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Possíveis motivos

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Talvez o mais importante de se comentar com relação ao PL 07/2003 é que ele não é o único com a intenção de regular ONGs. É mais um de uma série de propostas apresentadas no Congresso Nacional por parte de alguns parlamentares. O PL 246, de 2002, de autoria do senador Mozarildo Cavalcanti, é um destes e contém propósitos e redação bastante semelhantes, senão idênticos, aos do PL 07/2003. O parlamentar foi o presidente da CPI das ONGs. Já o PL 227, de 1999, cujo autor é o senador Sebastião Rocha, também tem como objeto a regulação de ONGs, porém as estrangeiras e sua atuação no Brasil. (Um dos principais equívocos deste projeto de lei, especificamente, é esquecer que as organizações estrangeiras, para atuarem no país, precisam de permissão do governo federal. Uma vez isso permitido, as instituições continuam sujeitas às leis de seu país de origem no que se refere a regras de registro e funcionamento.) Existem também os outros PLs surgidos da CPI das ONGs, como os de número 8, 9, 10, 11 e 12, todos de 2003 (para saber mais sobre estas propostas leia o box “Os outros PLs surgidos na CPI”, ao lado). A esses projetos de lei somam-se outros, apresentados tanto no Senado Federal quanto na Câmara dos Deputados, que, pelo próprio fato de serem diversos, dificilmente podem ser contabilizados com precisão.

A que se devem algumas dessas reiteradas tentativas de aprovação de leis criando mecanismos de controle das ONGs? Não há uma explicação fechada, definitiva para isso – uma vez que as organizações da sociedade civil não provocam, na sua imensa maioria, perigos ou problemas sociais decorrentes de suas atuações. Pelo contrário: procuram, junto com o Estado, encontrar soluções, alternativas e caminhos para deficiências identificadas na sociedade. Portanto, para tentar explicar ou justificar os cada vez mais numerosos PLs voltados para o controle das ONGs, há somente suposições. Para Alexandre Ciconello, da Abong, o que determina é interesse. “Isso só pode ser explicado pelo interesse pessoal do parlamentar ou de uma bancada em propor normas sobre um determinado assunto. No caso da CPI, que foi geradora do PL 07/2003, era curioso notar o interesse pessoal do presidente da Comissão em ‘desqualificar’ o universo das ONGs. Essa ‘pessoalidade’ fica ainda mais evidente quando verificamos que o presidente da Comissão empenhou-se com afinco na instalação da CPI, mesmo após a conclusão de um estudo solicitado pelo mesmo, em 1999, à Consultoria Legislativa do Senado sobre ONGs que atuam no Brasil, no qual foi demonstrado que são isolados e restritos os casos de irregularidades promovidos por falsas ONGs”.

“Alguns deputados e senadores não são do Brasil, ou seja, para todos os brasileiros. São de alguns grupos e regiões e legislam para estes, sendo mandatários de mandamentos não muito claros”, opina Paulo Haus, advogado especializado em terceiro setor e coordenador da área de Legislação da RITS. Ou seja, a motivação para projetos de lei deste tipo provavelmente vem muito mais de interesses ou preferências dos parlamentares do que de necessidades identificadas pela sociedade ou pelas próprias organizações da sociedade civil. Para que essa falta de adequação seja superada, uma saída seria o diálogo com as entidades afetadas pelas propostas de novas normas, a fim de se identificar o que precisa ser de fato alterado, criado, aperfeiçoado etc.

Assim que a nova gestão do governo federal começou, muitos acreditaram que o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, então recém-criado, seria um espaço propício a este diálogo. Porém o órgão que mais vem se inclinando para a conversa e o relacionamento com a sociedade civil organizada é a Secretaria Geral da Presidência. É bom lembrar que a mudança na gestão do Governo Federal não quer dizer necessariamenre que tentativas de estabelecimento de mais controle sobre ONGs – especialmente as ambientais e as de origem internacional, que parecem ser os principais alvos dos PLs que tramitam atualmente – vão acabar. Afinal, são dois poderes diferentes: Executivo e Legislativo. Pode significar, porém, que o relacionamento entre ONGs e Estado possa se estreitar e que, assim, se possa chegar conjuntamente a conclusões sobre o que é necessidade e o que deve ser priorizado – inclusive nas leis.

“O Secretário Geral da Presiência, Luis Dulci, já manifestou publicamente a intenção de conhecer e sistematizar as informações sobre as ONGs. Esta intenção é interessante na medida em que não demonstra querer controlar, colocar cabresto nas organizações não-governamentais, mas conhecer para poder atuar em conjunto, saber de experiências bem-sucedidas, aproveitá-las, se for o caso, etc.”, afirma Ciconello. Essa possível abertura poderia, além disso, ser o canal necessário para que discussões como a reforma do marco legal do terceiro setor, ignorada pelos PLs que tentam estabelecer o que já é lei, possam se aprofundar e gerar mudanças na legislação que de fato atendam a demandas e necessidades do Estado com relação às ONGs – e vice-versa.

A Secretaria Geral da Presidência foi contactada pela Rets, porém, apesar de terem se mostrado dispostos a falar sobre como podem ser criados canais de diálogos, não houve tempo hábil para que respondessem.


Maria Eduarda Mattar

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