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Direito humano ao trabalho

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Sueli Carneiro*


Acaba de ser apresentado à Comissão de Direitos Humanos da ONU o Relatório Brasileiro sobre Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais - 2003, elaborado pelo(a)s primeiro(a)s relatore(a)s nacionais em DhESC no Brasil. O relatório do Direito ao Trabalho, elaborado pela Dra. Lucila Bandeira Beato, é um diagnóstico precioso do tema e de identificação do rol de políticas específicas necessárias para que o trabalho possa se tornar um direito humano plenamente respeitado em nossa sociedade.


O desemprego e o trabalho em condições injustas e desfavoráveis são fenômenos presentes em todo o território nacional. O relatório destaca a importância de reverter a tendência de diminuição do apoio governamental ao desenvolvimento de políticas e ações voltadas para a geração de emprego e renda, asseverando ser ''intolerável que cerca de 55 milhões de brasileiros e brasileiras, em sua maioria afro-descendentes, mulheres e crianças, vivam abaixo da linha de pobreza, em situação de desemprego ou não dispondo de trabalho em condições justas e favoráveis e em níveis de remuneração compatíveis com a satisfação de suas necessidades básicas e de suas famílias, o que constitui uma violação dos direitos humanos fundamentais''.


A partir de denúncias recebidas sobre situações de violação aos direitos humanos e com base em missões e visitas in loco, o relatório reafirma que a dicotomia ''público/privado'' tem tradicionalmente falhado em reconhecer e remediar as violações de direitos humanos que ocorrem na esfera privada.


Exemplo emblemático é a situação do trabalho doméstico no Brasil. ''É comum as domésticas que trabalham 12 a 15 horas diárias apenas em troca de moradia e alimentação, ou por um salário miserável; a prestação de serviços em horas extraordinárias se assemelha ao trabalho escravo''. A luta da categoria pela igualdade de direitos reivindica para os trabalhadores e trabalhadoras domésticos, no mínimo, aquilo que já é garantido para os outros trabalhadores. Elas não têm garantidos, por exemplo, a jornada de trabalho de 8 horas diárias e o pagamento de horas extras. O direito ao FGTS é facultado, desde que requerido pelos empregadores. A maior categoria profissional feminina no país ocupa, hoje, aproximadamente 4,6 milhões de mulheres.


Seus níveis de remuneração estão entre os mais baixos no mercado de trabalho: três milhões de domésticas ganham até um salário mínimo. As trabalhadoras domésticas são vítimas do sexismo e do racismo, presentes nos assédios, abusos, humilhações e maus-tratos sofridos por essa categoria, marcada pela presença de mulheres negras e pelo trabalho de crianças e adolescentes.


A relatora nacional acolheu, também, denúncias e propostas sobre o trabalho escravo e forçado, trabalho infantil, trabalho migrante, indígena e quilombola, trabalhadores portadores de deficiência e homossexuais.


Ao tratar da discriminação no emprego e ocupação e da garantia dos direitos fundamentais à igualdade e não-discriminação, ressalta que os pactos e convenções internacionais de direitos humanos reconhecem explicitamente a necessidade dos governos de adotar medidas especiais voltadas para trabalhadores e trabalhadoras que se defrontam com formas múltiplas de discriminação para a realização de seus direitos humanos, medidas especiais aplicadas através de programas de ação afirmativa.


Entre as ações governamentais e não governamentais bem-sucedidas na promoção do direito humano ao trabalho, destaca-se o Programa Integrado de Inclusão Social, da Prefeitura de Santo André, e também a Rede de Economia Solidária, em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial 2003, como exemplo de organização da população em situação de risco social e uma experiência prática de geração de trabalho e renda para comunidades periféricas sem oportunidades de inserção no mercado de trabalho.


*Sueli Carneiro é pesquisadora do CNPq, diretora do Geledés - Instituto da Mulher Negra e colunista da revista Afirma, onde este artigo foi publicado originalmente.





A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

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