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Da negação à parceria: breves considerações sobre as relações ONGs-Estado

Autor original: Luis Felipe Florez

Seção original:

Daniel Soczek*


 


INTRODUÇÃO


Um olhar atento à realidade nacional nos permite constatar que, nas últimas três décadas, houve um impressionante e contínuo crescimento de ONGs – organizações não-governamentais – em termos não apenas da quantidade de organizações bem como da qualidade de seu trabalho, como podemos atestar pelas pesquisas realizadas por associações e fundações como a Associação Brasileira de ONGs – Abong e a Fundação Getúlio Vargas– FGV, como também pelos trabalhos de pesquisadores do gabarito de Scherer-Warren (1993, 1994, 1998, 1999), Fernandes (1994), Landim (1996), Gohn (1997, 2000), Tenório (1997), Roche (2000), Santos (2000, 2002) entre outros. Em paralelo à discussão nos meios acadêmicos, paulatinamente os meios publicitários têm propiciado, principalmente a partir do início dos anos 1990, uma maior visibilidade destas organizações, divulgando seu modus operandi, às vezes elogiando e não raras vezes criticando aspectos duvidosos acerca dos interesses últimos destas organizações. Bem ou mal, as ONGs parecem estar estabelecendo um novo paradigma de e para a organização da sociedade.


Concomitantemente à difusão da sigla ONG, chega a ser paradoxal que a discussão sobre estas organizações esbarre na inexistência de uma delimitação conceitual apropriada do termo, devido, quiçá, ao dinamismo e à pluralidade das ações por elas desenvolvidas, materializada em sua extrema heterogeneidade no formato, na consistência/flexibilidade institucional e nos objetivos a serem alcançados diante das demandas de contextos específicos 1. Como resultado, suas ações vêm contribuindo significativamente para uma melhoria dos quadros sociais – que podemos situar nos âmbitos de empowerment social e cidadania – num contexto de (re)democratização de nosso país. Como destaca Cardoso, "suas práticas não significam apenas a negação dos valores tradicionais, mas a própria afirmação de novas formas de vida, de uma nova cultura, como parte fundamental de uma nova sociedade" (1996, p. 97).


O problema da inexistência de uma delimitação conceitual objetiva destas organizações gera dificuldades analíticas em relação à tênue e, do nosso ponto de vista, necessária separação entre ONGs e outras organizações/movimentos da sociedade civil bem como do chamado terceiro setor.2 No âmbito específico das ONGs, as dificuldades de ordem analítica apresentam-se em duas grandes esferas: barreiras de ordem epistemológica – gerada pela crise nos paradigmas clássicos de análise da sociedade – e metodológica – dada a multiplicidade de organizações e objetivos. Por isto existe uma clara dificuldade em estabelecer um conceito ao mesmo tempo abrangente e explicativo do fenômeno, a fim de que se possa compreender estas entidades.


Para se ter um exemplo destas duas categorias de problemas, as entidades que genericamente agregamos sob o conceito ONG já foram diferenciadas em ONGs do Norte ou do Sul (Scherer-Warren, 1994, p. 7) e segundo as pesquisas de Montenegro (1994, p. 13), podem ser designadas como Organizações Não-Governamentais de Desenvolvimento – ONGD, Associações Privadas de Desenvolvimento – APD, ONGs Progressistas – ONGPs, ou ainda como Organizações Voluntárias – OVs,3 para citar apenas alguns exemplos. Além dos problemas oriundos da polissemia conceitual que envolve estas entidades, multiplicam-se no âmbito acadêmico o número de pesquisadores que em livros, congressos e palestras têm se preocupado em tratar das ONGs como conseqüência ou em paralelo aos movimentos sociais ou como metamorfose ou renovação destes, dando origem, por exemplo, ao conceito de "novos movimentos sociais",4 enquanto outros autores, como Gohn, optam por uma distinção entre movimento social e ONG.5


As dificuldades acima levantadas não podem ser vistas como muros intransponíveis nem devem obnubilar nossas perspectivas de análise deste importante fenômeno social, ainda que sua ponderação seja salutar para a compreensão destas organizações. O exercício de suas atividades na sociedade dentro de uma nova proposta de organização social nos incentiva, entre outras coisas, a pensar o papel do Estado na sociedade e o papel da sociedade civil no Estado contemporâneo. Pode-se fazer esta análise pela ótica da atividade das ONGs, uma discussão que tentaremos iniciar neste texto, e que constitui, basicamente, o objetivo do mesmo.



