Autor original: Mariana Loiola
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A necessidade de alertar a sociedade para o aumento do número de crimes sexuais cometidos contra crianças, adolescentes e mulheres, motivou organizações não-governamentais acreanas a darem início à Campanha Pela, Vida Pela Paz, em seu estado. As entidades querem conscientizar a população para a gravidade do problema, estimular novas denúncias e propor estratégias de combate à violência sexual.
A iniciativa é articulada pelo Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia (Mama), e surgiu há três meses, a partir da indignação contra o aumento do número de casos de violência sexual divulgados pela imprensa. "O Mama passou a ser muito procurado para acompanhar casos de pedofilia. Nesses acompanhamentos, ficamos incomodados com o fato de esses crimes serem considerados naturais", conta Concita Maia, coordenadora do Mama. Casos não encaminhados pelo judiciário, casos de mulheres e crianças mortas, de assassinos que continuam soltos e de regalias de criminosos condenados dentro da prisão incitaram o Mama a chamar outras organizações para irem às ruas e empunharem cartazes. Também foram encaminhados ao governo documentos e abaixo-assinados pedindo o fim da impunidade.
Para Concita, o aumento do número de denúncias torna mais evidente uma triste realidade, mas é também sinal de que as pessoas têm tido mais coragem para se expor. A campanha convoca agora toda a sociedade do Acre, organizações governamentais e não-governamentais para pôr fim à cultura desse tipo de violência. "Acreditamos que podemos reverter o quadro, sendo instrumento de denúncias, proposições e cobrança de políticas públicas do governo", afirma.
Representantes de oito entidades integrantes da campanha se reúnem semanalmente, para planejarem o monitoramento de casos e o acompanhamento de políticas públicas, além de articulações com órgãos governamentais. "Só quando o governo tomar para si a responsabilidade e elaborar políticas públicas, é que se dará um pulo em direção ao combate de crimes sexuais", diz Concita.
A campanha se defronta com um panorama de altos índices de crimes sexuais praticados especialmente contra crianças e adolescentes - dentre eles o de pedofilia, estupro e exploração de crianças. Na região, existem ainda problemas específicos, como o tráfico de crianças e adolescentes, principalmente na fronteira entre o Brasil e a Bolívia, e o estupro de mulheres indígenas por tropas do exército brasileiro. Além disso, muitas pessoas escondem casos de violência sexual por vergonha de denunciar.
Mas, para revolta de muitos, a maioria dos casos ocorre ainda dentro da família, segundo Joelda Paes, socióloga do Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular (Cedhep), uma das entidades que participam diretamente da campanha. Ela cita exemplos de casos como o de um pai, acusado de cometer violência sexual contra as filhas, e que voltou a viver com a família, por solicitação da própria família e com a aprovação da justiça. A justificativa nesse caso foi o fato de ele ser o responsável pelo sustento familiar. Casos como esse são comuns na região, onde a violência sexual intra-familiar acaba sendo naturalizada. "Permitir que o agressor volte a conviver com a vítima vai de encontro à lei vigente. O que nós queremos é que se respeite a legislação", afirma a socióloga.
Um dos documentos elaborados e encaminhados pelas entidades ao Ministério Público é um manifesto que exige do governo a efetivação e a garantia da proteção de crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais no estado, através de setores e serviços especializados no atendimento desses casos. O documento aponta a necessidade de três ações urgentes: a criação de uma delegacia especializada no atendimento de crianças e adolescentes vítimas de crimes, com psicólogos, assistentes sociais e agentes policiais capacitados; a criação de uma vara especializada ou designação de juízes para processar e julgar os casos dessa natureza; e a aprovação de medidas legislativas e executivas que visem a coibir e prevenir tais práticas delituosas. "Há poucas instâncias de proteção e punição que possam atender toda a demanda no estado. A vítima tem que se sentir segura no momento do depoimento. Se não houver atendimento humanizado, ela corre o risco de ser revitimizada - às vezes, pela falta de sensibilidade, ela é mal tratada e sofre outra violência", diz Joelda.
O Mama pretende estender a campanha, ainda este ano, para todos os nove estados da Amazônia Legal Brasileira, onde estão presentes os comitês da instituição. Outras informações sobre a campanha e como participar podem ser obtidas com o Mama, pelos telefones (68) 223-8120, (68) 223-6418 e (68) 223-6784 ou pelo correio eletrônico mama.ac@uol.com.br.
Mariana Loiola
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