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Duas super potências

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Artigos de opinião

Olinto A. Pegoraro*


A superpotência bélica americana não calculou que esbarraria contra outra superpotência, muito mais forte, a consciência ética e política de mais de 100 países e de milhões de pessoas que em 600 praças clamaram (e seguem clamando) pela paz. O mundo está convicto que a paz não só é possível, mas é também o caminho da construção de uma convivência mais feliz entre as nações. Este discurso ético é feito também por diplomatas, políticos, filósofos e pela consciência cristã, católica, luterana, metodista, batista e pelo Conselho Mundial de Igrejas.


Entretanto, a arrogância americana além de fazer ouvidos moucos ao clamor mundial, desprezou o Conselho de Segurança da Nações Unidas considerando-o irrelevante. Na política de Bush pesaram mais as armas que a moral, mais a força que a razão. Esta visão estreita prejudicou o mundo e criou na sociedade americana um clima de pavor permanente dos ataques de inimigos supostamente alojados intra-muros.


Atendo-nos ao confronto das superpotências militar e moral, note-se que no brutal ataque de 11 de setembro de 2001 Bush recebeu o apoio unânime da consciência ética mundial, capital moral agora destruído pelo próprio governo americano e convertido em indignados protestos. Quem mudou de lado não foi a consciência ética mundial mas a Casa Branca que, desde o atentado às torres de Nova York defende uma só tese: combater o terrorismo. Este discurso pobre e negativo cristalizou-se na espantosa doutrina Bush da guerra preventiva que pode colocar o mundo em permanente estado de guerra, nação contra nação, continente contra continente para dissuadir supostos inimigos. Ora, a consciência ético política, hoje, considera totalmente obsoleta a distinção entre guerra justa e injusta. Nenhuma guerra é justa; mas o "filósofo" da Casa Branca acaba de propor uma terceira tese: a guerra preventiva permitindo-lhe atacar países que, possivelmente, poderiam vir a ser um obstáculo aos americanos.


Mais ainda, o senhor da guerra constituiu-se também em árbitro do mundo definindo quais são as nações do bem e quais as do mal. Portanto, temos aqui um explícito fundamentalismo político conjugado com o fundamentalismo religioso. Ao contrário de tudo isto, desde os filósofos gregos sabemos que a força tecnológica deve ser subordinada à superioridade dos princípios ético-políticos. A coalizão anglo americana fez exatamente o contrário. Esta atitude falsa foi tomada em nome da liberdade, o bem mais precioso dos cidadãos. Com efeito, no discurso em que anunciou o início da invasão do Iraque, Bush disse que o principal objetivo da guerra era "a liberdade do povo iraquiano". Mas o povo, pela sua disposição à resistência do invasor, mostra que não esperava "o libertador americano" e por isso rejeita-o com veemência. Ademais, Bush afirma que, após a "libertação", será instaurada a democracia no Iraque. Mas que democracia é esta ditada militarmente por um invasor todo poderoso? Ao mesmo tempo, a doutrina Bush prega que a ação militar visa a eliminação do terrorismo. Ora, é sabido que o terrorismo guerrilheiro não se combate com o terrorismo tecnológico, sendo este último pior que o primeiro. Já dizia um antigo adágio que se pegam mais moscas com uma gota de mel do que com um barril de fel.


De tudo isto podemos tirar duas conclusões: 1) a superpotência armada cai nas contradições supracitadas por que ela é cega aos grandes valores das pessoas e da cultura mundial; 2) não é a ONU que perdeu a relevância mas o governo americano que não só se fechou ao mundo mas também o ameaça. Sucede porém, que o apogeu do poder bélico coincide com o início do declínio como aconteceu com todos os impérios armados da história do mundo. É sempre mais fácil eliminar o adversário do que gastar tempo para convencê-lo com argumentos ou deixar-se convencer por ele. Um é o caminho curto da truculência, escolhido pela Casa Branca; outro é o caminho longo do debate ético político e da diplomacia dos outros países.


Estas são as duas superpotências do início do terceiro milênio: o império das armas contra o império da consciência ética.


*Olinto A. Pegoraro é professor do Centro de Estudos Ética e Sociedade e do Depto. de Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).





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