1. ONGS: O "NÃO-GOVERNAMENTAL"



Ao se considerarem as dificuldades analíticas de ordem metodológica e epistemológica acima explicitadas a respeito das ONGs, houve por parte de muitos pesquisadores a preocupação de, além de nominar estas organizações, agregar outras informações na tentativa de delinear mais claramente estrutura, objetivos, forma de atuação ou outras características destas entidades. Encontrar uma possível identidade comum é fundamental para a delimitação e construção de um paradigma de análise. Um dos elementos desta "identidade comum" ao qual já nos referimos foi o fato de estas entidades surgirem como negação, contraposição ou atuando em paralelo àquilo que se entendia como "papel do Estado"6.


Em nossas observações percebemos uma concordância entre diferentes autores no que se refere à existência de uma distinção entre ONGs e Estado e uma tensão em suas relações. Este posicionamento fundamenta-se, talvez, no contexto do surgimento destas entidades, a partir da década de 1970, como apontam, entre outros, Fernandes (1994) e Landim (1995), em um momento no qual se fazia uma revisão do papel do Estado no contexto do regime de exceção.


Esta postura com relação ao Estado transforma-se, paulatinamente, nos anos 1990, tornando-se comum uma periodização da atividade destes organismos em duas fases distintas. A primeira fase corresponde ao período de seu surgimento até o início da década de 1990, que consideramos o momento de diferenciação como oposição destas entidades diante do Estado. O segundo momento delineia-se a partir da maior divulgação desta forma organizacional no encontro mundial conhecido como ECO-92. Este encontro foi significativo, entre outros fatores, por assinalar a possibilidade de acordos de participação/cooperação direta e efetiva no âmbito estatal pelas ONGs, de modo especial por aquelas voltadas às questões ambientais. Desse modo, este encontro constitui-se no divisor de águas das práticas destas entidades, marcando a transição na compreensão do que pode ser caracterizado como "participação cidadão".


No contexto político da ditadura militar na década de 1970, inicia-se por parte das ONGs, entre outros movimentos, um processo de busca de empowerment da sociedade civil. Vários militantes de lutas sociais iniciam um processo de renovação social, fundando associações e liderando movimentos, originando um novo modo de atuação. Explica Landim que:




Inicia-se um novo período em que a lenta e progressiva reorganização da sociedade civil vai-se fazer através da multiplicação de entidades marcadas pela autonomia, ou mesmo oposição, com relação ao Estado. Além da mudança de regime, um conjunto de fatores – como a modernização acelerada da sociedade, mudanças nas políticas sociais governamentais, a presença de novos atores internacionais na cooperação não-governamental, transformações nas relações entre Igreja e Estado – vão contribuir para o aparecimento de novas organizações e novos campos de atuação para as entidades sem fins lucrativos. (1993, p. 28)



Em outro momento de seu trabalho, relata a mesma autora que no Brasil sempre existiram apelos por maior justiça social, grupos de ajuda e outras atividades caritativas assistencialistas, que remontam às Santas Casas de Misericórdia existentes desde o século XV. O que se deve ressaltar é que a novidade destas organizações reside na forma de responder a estas carências, por serem radicalmente contra o mero assistencialismo, característica principal das instituições de benevolência. Nesse sentido, as ONGs são marcadas por uma racionalidade diferenciada daquela de outras instituições que as precederam ainda que convivam paralelamente a estas. Sua atuação é radicalmente oposta às práticas populistas e clientelistas, profundamente arraigadas em nossa cultura, e que não favorecem o protagonismo dos atores sociais e sua emancipação, e contribui para despertar a consciência dos problemas vividos, possibilitando a participação da população no processo de redemocratização do país, mediante a crítica ao Estado burocrático ineficaz e ineficiente.



