhecimento da sua própria cidadania, resgatar sua auto-estima... e tudo isso a gente foi compreendendo com o projeto das Promotoras Legais Populares".

Graça participa também de oficinas organizadas em universidades e percebe um grande interesse dos estudantes de Direito e Assistência Social em conhecer melhor a experiência vivida por ela e por outras promotoras legais populares no dia-a-dia. "Normalmente as mulheres que atendemos não têm conhecimento dos seus próprios direitos", observa.

O projeto – que já capacitou 22 ONGs de sete estados – é responsável pela formação de mais de mil promotoras legais populares em todo o país. No segundo semestre, com o início da próxima etapa, chegará a outros cinco estados das regiões Norte e Nordeste. "Costumo dizer que o que a gente faz é ‘clínica geral’ ", diz Graça. "A mulher, às vezes, vem nos procurar depois de ter sido agredida. E aí a gente descobre que ela nunca fez exame preventivo contra câncer, que não sabe o que é planejamento familiar, que não tem alimentação adequada... falta a ela, portanto, todo tipo de coisa, e nossa função é atendê-la e apoiá-la".

Um dos maiores problemas enfrentados pela mulher – e responsável por boa parte dos atendimentos prestados pelas promotoras – é a violência sexual. No entanto sua visibilidade na sociedade brasileira ainda é relativamente pequena. No mês passado, a Themis promoveu o lançamento da campanha "Violência sexual: quem esconde o problema esconde a solução", realizada pela Rede Estadual de Justiça e Gênero, com apoio da Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e do Governo do Estado do Rio Grande do Sul. A exemplo de campanha semelhante realizada no ano anterior, o objetivo é chamar atenção para esse problema. Ao contrário daquela, porém, não pretende ser apenas informativa, mas tem o objetivo de estimular denúncias. "É a continuidade daquela campanha. Dessa vez ampliamos o alcance para todo o estado e estamos fazendo veiculação em mídia. E temos um telefone para as denúncias", informa Carmen.

O número é (51) 3212-2724, disponível somente no horário comercial. Quem telefonar poderá contar o caso que viveu ou presenciou e receberá orientação e aconselhamento sobre o que fazer e como proceder.

Orientação, apoio e empenho na defesa dos direitos da mulher têm sido, aliás, uma prática diária da Themis ao longo desses dez anos de vida. Segundo a mitologia, Themis era também uma deusa de profecias e teria, durante algum tempo, ocupado o trono do Oráculo de Delfos. Carmen, por sua vez, não tenta prever o futuro, embora enxergue uma perspectiva favorável para a mulher brasileira. "Estamos vivendo um período muito difícil para o mundo, um período de guerra e, conseqüentemente, de violações dos direitos. Por conta disso, as mulheres sofrem muito – pela morte de filhos, por estupros e por uma série de violências. Por outro lado, aqui no Brasil, temos um paradoxo: existe uma expectativa de ampliação dos direitos, de fortalecimento da perspectiva feminina. E a gente espera que isso se torne realidade".



Fausto Rêgo

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