Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
![]() | ![]() |
![]() |
O Protocolo de Quioto foi criado em 1997 e estabelece regras mais rígidas de redução de gases que causam o efeito estufa - os chamados GEE - do que aquelas previstas na Convenção Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (para entender melhor os documentos e sua origem, leia a matéria "Entenda o Protocolo e a Convenção", ao lado). O documento estabelece que os países desenvolvidos - os inseridos no anexo I da Convenção - terão a obrigação de reduzir a quantidade de seis gases que provocam o efeito estufa em pelo menos 5%, em relação aos níveis de 1990. Para sua entrada em vigor, o Protocolo necessita ser ratificado por pelo menos 55 partes da Convenção, incluindo os países desenvolvidos que eram responsáveis por pelo menos 55% das emissões totais de dióxido de carbono em 1990.
Sua ratificação e conseqüente entrada em vigor por parte dos países signatários, no entanto, deixa a desejar. O caso mais preocupante e exemplar é o dos Estados Unidos, que se recusam a ratificar o Protocolo, apesar de serem responsáveis por cerca de 25% da emissão de GEEs no mundo. Mesmo com a ausência do maior poluidor do planeta, os ventos sopram a favor e tudo indica que o Protocolo deve conseguir entrar em vigor neste ano ou no próximo - depois que o Canadá o ratificou, em dezembro de 2002, e a Rússia acenou estar propensa a ratificar. Os dois países fazem parte do anexo I. De acordo com dados das Nações Unidas atualizados até o dia 28 de abril, 84 países já assinaram o Protocolo, sendo que 59 ratificaram. A marca de 55 países, portanto, já foi atingida. Com a entrada da Rússia neste grupo, vai-se satisfazer a obrigatoriedade de ser assinado por países responsáveis por 55% das emissões de GEE em 1990.
Mas, além da polêmica internacional sobre quem assina ou não o Protocolo, outra questão tem dominado os debates sobre mudanças climáticas: o MDL, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, novidade criada no artigo 12 do Protocolo. Diz o texto do documento: "o objetivo do mecanismo de desenvolvimento limpo deve ser assistir às Partes não incluídas no anexo I para que atinjam o desenvolvimento sustentável e contribuam para o objetivo final da Convenção, e assistir às Partes incluídas no anexo I para que cumpram seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões".
Mais à frente, o documento estabelece que as Partes não incluídas no anexo I poderão se beneficiar "de atividades de projetos que resultem em reduções certificadas de emissões"; e as Partes incluídas no anexo I "podem utilizar as reduções certificadas de emissões, resultantes de tais atividades de projetos, para contribuir com o cumprimento de parte de seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões".
Ou seja, fica criada assim a possibilidade de países desenvolvidos (os do anexo I) negociarem com países não-anexo I (normalmente, os países em desenvolvimento) a redução de emissões de GEEs nestes últimos. Iso pode ser feito, por exemplo, através do financiamento de projetos de substituição de energia fóssil por energia renovável, ou de atividades de redução de gases nocivos na atmosfera - como o seqüestro de carbono. Este mercado em potencial é o que mais tem recebido atenção dos ambientalistas e, principalmente, dos países desenvolvidos que não querem diminuir suas atividades produtivas, o que levaria à diminuição dos GEEs.
O professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe-UFRJ, Roberto Schaeffer, lembra que um dos temas que tem dominado os debates - o seqüestro de carbono (que seria uma das formas de se diminuir a presença do gás na atmosfera) - ainda não está sequer regulamentado. "Muita coisa ainda está sendo discutida, como, por exemplo, se o seqüestro de carbono serve de fato para projetos do MDL. Por exemplo: questiona-se se, ao plantar uma árvore agora e daqui a alguns anos ela for queimada ou cortada, os países que investiram terão direito ao dinheiro de volta. Este é apenas um dos pontos do debate". Já Fábio Feldman, secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, defende que apesar de as dicussões dizerem repeito mais frequentemente a formas de se capturar carbono, sumidouros do gás etc., é mais fácil a substituição de energias fósseis por energias renováveis. "A mudança no tipo de energia é mais fácil de se executar", afirma. Para Sérgio de Mattos, da APREC Ecossistemas Costeiros (que coordena um projeto de levantamento de dados sobre a aplicabilidade do seqüestro de carbono), "a grande 'sacada' da questão das mudanças climáticas é justamente a implementação de energias alternativas, pois pode estabelecer novos modos, novas práticas".
Previsão do tempo
No entanto, visando a aproveitar a possibilidade de negociar certificados de emissão de carbono, as nações ricas já estão atentas a projetos implementados em países em desenvolvimento: mesmo sem o Protocolo de Quioto existir na prática (pois não entrou em vigor), os projetos que se voltam para a diminuição dos GEEs na atmosfera que tenham se iniciado a partir de 2000 poderão ser aproveitados e encaixados no MDL, quando o Protocolo entrar em vigor. É também no artigo 12 que isso está previsto: "reduções certificadas de emissões obtidas durante o período do ano 2000 até o início do primeiro período de compromisso podem ser utilizadas para auxiliar no cumprimento das responsabilidades relativas ao primeiro período de compromisso."