2. ONGs: A CONSTRUÇÃO DE UMA NOVA ESFERA PÚBLICA



O processo de redemocratização no Brasil vem inegavelmente se consolidando nos últimos anos, mas aponta ainda desafios sérios para a construção de uma sociedade justa, livre e pluralista. Um destes desafios reside na consolidação e manutenção de mecanismos que viabilizem a democracia representativa de modo mais amplo, participativo e fiscalizador. A democracia em seu sentido mais lato exige mudanças em todas as esferas decisórias da administração pública, que venham a gerar no conjunto das relações sociais um envolvimento maior da sociedade civil. Neste contexto ganham cada vez mais relevância as idéias de "poder local", "governança local" e "participação cidadão", conceitos que permeiam as obras de Telles (1999), Teixeira (2001) e Gohn (2001), entre outros. Nestas reflexões ressalta-se o papel do cidadão e de seu compromisso com a realidade no sentido de uma intervenção necessária e direta nos órgãos governamentais. Segundo Teixeira, participação cidadão é o




(...) processo complexo e contraditório entre sociedade civil, Estado e mercado em que os papéis se redefinem pelo fortalecimento dessa sociedade civil mediante a atuação organizada dos indivíduos, grupos e associações. Esse fortalecimento dá-se, por um lado, com a assunção de deveres e responsabilidades políticas específicas e, por outro, com a criação e exercício de direitos. Isso implica também o controle social do Estado e do mercado, segundo parâmetros definidos e negociados nos espaços públicos pelos diversos atores sociais e políticos. (…) utiliza-se não apenas de mecanismos institucionais ou a serem criados, mas articula-os a outros mecanismos e canais que se legitimam pelo processo social. Não nega o sistema de representação, mas busca aperfeiçoa-o, exigindo a responsabilização política e jurídica dos mandatários, o controle social e a transparência das decisões (…). (2001, p. 30)



As ONGs representam uma das possibilidades para o fortalecimento da sociedade civil na medida em que fizeram o salto qualitativo do "não-governamental" às parcerias, recebendo, inclusive, incentivos econômicos do Estado. Cabe ressaltar que isso de forma alguma deveria significar qualquer tipo de subserviência ou a ausência de críticas ao Estado – é o momento construtivo da crítica, quando se indicam alternativas que melhoram o desempenho estatal –, ainda que a necessidade de financiamento e questões de ordem ideológica nem sempre viabilizem, e muitas vezes comprometam, uma salutar autonomia.


A novidade e a importância destas organizações no cenário social não se resumem meramente a um conjunto preestabelecido de objetivos, mas sim a uma alternativa na possibilidade de crítica às instituições sociais, marcada pela originalidade de sua forma de atuação:




Na realidade, estas demandas não eram novas porque as carências de bens e serviços sempre existiram. O novo foi a forma e o modo de equacionar e de encaminhar as demandas. Criou-se a figura do comunitário, figura híbrida, pois não é nem público nem privado. Trata-se de um público–privado não estatal. A novidade está na redefinição da idéia de comunidade não como um locus geográfico espacial, mas como uma categoria da realidade social, de intervenção social nesta realidade. (Gohn, 1994, p. 7)



A citação de Gohn, amparada pelo argumento histórico, constata que estas organizações não criaram valores novos, apenas os redefiniram, apresentando formas de atuação diversificada. Além disso, num contexto de crise de um Estado autoritário





(...) a luta pela democratização social e política estimulou o surgimento de novos espaços de representação política e de publicização dos conflitos sociais. Este processo revelou, contudo, a crise de grandes proporções experimentada pelo sistema de representação da democracia formal. (Raichelis, 1998, p. 80)




A experiência destas organizações num contexto de profundas mudanças no cenário mundial, ocorridas em grande velocidade, impede-nos ainda de precisar seus reais significados/conseqüências. A globalização nos apresenta o desafio de compreender este processo dialético e contínuo de articulações e clivagens, continuidades e descontinuidades, integração e desintegração, que sugere, entre outras coisas, o pensar a governabilidade sob o prisma democrático, ou seja, com base em princípios em prol da cidadania livremente discutidos e acordados pelos atores políticos e sociais. Esta discussão é significativamente importante se considerarmos que vivemos em meio a uma crise de representação política, agravada pelo aumento das demandas sociais em face do esgotamento do Estado de bem-estar social, que oscila ao sabor dos vendavais neoliberais.


