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Trampolim para a cidadania

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor








Em tempos de televisão, videogame, computador e Internet, o fascínio por algumas expressões da cultura popular parece estar ofuscado. No entanto, o esforço e o carinho no resgate dessa cultura pode trazer de volta também o interesse da população, principalmente quando esse resgate é realizado junto às crianças. Este é o caso do trabalho desenvolvido na Escola de Circo Pequeno Tigre, no município de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O projeto é uma iniciativa da Escola de Samba Unidos do Porto de Pedra e ensina artes circenses para cerca de 100 crianças e adolescentes, com idades entre 7 e 14 anos, que vivem em situação de risco social. O projeto, que funciona na Quadra de Ensaios da Porto da Pedra, foi criado em janeiro de 2002 e integra o Programa Social Crescer e Viver, da Escola de Samba.


Na Escola de Circo Pequeno Tigre, as crianças assistem a aulas teóricas sobre a história do circo e cidadania, e aulas práticas de acrobacia de solo e em cama-elástica, monociclo, malabares, perna-de-pau, contorcionismo, trapézio, pirotecnia, técnica de palhaço, entre outras modalidades circenses. Os meninos e meninas têm aulas com seis professores formados pela Escola Nacional de Circo, em três encontros semanais de quatro horas de duração, cada. Contribuem com o projeto voluntários de psicologia, ortopedia, fisioterapia e fonoaudiologia. Não é qualquer crianaça que pode se aventurar pelos picadeiros da Pequeno Tigre: para ingressarem no projeto, as crianças têm que estar matriculadas na rede pública de ensino e a renda da sua família deve ser de até dois salários mínimos.


Circo social









Hoje, a Escola de Circo Pequeno Tigre integra, com mais outras vinte entidades brasileiras, a Rede Circo do Mundo Brasil, criada pelo programa social do canadense Cirque du Soleil, uma das companhias circenses mais aclamadas do mundo. A finalidade é utilizar o circo como ferramenta de reinserção de jovens na sociedade. A partir desta ótica, foi desenvolvido o conceito de "circo social" que, ao contrário do "circo profissional", não tem o objetivo de formar profissionais de circo, embora isto possa vir acontecer. No circo social, que se configura como um projeto de arte-educação, o processo de aprendizagem é o que mais interessa, e não o fim. Neste processo, busca-se trabalhar alguns dos valores de cidadania: auto-estima, solidariedade, autonomia, cooperação e disciplina. "Nós queremos estimular a participação dos alunos, o trabalho em equipe, e mostrar para cada um que ele é integrante essencial na montagem de um espetáculo", diz Vinicius Daumas Rocha, coordenador e idealizador da Escola de Circo Pequeno Tigre.


A abordagem desses valores se dá naturalmente no dia-a-dia, através de atividades circenses e jogos teatrais e lúdicos, para estimular a integração e desinibição dos alunos.


Segundo o coordenador, na Escola de Circo a criança aprende a trabalhar os seus limites, correr atrás do seu sonho e pensar que é possível realizá-lo. "A criança que lutou para conseguir se equilibrar numa perna-de-pau e no trapézio, fazer malabarismo e andar de monociclo, vai levar essa garra para a sua vida e usá-la na hora de exercer qualquer profissão que escolher", diz. A Escola tem a preocupação de evitar que, ao sair do projeto, a criança busque alternativas de sobrevivência de risco, como apresentações em sinais de trânsito, para ganhar apenas uns trocados. 









Essa preocupação está valendo muito a pena: alguns meninos e meninas já planejam o seu futuro. Pretendem aprimorar as técnicas circenses, se profissionalizar e ingressar na Escola Nacional de Circo, como é o caso de Anderson de Melo, de 13 anos, que está há um ano na Pequeno Tigre: "Aqui eu aprendi muitas coisas novas. Agora eu quero me especializar em trapézio e entrar para uma escola profissional". A estes, o projeto oferece um treinamento em horário especial. "Muitos chegam a um estágio de dar inveja a profissionais do circo", afirma Vinícius. Embora nem todos se profissionalizem no circo, o coordenador tem a certeza de que a Escola está ajudando a despertar o interesse pela arte e a formar platéia. "A grande maioria dos alunos nunca tinha entrado no circo", diz.


Os resultados alcançados, de acordo com relatos dos próprios responsáveis pelas crianças, incluem a melhora no rendimento escolar e no relacionamento com a família. Algumas das crianças, que chegaram ao projeto com problemas psicológicos, falta de concentração e de coordenação motora, tiveram uma melhora espantosa, segundo Vinícius.


Para dar visibilidade ao projeto, a Escola de Circo Pequeno Tigre faz apresentações na comunidade. As apresentações contribuem para a busca de captação de recursos (para serem aplicados na manutenção do projeto) e chama a atenção de outras crianças da comunidade. "Quando as crianças vêem outras da sua idade e do seu meio social no espetáculo - em vez de adultos profissionais -, elas se empolgam, pois sentem mais próxima da sua realidade a possibilidade de fazer o mesmo", diz o coordenador.


Para este ano, a Escola pretende montar uma caravana e iniciar um trabalho de formação de monitores, voltado para os adolescentes que completarem 15 anos e quiserem continuar no projeto - prolongando a magia do circo e a emoção do picadeiro na intervenção positiva nas vidas de crianças e adolescentes. Quem quiser obter mais informações sobre a Escola de Circo Pequeno Tigre, pelo telefone (21) 3614-0428.

Mariana Loiola

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