Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
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Nos presídios, o dia de visita é o momento dos detentos saírem da rotina da prisão, rever a família, saber de histórias do lado de fora, contar o que acontece no lado de dentro. Para sete alunos do último ano do curso de jornalismo da Unesp (Universidade do Estado de São Paulo), essa data também é especial. Depois de algumas visitas ao presídio Eduardo de Oliveira Vianna, em Bauru (SP), também conhecido como PII, eles decidiram criar um jornal mensal que há cinco edições traz, apesar das dificuldades, histórias sobre os presos, suas famílias e o processo de reabilitação dos internos – inclusive com matérias deles próprios.
Tudo começou na disciplina “Jornalismo Empresarial”, cursada pelos alunos no semestre passado. O professor pediu aos alunos, hoje no último ano do curso, que analisassem um veículo de comunicação de alguma empresa ou então propusessem um para alguma entidade. Fernanda Conti, uma das alunas, já conhecia o presídio por causa de uma experiência anterior, quando trabalhou no Censo do IBGE em 2000. Ela convenceu os colegas e foram adiante para planejar um jornal sobre a casa de detenção para entregar ao professor.
O que era para ser apenas um projeto acabou se tornando realidade. “Todo estudante tem o ideal de possuir um jornal e essa foi uma oportunidade que surgiu”, conta Thiago Brandão, hoje assessor de comunicação do “Dia de Visita”, como foi batizado o tablóide mensal de oito páginas.
O jornal foi pensado para abranger o aspecto positivo do presídio. “Não publicamos nada que possa criar ‘um clima’ entre eles ou provocar polêmica”, diz Fernanda. Entre os assuntos abordados estão os projetos de reabilitação, a relação dos detentos com a família, religião, trabalho, cursos que fazem e perfil de personagens interessantes. Além disso, há espaço para cartas dos leitores e manifestações culturais como poesias e desenhos dos presos. “Não é o que a mídia geralmente fala sobre os presídios”, resume Poliana Brasil, repórter e membro do conselho editorial, assim como Fernanda.
Reportagem
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O processo de aproximação com os presos, de acordo com os repórteres universitários, foi fácil, apesar do receio inicial dos estudantes. O presídio é conhecido por sua abertura a projetos e a direção não hesitou em autorizar a entrada de mais uma iniciativa. “Para nós é importante pela divulgação do trabalho que fazemos, pois muitas pessoas da cidade nem sabem onde fica a penitenciária”, diz Deise Sanches Oliveira, diretora interdisciplinar de reabilitação da PII.
Desde agosto de 2001, ainda no início do período letivo, a equipe já visitava o presídio para procurar pautas e se ambientar. Chegaram à conclusão de que os presos não eram como pensavam – afinal, foram bem recebidos pela maior parte do 950 detentos, espremidos num presídio com capacidade para apenas 537.
Apesar da boa recepção, todos se perguntaram sobre como abordar determinados assuntos, delicados, que poderiam gerar reações inesperadas. “Não chegamos a ter medo, e sim receio de falar sobre algumas coisas. Mas até com pessoas de fora do presídio temos receios”, lembra Poliana. O problema foi resolvido com abordagens sutis, quase despercebidas, sobre envolvimento com o crime, assassinatos e tráfico de drogas, por exemplo.
O processo de reportagem é simples: a equipe recebe sugestões dos presos e da direção do presídio, seleciona e tenta realizar as pautas. Mas é nos dias de visitas, quando os alunos são autorizados a entrar na Casa, que surgem boas matérias a partir da observação. Sempre que algo chama a atenção, o jornalista aborda as personagens de maneira bastante informal, para tirar uma possível tensão. E daí surgem histórias como a de um interno de 48 anos, preso há 30, que canta e escreve letras de samba.
Se por um lado a maioria dos presos gostou do trabalho, outros até hoje não se interessaram e mantêm distância dos jornalistas. Os interessados, porém, gostam de ler as matérias, elogiam o trabalho e até tentam virar personagem. A vontade de participar é tanta que para a próxima edição, com o tema “Páscoa”, haverá um suplemento com reportagens feitas pelos detentos.
O motivo é o seguinte: a equipe não conseguiu ir no dia marcado para fazer as entrevistas necessárias e tirar fotos sobre a data. Dias depois, quando voltaram para tentar conseguir salvar a pauta, ficaram surpresos com o que viram: os internos, por iniciativa própria, tiraram fotos, conversaram uns com os outros e escreveram matérias para o jornal. Tudo deve sair na semana de 20 de maio, para quando está prevista a próxima distribuição do Dia de Visita.
“O jornal é um dos projetos que mais deram certo pela seriedade, qualidade e responsabilidade de quem está fazendo”, elogia Deise, da PII. Os elogios não acomodaram os estudantes, que fizeram ainda mais. Motivados pelo interesse dos presos em relação ao Dia de Visita, os alunos da Unesp convenceram uma professora da universidade a dar, em conjunto com pós-graduandos, um curso semanal de leitura e produção de texto aos detentos. Já são 29 matriculados, que, se depender da vontade dos jovens à frente do jornal, terão seu suplemento literário publicado em breve.
Dinheiro e distribuição
A primeira edição do Dia de Visita deveria ter dois mil exemplares, mas acabou saindo com a metade por falta de dinheiro. A tiragem permanece a mesma ainda hoje. Os R$ 400 necessários para impressão das oito páginas do mensário são tirados de patrocínio de duas empresas que prestam serviços ao presídio e do bolso dos estudantes. Mas ainda há o custo de transporte, das fotos tiradas e da distribuição, o que aumenta bastante os gastos. O jornal é exposto em murais do presídio e distribuído a ONGs, jornalistas e empresas.
A falta de patrocinadores impede a expansão do trabalho, que, é bom lembrar, é totalmente voluntário. Nenhum dos estudantes recebe algum tipo de auxílio da universidade. A Unesp, aliás, ajuda apenas na distribuição dos exemplares. Por um lado, isso foi uma opção dos estudantes, que preferiram desvincular o jornal da faculdade para fugir da burocracia. Por outro, um certo descaso institucional com um trabalho de importância.
Alguns deles pretendem utilizar a experiência obtida no Dia de Visita para fazer seus projetos de fim de curso. “Não queremos largar o jornal. Quem sabe ele não pode ser o início de um novo nicho de trabalho?” pergunta Fernanda, que já se empolga com o interesse de outros colegas de faculdade pelo assunto, ainda muito pouco conhecido e bastante estereotipado.
Nada que um jornal não possa ajudar a mudar.
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