A discussão sobre a participação democrática como ora mencionada demanda um questionamento sistematizado a respeito do que seja uma esfera pública e como o sujeito nela participa. A nova governabilidade não se restringe à atuação político-partidária; refere-se à atuação política no sentido original da palavra polis, como exercício da cidadania, a fim de propiciar desenvolvimento social, educativo, cultural e científico. As ONGs devem ampliar seu papel de participação, não apenas elaborando políticas mas também implementando programas, além de representarem judicialmente os interesses populares coletivos e difusos.7


As reflexões referentes à governabilidade sempre foram remetidas ao contexto da organização e ação estatais. Anarquistas, comunistas e liberais sempre pensaram a organização do Estado (sua eliminação, tomada ou minimalização) como ponto de partida para a construção da sociedade que cada corrente entendia como "melhor". No último quartel do nosso século percebe-se claramente um




(...) esgotamento do modelo de Estado contemporâneo nos planos jurídico-institucional, econômico, social e político. O impacto da globalização, aliado à crise fiscal enfrentada por quase todos os países centrais e periféricos, colocou em xeque o atual arcabouço jurídico-institucional dos Estados, expondo o anacronismo do modelo de Estado produtor, prestador de serviços, interventor, excessivamente burocratizado e pouco comprometido com resultado. (Barreto, 1999, p. 108)



Neste século a discussão a respeito da governabilidade por meio da organização da sociedade ganha espaço. O conceito de público passa a ter uma conotação mais ampla, pois percebe-se que:




O público não é sinônimo de estatal (…). O estatal é por definição público, mas o público não se reduz ao estatal porque a sociedade civil também delibera e decide em matérias de interesse coletivo e, além disso, porque o Estado e outras instâncias (…) nem sempre deliberam ou decidem com critérios de racionalidade coletiva, e sim em função de interesses particulares. Em conseqüência, pode-se falar de um Espaço Público estatal e de um Espaço Público não-estatal. (Velásquez, 1999, p. 262)



A esfera pública estatal, para se tornar realmente pública, requer o fortalecimento da crítica ao Estado e o controle da sociedade em relação a este. O problema é como efetivar esta transformação.


O processo de emancipação no sentido de materialização de uma esfera pública participativa e cidadã pode ser desenvolvido pela reformulação das relações sociedade–Estado–mercado, na medida em que a sociedade pressione o Estado e o mercado, para a satisfação das suas demandas, por meio dos movimentos populares, das associações e dos sindicatos, e aqui destacamos as atividades realizadas pelas ONGs. Entre os autores que discutem esta problemática, escolhemos Habermas como interlocutor por concordarmos com seu diagnóstico sobre a sociedade, com algumas ressalvas à "solução" apresentada pelo mesmo.


Segundo Habermas, a modernidade é caracterizada por uma cisão entre dois tipos de racionalidade, cisão esta já detectada e comentada por outros autores. Assim, e enquanto Weber postulava a divisão entre uma razão formal e uma razão material, a Escola de Frankfurt considerava a existência de uma disjuntiva entre razão instrumental ou técnico-científica (que está a serviço da exploração e da dominação, da opressão e da violência, circunscritas nos conceitos de indústria cultural de Horkheimer e Adorno e de sociedade unidimensional de Marcuse) e razão crítica ou filosófica (que reflete sobre as contradições e os conflitos sociais e políticos e se apresenta como uma força libertadora). Estes autores foram tomados por um grande pessimismo, na medida em que não viram saída para a dominação formal ou instrumental do mundo. Em Habermas, porém, encontramos uma perspectiva positiva na medida em que se vislumbra a possibilidade de superação desta dominação:




A teoria habermasiana da sociedade parte do pressuposto que, na modernidade ocidental, ocorreu um processo primário de diferenciação das estruturas da racionalidade que dissociou o processo de complexificação das estruturas sistêmicas do processo de racionalização comunicativa das estruturas do mundo da vida. O resultado deste processo não consistiu numa dupla forma de diferenciação entre Estado e sociedade, mas sim numa forma múltipla de diferenciação. De um lado surgiram estruturas sistêmicas econômicas e administrativas que não só se diferenciam do mundo da vida, mas se diferenciam entre si. O subsistema econômico se organiza em torno da lógica estratégica do intercâmbio, que permite a comunicação através do código positivo da recompensa. O subsistema administrativo se organiza em torno da lógica estratégica do poder, que permite a comunicação através do código negativo de sanção. Ao longo das estruturas sistêmicas e estabelecendo uma relação distinta com cada uma delas, situa-se o campo da interação social, organizado em torno da idéia de um consenso normativo gerado a partir das estruturas da ação comunicativa. (Avritzer, 1993, p. 215)