É o caso, por exemplo, da recém-implementada iniciativa da Prefeitura de Palmas, Tocantins. Divulgada como o primeiro projeto de seqüestro de gás carbônico em área urbana no mundo, a intenção é que se absorva anualmente 16 mil toneladas de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, totalizando 246.110 toneladas em 15 anos. A novidade prevê a preservação de 3.700 hectares de áreas não degradadas, o reflorestamento de 1.500 hectares de áreas degradadas e a implantação de 300 hectares de praças e jardins até 2005.
Também com vistas a preparar terreno - porém com um objetivo diferenciado - para o momento em que certificados de emissão de carbono puderem ser emitidos e vendidos através do MDL, a APREC Ecossistemas Costeiros, organização não-governamental de Niterói (RJ), desenvolve o projeto Reflorestamento de Manguezais e o valor de Resgate do Seqüestro de Carbono Atmosférico. Sérgio de Mattos, diretor da instituição, explica o que é a iniciativa: "Depois que entramos no Consórcio Baía Azul - iniciado pelo Ibama depois daquele grande derramamento de petróleo da Petrobras na Baía de Guanabara - demos continuidade a uma atividade que já fazíamos, porém com uma extensão maior: o reflorestamento de manguezais. A partir daí, identificamos a possibilidade de estudar como esta atividade pode servir para o seqüestro de carbono".
Segundo ele, é importante - mais do que averiguar o quanto as atividades podem render em termos de quantidade de carbono certificado - analisar como um projeto desses vai estar inserido nas comunidades. Ou seja, trata-se da necessidade de que tais projetos tenham um fator social, que leve em conta o modo como a comunidade participará, não só como beneficiária da iniciativa, mas como agente. "É o que chamamos de carbono social, e tem que levar em conta a participação das comunidades. Senão não adianta reflorestar: as pessoas vão lá e pisam", ensina.
Para ele, as pesquisas e avaliações brasileiras sobre as possibilidades de implantação de projetos de seqüestro de carbono deixam a desejar. "É muito incipiente. Ainda se está na expectativa de que o Protocolo seja aprovado. Falta também, no Brasil, a definição de critérios e a formação do organismo que ficará responsável por isso, entre outras coisas", diz.
Outro projeto que já considera as possibilidades do MDL é o implementado pela fábrica de carvão Plantar, de Minas Gerais. A indústria implantou o projeto, financiado pelo Banco Mundial, para substituição energética, utilizando carvão vegetal no lugar do carvão mineral. Assim, a fabricante vem plantando florestas de eucalipto, para poder produzir o carvão vegetal, ecologicamente mais correto que o mineral. A utilização deste é prejudicial ao meio ambiente, pois em sua combustão são liberados compostos de enxofre, responsáveis pela chuva ácida, e principalmente CO2 - maior contribuinte para o efeito estufa.
Condições adversas do clima
Neste contexto em que as atenções recaem sobre o futuro "mercado de carbono" e - em menor escala - sobre a troca de energias fósseis por renováveis, problemas não deixam de ser apontados no modelo que pode surgir a partir daí. O primeiro deles é que, com, os países negociando ao bel-prazer financiamento de projetos que diminuam a emissão de gases, a questão - essencialmente ambiental e de desenvolvimento - pode vir a se reduzir a um assunto econômico. Fábio Feldman acredita que isso não irá acontecer: "Não acredito que vá se limitar a isso, pois é muito maior". De qualquer maneira, a possibilidade existe, uma vez que é justamente o fator econômico que vem sendo decisivo para que países ratifiquem ou não o Protocolo de Quioto - afinal, aqueles que não querem diminuir sua produção são os que têm se recusado a reafirmar o documento.
Além disso, outro risco iminente é que a possibilidade de usar o MDL seja um pretexto para que países desenvolvidos continuem poluindo da forma que sempre fizeram. "Essa é uma grande discussão: o que deve ser redução doméstica e o que pode ser feito através do investimento em países em desenvolvimento", diz Feldman, cuja opinião é de que o MDL pode, sim, ser um modelo criativo de estimular investimentos em países em desenvolvimento. Mattos concorda e remarca que, se os países mais poluidores continuarem emitindo gases nocivos baseados no argumento de que podem financiar projetos de redução de emissão ou comprar créditos de carbono, "perde-se o próprio objetivo do Protocolo e da Convenção, que é redução das emissões de carbono nos países industrializados".
Processos como o de seqüestro de carbono e a comercialização dos créditos de carbono ainda precisam ser regulamentados. Organismos específicos necessitam ser criados no Brasil. Antes disso, o Protocolo de Quioto deve entrar em vigor. É necessário, ainda, que se defina o que entrará na categoria de projetos a serem financiados. Ou seja, indefinições existem e precisam ser resolvidas para que o MDL e outras formas de redução de emissão de GEEs possam ser postas em prática. Porém, o que não pode deixar de existir é a mudança de atitude, especialmente dos países mais desenvolvidos, ou seja, os mais poluidores. Como afirma Feldman, "o grande desafio da humanidade é fazer as mudanças necessárias". Ou, como defende Mattos, "o que se precisa é de um modelo gradativo de mudanças, que pode ser um grande passo para a humanidade sair de um modelo degradador".
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer