Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Artigos de opinião
Tânia Fontenele*
Pergunto até que ponto a globalização tem um sentido ético? Quais são as conseqüências das desigualdades socias geradas pelo processo sem volta que a globalização está gerando e suas conseqüências em relação às mulheres?
No sentido estrito, a globalização é um processo resultante da capacidade de certas atividades de funcionar como uma unidade, em tempo real, em escala planetária (Castells,1999). Assim, as decisões e atividades em qualquer lugar têm repercussões significativas em lugares muito diferentes, simultaneamente. O processo contou com o apoio dos avanços da informática e das comunicações com a base tecnológica para que as operações se produzam em tempo real. O tempo e o espaço se compactaram.
Em alguns países tem levado a rápido crescimento. Em outros, à recessão. Outras regiões têm ficado à margem da economia global. Sabemos que a conseqüência desse processo é heterogênea e que é necessário intensificar os debates com os distintos atores e melhorar o conhecimento das situações específicas para o seu aprofundamento e adequação.
Dados desconcertantes do PNUD, WWI, OMS e ONU, nas quais mostram que as mulheres estão entre as mais afetadas como essa nova ordem econômica mundial.
A feminização da pobreza e processo avassalador da globalização no ambiente do trabalho (Guzmán, Todaro, Tilly, Cohen, Abreu) contribuem no sentido de enfatizar as grandes desigualdades que as mulheres vem enfrentando atualmente.
Os sofrimentos de que boa parte da população feminina mundial e a maioria das mulheres da América Latina estão padecendo, pela pobreza e pela exclusão, contradizem as crenças éticas básicas do respeito humano.
Condição da mulher no tempo de globalização
A implantação de políticas de ajustes adotados pelos países impostos pela globalização tem afetado mais as mulheres do que os homens. Nos países em desenvolvimento as reduções de trabalho, que são propícias destas políticas, têm caído em primeiro lugar nos setores menos qualificados e de menor capacidade de negociação, nos quais existe forte concentração de mulheres. Do mesmo modo, têm crescido as desigualdades salariais entre os qualificados e os desqualificados. O Banco Mundial (1995) sinaliza que, na América Latina, os ajustes têm reduzido muito dramaticamente as renumerações horárias das mulheres mais do que as dos homens, por sua alta inserção em postos de baixa renumeração. Atualmente, 80% dos pobres do mundo são mulheres.(WWI, 2002).
Se, nos países ricos, o deslocamento dos camponeses de suas terras já se constitui numa figura do passado, este fenômeno acaba de começar nos países pobres. A metade do mundo vive ainda no campo, e jamais o mundo teve tantos camponeses quanto hoje (Mendras, 1995). Os camponeses mais pobres do mundo vivem majoritariamente na África. O homem mais pobre do mundo é, sem dúvida, um dentre eles. É uma mulher: uma mulher africana a pessoa mais pobre do mundo. (Dumont, 1991).
Sigamos um pouco da vida cotidiana dessa mulher. Todos os dias, ela deve caminhar mais de duas horas para chegar no seu local de trabalho. Carrega até 50 kg de carga na cabeça, seu último filho nas costas e, com bastante freqüência, uma criança para nascer no ventre. No Zaire, 70% das tarefas domésticas ou de produção são executadas por mulheres. As jovens começam a colaborar com 10 anos de idade. Elas pilam mandioca e ocupam-se das crianças mais novas. Aos 14 anos, serão casadas “mais violadas do que desposadas” afirma René Dumont (1991). Por vezes, serão simplesmente vendidas para prostituição.
No Senegal, os “camponeses-paxás mantêm junto a si uma de suas co-esposas e enviam as outras para trabalhar na cidade, durante um ano, para ganhar a vida do ”casal“. Na cidade, eles dormem no chão. Um agente lhes infringe regularmente uma multa, ”porque é sujo “. Elas trabalham doze horas por dia, seu último filho às costas. Sua alimentação limita-se a pão duro, embebido em água açucarada. Ao cabo de um ano, ao regressar a sua aldeia, elas serão julgadas pela família e o marido em função da quantidade de presentes trazidos por ela”.
Não é demasiado dizer que as mulheres africanas são as escravas de hoje. Pode-se acrescentar, também, que a África é um continente onde a roda ainda não foi inventada. Com efeito, a roda exige estradas, e estas são quase inexistentes na África, na medida em que as mulheres podem carregar na cabeça as cargas mais pesadas.
A exploração das mulheres não é apenas um insulto ao restante da humanidade, que aceita hipocritamente sua existência. Provoca também um círculo de pobreza e exploração que se auto-realimenta. Efetivamente, a “escravidão” das mulheres dispensa os homens de investir em máquinas. A economia serve para comprar outra mulher, que dará mais filhos para trabalhar para o pai, ou que serão vendidas caso sejam meninas.
Essa realidade não é exclusiva da mulher africana. Cabe lembrar que, num mundo globalizado, as semelhanças entre as nações passam a ser um fenômeno esperado, especialmente em se tratando de desigualdades sociais. (Abreu, 1995). As diferenças regionais são em certa medida desestimuladas.
No Brasil, nas regiões mais pobres do país, especialmente no Norte e Nordeste, o turismo sexual de meninas e a exploração do trabalho feminino é fato patente e as autoridades locais fazem vistas grossas para o problema. (PPF, 2002).
Pobreza, desigualdade, exclusão, golpeiam em muitos casos as mulheres. Os avanços propostos pela globalização no fundo têm trazido maiores bolsões de pobreza do que vantagens (Kliksberg,2002). Apesar dos avanços médicos, as taxas de mortalidade materna no mundo em desenvolvimento são altíssimas. Segundo as cifras da ONU, 500.000 mães morrem anualmente ao dar à luz, mais de 98% nos países em desenvolvimento. Por outro lado, as mulheres são as primeiras da fila na luta em defesa das crianças. Nas condições desfavoráveis de pobreza, significa cargas mais duras para elas.
A globalização do grande capital produziu um panorama mundial extremamente negativo, que tem entre seus efeitos: a fragmentação do mundo do trabalho, a exclusão de grupos humanos, em especial as mulheres, e o abandono de continentes e regiões. Vem ocorrendo uma concentração sem precedentes de riqueza em algumas empresas e países e a perda do poder da maioria dos Estados em favor de corporações privadas.
Os dados apresentados recentemente pelas Nações Unidas no “The World Women’s 2000” são desconcertantes:
· Não obstante os fortes progressos na educação feminina, dois terços dos analfabetos do mundo são mulheres.
· A integração da mulher ao trabalho se está fazendo com ativas tendências a formar parte de posições menores e de ter uma grande presença na economia informal. Quase metade das mulheres que trabalham em outros setores distintos da agricultura o faziam no setor informal em sete de 10 países da América Latina, e em quatro países asiáticos.
· Há concentração de mão-de-obra feminina em trabalhos de menor qualidade.
· A defasagem salarial é muito grande. Na indústria, em 27 de 39 países com dados disponíveis, as renumerações das mulheres eram de 20 a 50% menores que a dos homens.
Cabe perguntar novamente: o que as mulheres ganharam, de fato, com a globalização?
*Tânia Fontenele é economista, consultora de treinamento organizacional e pesquisadora do Deptº Psicologia Social e do Trabalho da Universidade de Brasília (UnB).
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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