Habermas, ao reconhecer a existência de uma "colonização" do "mundo da vida" pelo "sistema", sugere que a superação deste problema estaria na construção um novo paradigma de relação, a ser instaurado pela "ação comunicativa", que "completaria" o projeto da modernidade, para Habermas inacabado. O resgate da racionalidade comunicativa, como possibilidade de emancipação, geraria legitimação aos processos sociais dado que o procedimento comunicativo,8 calcado na razão dialógica, valida as ações sociais pelo critério democrático. Apesar de não compactuarmos com a real possibilidade do procedimento comunicativo9 como colocada por Habermas, concordamos que é necessária a existência de dois pressupostos para a conquista de avanços na resolução dos problemas sociais, cuja resposta, acreditamos, encontra-se na arena discursiva, ainda que a proposta habermasiana deva ser devidamente refinada. Estes dois pressupostos são:





De um lado, a capacidade da esfera pública para reduzir ao mínimo conflito estrutural entre a pluralidade de interesses que sua ampliação propiciou, o qual dificulta a emergência de um consenso fundamentado em critérios gerais. De outro, a possibilidade efetiva de reduzir o poder da burocracia no interior das organizações sociais, cujas decisões não são submetidas ao controle social, o que debilita, dessa forma, o caráter público destas organizações. (Raichelis, 1998, p. 54)



Esta nova concepção de sociedade reduz a onipotência do Estado e aumenta o espaço decisório da sociedade civil, como apontam Vieira (2001) e Bernareggi & Lodovici (1993). As ONGs enquadram-se nesta perspectiva, por se contraporem à proposta neoliberal, sustentada num discurso tecnocrático, afirmando a existência de um espaço que, não sendo estatal nem privado, seja um híbrido que amplie a participação popular nestas esferas por intermédio de sua organização autônoma na condição de parceiras e controladoras do Estado. Sua forma de articulação diante das demandas sociais, permeada por uma lógica de solidariedade e por uma logística em termos de redes,10 tem sido fundamental para consolidar este novo paradigma de organização social.


2.1 ONGs: parceiras do Estado


Com uma freqüência cada vez maior, as ONGs têm assumido trabalhos de parceria com o Estado, alcançando bons resultados devido, entre outros fatores, à flexibilidade destas organizações, como já anteriormente salientado. A possibilidade e a efetiva superação de várias deficiências do modelo burocrático/anacrônico de organização do Estado mostra-se cada vez mais urgente no sentido de atender às demandas por maior justiça e igualdade social.


Diante de um Estado ineficaz e ineficiente, pautado pela corrupção, o trabalho das ONGs de capacitação/assessoria dos atores da sociedade civil é importante na orientação/aplicação de recursos que resultem em benefícios para o conjunto da população, possibilitando maior visibilidade e transparência nos atos realizados nas esferas governamentais. A fim de realizar este intento, as ONGs utilizam mecanismos institucionais como os "conselhos", bem como mecanismos não institucionalizados, como os fóruns, comissões e assembléias. Esta construção de espaços de articulação e interlocução entre diferentes atores sociais e o Estado constitui-se num desafio e numa oportunidade para a ampliação do processo de democratização do Estado, por meio da construção de um espaço público que torne possível a criação de condições para o efetivo exercício da cidadania, dentro das potencialidades e da complexidade do mundo contemporâneo:





A construção dessa esfera social—pública enquanto participação social e política dos cidadãos passa pela existência de entidades e movimentos não-governamentais, não-mercantis, não-corporativos e não-partidários. Tais entidades e movimentos são privados por sua origem, mas públicos por sua finalidade. Eles promovem a articulação entre esfera pública e âmbito privado como nova forma de representação, buscando alternativas de desenvolvimento democrático para a sociedade. (Vieira, 1998, p. 65)



Pensar a comunidade política organizada como fundada na participação de todos na vida pública é de fundamental importância para o reconhecimento da condição democrática. Nesse sentido, concordamos com Raichelis, quando concebe o espaço público baseando-se na idéia de que






(…) sua constituição é parte integrante do processo de democratização, pela via do fortalecimento do Estado e da sociedade civil, expresso fundamentalmente pela inscrição dos interesses das maiorias nos processos de decisão política. Inerente a tal movimento, encontra-se o desafio de construir espaços de interlocução entre sujeitos sociais que imprimam níveis crescentes de publicização no âmbito da sociedade política e da sociedade civil, no sentido da criação de uma nova ordem democrática valorizadora da universalização dos direitos de cidadania. (1998, p. 25)




A premente necessidade de reestruturação da concepção do espaço público torna-se uma pauta obrigatória e desencadeia amplas discussões, que culminam na possibilidade de resolução deste impasse, em termos teóricos e práticos, por meio de uma nova concepção de esfera pública que tem cada vez mais "relação com aqueles assuntos e bens que são do interesse de toda a comunidade, e não com a natureza e identidade do órgão encarregado de satisfazer a demanda respectiva" (Cox Urrejola, 1999, p. 191).


Dessa forma, entendemos que é necessário pensar uma nova relação que, se por um lado ressalva o dever do Estado no sentido da continuidade das garantias constitucionais, ao mesmo tempo garante uma liberdade de mercado que não seja excludente. A intermediação entre o mercado e o Estado, realizada pela constituição de uma nova esfera pública onde as ONGs parecem ter um papel privilegiado, constitui um importante caminho, ainda que não seja o único, para minorar os problemas sociais.


Mesmo considerando toda a potencialidade das ONGs, não podemos olvidar as críticas em relação às "parcerias" destas com o Estado. Segundo Arantes:





Ocorre que só um Estado gerencialmente reformado pode se tornar um eficiente parceiro-facilitador da acumulação privada, em particular nos elos das cadeias produtivas mundiais que porventura hospede e remunere e, assim sendo, se "envolverá" prioritariamente na seleção e hierarquização de agentes não-governamentais que, por subcontratação política, adquirem concessões do poder estatal e se lançam na conquista do espaço público, desertado, por sua vez, por um Estado cuja capacidade de regulação social parece ter enfim se esgotado, mas não o poder organizacional, ou, mais propriamente, o poder estratégico gerencial de promover a concorrência entre os serviços públicos (…). Um Estado parceiro-facilitador deve "estrategicamente" se retirar assim que as organizações não-governamentais "demonstrarem" a superioridade de suas vantagens comparativas – convenhamos, uma vitória sem muito esforço, já que não havia mais em campo quem competir, salvo a sucata preparada para tal efeito demonstrativo. (2000, p. 8)




Queremos ressaltar que parceria não significa nem se confunde com "delegação de função" no sentido de eximir-se de responsabilidades. Entendemos, porém, a necessidade de se fazer uma análise crítica dos referenciais ideológicos que grassam por este território desconhecido e em construção.





2.2 ONGs: controle do Estado


Uma das nefastas conseqüências do projeto racionalista da modernidade é a configuração do Estado como Leviatã (Hobbes). Ato contínuo entendeu-se que a regulação do Estado visando a defender a sociedade contra os eventuais excessos desta forma de funcionamento da máquina estatal dar-se-ia através da divisão de funções entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (Locke), como mecanismos inerentes ao Estado, com a função de controle do exercício de poder. Em contrapartida, emergiram várias teorias que buscaram se contrapor a esse tipo de controle por meio da implementação de uma outra forma de Estado, ou ainda pela ausência do mesmo, como nas teorias comunista e anarquista, propostas estas que nunca conseguiram efetivar plenamente uma nova relação entre governo e sociedade.


A alternativa instaurada pelo procedimento das ONGs, que dialeticamente nos parece uma síntese histórica dos enunciados acima elencados, tem seu alicerce na possibilidade de implementar o necessário controle ao Estado por intermédio da presença e da ação organizada dos diversos segmentos da sociedade, pois é evidente a existência de uma diversidade de interesses que disputam com igual legitimidade o espaço e atendimento do poder estatal. A ocupação destes espaços por sujeitos sociais capazes de tornar legítimas suas representações só é possível dentro de uma lógica democrática fundada numa representação que garanta a alteridade dos membros da sociedade. Construir este espaço significa transcender os limites da delegação de poderes instituídos pela democracia representativa.


É preciso, pois, (re)pensar a representatividade das instituições, como tem se dado a participação dos cidadãos nestes espaços e como ela poderia ser melhorada. Propor, pressionar e intervir na dinâmica do Estado tem sido uma necessidade para a garantia da independência e da autonomia das ONGs, sendo fundamental criar novas modalidades de mecanismos de controle para além dos já existentes. A idéia de controle não se restringe à conotação negativa associada ao autoritarismo, mas a uma relação multilateral cujos benefícios atingem toda a comunidade. O controle público é primordial para o desenvolvimento nacional de uma nova esfera pública, buscando-se superar uma compreensão mistificada do Estado como detentor exclusivo do monopólio de representação pública.


Na medida em que se transformam as concepções e os limites da sociedade civil e do Estado, torna-se uma exigência oferecer respostas criativas aos novos desafios que desabrocham na tessitura social. Dessa forma, as ONGs têm o desafio de precisar com a maior riqueza de detalhes possível a concepção de um espaço público como "fonte das funções de crítica e controle que a sociedade exerce sobre a coisa pública" (Pereira, 1999, p. 22), materializando-o na sociedade brasileira.





3. DESAFIOS




Considerando os últimos quarenta anos, percebemos que as ONGs têm desempenhado um crescente e importante papel na redefinição das relações Estado-sociedade, oferecendo propostas e articulando parcerias que inegavelmente têm repercutido em melhorias nos quadros sociais do país. O fato de possuírem um grande potencial para capacitar grupos menores, identificar novos problemas, trazê-los a público e mobilizar recursos financeiros e humanos a fim de promover mudanças, tem possibilitado uma maior articulação entre os vários níveis de atores da sociedade civil no país, de forma a questionar o modelo político e o caráter das políticas públicas, não raras vezes contrários aos interesses da população. Este questionamento reveste-se de um caráter prático na medida em que os atores sociais assumem a idéia de "participação" em sua plenitude.


Ao longo deste texto, procuramos delinear, ainda que brevemente, uma faceta do perfil das ONGs, pelo resgate de aspectos históricos e com base na reflexão já proposta por outros autores sobre estas entidades. Para isso, estabelecemos um approach entre ONGs e Estado, apresentando-as como importantes articuladoras na construção de uma nova relação Estado–sociedade civil diante das novas demandas sociais, em decorrência da assunção do papel de parceria e controle do Estado pelas ONGs, papel que deve ser reforçado, dado que o movimento garante, aprofunda e amplia as relações democráticas na sociedade. Urge ressaltar que o rol de interesses comuns com vistas à cidadania, não obstante as diversas áreas de atuação destas entidades, não deve ser confundido com a romântica idéia de que as ONGs constituem a panacéia social. O mecanismo organizacional não garante sua idoneidade, sendo imperiosa a separação do joio do trigo. Mesmo com esta ressalva, afirmamos a necessidade de fortalecimento da lógica que tem orientado estas organizações, como o respeito à diversidade, à descentralização e à autonomia, que possibilita fundar uma práxis política altamente fecunda, que tem feito surgir esperanças passíveis de serem concretizadas.


No século XVI, Thomas Morus propôs o termo utopia para designar um local ideal marcado por relações sociais perfeitas e justas, um mundo ideal, ainda que inexistente e impossível de ser concretizado. As ONGs hoje atribuem um novo significado ao termo utopia na medida em que, nestas organizações, aumentam as preocupações com o plano moral/ético visando a uma sociedade melhor. Estas organizações entendem que existe omissão do Estado em relação às questões sociais e propõem-se a minorar estas carências, invocando o direito ao exercício da cidadania, caracterizando-se, por isto, como entidades propositivas e de resistência. Ressalte-se que suas relações com o Estado nas formas de parceria e controle não significam assumir uma postura assistencialista, pois propiciam o resgate do espaço público e seu fortalecimento em defesa da cidadania e da democracia.


As ONGs constituem hoje, portanto, uma alternativa, uma nova possibilidade de construção da realidade pautada em interesses regionais numa economia globalizada, dentro da perspectiva de uma sociedade cada vez mais informatizada e democrática, sendo depositárias de grandes expectativas e confirmando as pesquisas teóricas que apontam para a indiscutível relevância das mesmas no século XXI.





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1 Quanto ao surgimento da desinência ONG, em termos internacionais, Montenegro (1994) e Menescal (1996) a situam na década de 1940, em documentos da ONU. Ainda que o conceito seja utilizado internacionalmente e que tenha algumas características gerais comuns, como a data de seu surgimento e a forma de atuação nos diversos países, estas organizações possuem características específicas nos diferentes locais em que surgem e atuam, decorrentes de contextos políticos, econômicos e sociais diversificados, e abrangendo, portanto, demandas diferenciadas. Conseqüentemente possuem formas de atuação específicas, ainda que os princípios de igualdade e solidariedade, entre outros, sejam um elemento comum nestas organizações. Segundo Scherer-Warren, nos países desenvolvidos haveria uma ênfase nos trabalhos no campo da filantropia e altruísmo. Já nos países em desenvolvimento e do Leste Europeu, o destaque de sua atuação seria dado aos projetos de reconstrução da sociedade civil, enfatizando as "questões de cidadania, democracia, organização, autodeterminação popular e justiça social" (1994, p. 7).


2 Segundo Fernandes, o terceiro setor é "composto de organizações sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação voluntária, no âmbito não-governamental, dando continuidade às práticas tradicionais de caridade, da filantropia e do mecenato e expandindo seu sentido para outros domínios, sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas manifestações na sociedade civil" (1997, p. 27). Assim, o terceiro setor envolve, além do trabalho desenvolvido por ONGs, os projetos de filantropia mantidos por empresas, fundações e associações, que não se denominam ONGs necessariamente. O conceito de terceiro setor pode ser aprofundado teórica e juridicamente nos Cadernos de Administração da PUC (2000) e em Szazi (2000).


3 A necessidade premente de sua categorização levou diferentes autores se preocuparem em nominar estas organizações, delimitando-as conceitualmente. Entretanto, isto trouxe um efeito contrário inesperado, gerando um problema de polissemia no trato destas organizações que, além de não solucionar o problema, acarretou mais dificuldades à sua delimitação.


4 Reflexões consistentes e aprofundadas a respeito do conceito de "novos movimentos sociais" podem ser encontradas em Scherer-Warren (1993).


5 Segundo Gohn, "As organizações são institucionalizadas, os movimentos não. Elas podem ter sistemas de relações internas formais, pouco burocratizadas, mas precisam ser, no mínimo, eficientes. Elas têm de se preocupar com a perenidade para sobreviver e ter um cotidiano contínuo. Os movimentos não. Eles têm fluxos e refluxos, não são exatamente estruturas funcionais. São aglomerados polivalentes, multiformes, descontínuos, pouco adensados, não necessitam compromisso com a eficácia operacional a não ser em algum tipo de resultado para suas bases. (…) Em síntese, a lógica que preside as ONGs tem de se basear na ação racional. Os movimentos são um misto de não-racional/racional e até de irracional em certos momentos" (2000, p. 49).


6 Segundo a Abong um dos critérios que caracterizam uma ONG é sua autonomia diante do Estado (esta autonomia é uma das condições para que uma entidade possa se inscrever na associação. Conferir em ). Fernandes (1994) pondera que as ONGs não se confundem com o poder do Estado e diferem dos partidos políticos, visto que estes são organismos institucionais de passagem da sociedade para o governo e vice-versa. Franco observa que as ONGs "Estão fora da estrutura formal do Estado (…) e produzem bens e/ou serviços de uso (ou interesse) coletivo" (1998, p. 3).


7 As ONGs passaram a ter, a partir da edição da Constituição Federal de 1988, um papel central no processo de consolidação da democracia por sua atuação na luta em prol de direitos, de modo particular os coletivos e difusos, e pelo reconhecimento jurídico de sua titularidade processual de representação coletiva (legitimação extraordinária), expresso nesta Carta Constitucional. Sendo assim, a utilização do aparato jurídico do Estado pelas ONGs, por meio de medidas judiciais, é de fundamental importância em uma sociedade democrática para a garantia dos direitos coletivos e difusos.


8 "Chamo comunicativas às interações nas quais as pessoas envolvidas se põem de acordo para coordenar seus planos de ação, o acordo em cada caso medindo-se pelo reconhecimento intersubjetivo das pretensões de validez." (Habermas, 1989, p. 79).


9 O calcanhar-de-aquiles da metateoria habermasiana calcada na capacidade dialógica de construção e síntese da realidade está no próprio modelo de comunicação que o autor sugere existir. A pergunta que se repete é: como estabelecer um padrão de dialogicidade? Ao desconsiderar as relações ideológicas e/ou de poder, sua teoria ganha contornos utópicos e mesmo surrealistas. Outro problema é o que Domingues caracteriza como "falácia da falsa concretude", ou seja, "Habermas usualmente toma seus conceitos como categorias que reproduzem fielmente a realidade, sem nunca se colocar o tema de seu papel como instrumentos meramente analíticos" (Domingues, 2001, p. 92).


10 O conceito de rede pode ser aprofundado em Mance (1999) e Scherer-Warren (1999).


*Daniel Soczek é mestre em Sociologia das Organizações pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; doutorando em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC; professor de Sociologia no Centro Universitário Campos de Andrade – UNIANDRADE.


Este texto foi publicado originalmente na Revista Enfoques (www.enfoques.ifcs.ufrj.br), nº 1, organizada por alunos do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.





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