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Áreas protegidas em perigo

Autor original: Marcelo Medeiros

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Diversas organizações ambientalistas e de defesa dos direitos indígenas estão organizando a campanha virtual “Áreas Protegidas em Perigo”. A iniciativa se opõe à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 38/1999, do senador Mozarildo Cavalcanti (PPS/RR), que restringe a criação de Unidades de Conservação ambiental e a demarcação de Terras Indígenas, além de transferir para o Senado a responsabilidade de delimitação e criação dessas áreas. A iniciativa pretende convencer os senadores a se oporem em plenário à PEC, cujo primeiro turno de votação está marcado para 11 de junho.


Na página da campanha (ver link ao lado), há explicações sobre as conseqüências da aprovação da proposta para as reservas indígenas e o desenvolvimento sustentável no país. Quem concordar com as afirmações pode enviar mensagens eletrônicas por intermédio do site aos senadores; ao Chefe da Casa Civil, José Dirceu; ao ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, e à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.


A PEC 38/99 tramita há quatro anos e pretende alterar três artigos da Constituição: o 52 (que dita as competências do Senado), o 225 (sobre as incumbências do poder público para assegurar o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado) e o 231 (sobre o reconhecimento dos direitos indígenas e a competência da União para a demarcação de territórios). Ou seja, objetiva passar do Poder Executivo para o Senado a função de demarcar terras indígenas. Além disso, prevê que essas reservas de território, somadas às Unidades de Conservação, não podem ultrapassar 50% da área de cada estado.


De acordo com seu idealizador, a PEC pretende resguardar a autonomia dos estados em relação ao poder federal. “A proposta não fere em nada os direitos indígenas ou o direito ambiental, mas resguarda os princípios federativos, ao limitar o alcance do governo federal nos estados”, declarou o senador Mozarildo Cavalcanti em discurso no Senado no dia 27 de março.


Direitos indígenas ameaçados


Os organizadores da campanha, porém, reagiram afirmando que a PEC impediria municípios e estados de adotarem medidas que considerem necessárias à proteção de recursos naturais e condições de vida das populações. “A proposta é simplista. Não resolve os problemas que ela mesma vai criar”, diz Adriana Ramos, coordenadora de políticas públicas do Instituto Socioambiental (ISA), uma das organizações à frente da campanha. Ela também teme que a transferência de atribuições para o Senado torne uma questão que hoje em dia é simplesmente técnica em questão política.


Um exemplo de situação difícil de resolver que pode surgir, no caso de aprovação da proposta, é um estado onde 50% de suas terras já fosse ocupada por unidades de conservação federal - como acontece em Roraima, estado do senador. Esse componente da federação não poderia ultrapassar o limite imposto pela PEC nem para proteger sob a forma de parques estaduais outras áreas que sejam consideradas importantes. A Proposta também não prevê critérios para diminuir o percentual de área reservada.


Além disso, a PEC feriria os direitos indígenas ao limitar seus territórios ou até forçando sua diminuição. “A Constituição reconhece o direito dos índios às suas terras originais. Portanto, não cabe ao Executivo arbitrar sobre a ocupação das terras, mas, sim, reconhecer, de acordo com critérios antropológicos e históricos, o direito de quem sempre esteve lá”, ressalta Adriana Ramos.


Para Mozarildo Cavalcanti, os índios ocupam uma área desproporcional ao seu peso populacional. “É importante também que se saiba que a população indígena hoje representa apenas 0,2% dos brasileiros, mas as reservas indígenas ultrapassam 11% do território nacional”, disse ele, em discurso no Senado no dia 26 de março.


A validade desses argumentos é questionada por Egon Heck, secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “A população indígena representa pelo menos 40% do interior da Amazônia. A PEC não é nada além de uma agressão a esses povos por restringir seus direitos. Já existe uma legislação pertinente, que permite questionar a demarcação de terras. Esperamos dos senadores bom senso no dia 11”, afirma.


Senado e senadores


Senadores e deputados simpáticos às causas indígenas já formaram uma Frente Parlamentar de Defesa das Terras Indígenas, que no Senado já conta com sete integrantes. Por outro lado, os idealizadores da campanha prevêem que haja igual número de parlamentares favoráveis à PEC. E é nos indecisos que a campanha será focada. O Senado possui 81 membros.


O aumento de atribuições do Senado prevista pela PEC não é vista com bons olhos pelas organizações que fazem parte da campanha. “É jogar uma atividade complexa em uma área com muitos interesses em jogo”, afirma Arnaldo Oliveira, assessor do Grupo de Trabalho da Amazônia (GTA), outra instituição envolvida na campanha.


O Ministério da Justiça, em parecer de dezembro de 2001, se mostrou contrário à aprovação da PEC rebatendo os argumentos a seu favor. O documento afirma que “o meio ambiente deve ter supremacia sobre a questão econômica”. Ou seja, os direitos dos indígenas e a preservação dos ecossistemas são prioritários em relação à busca de lucro na região.


Caso seja aprovada em primeiro turno, a PEC terá que ser votada novamente antes de ir à Presidência para sanção.


Ocupação


A proposta de emenda constitucional seria aplicada principalmente à Amazônia, onde está a maior parte do que resta das florestas brasileiras e dos estados com mais de 50% de territórios ocupados por reservas. Em 1999, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (Funai), havia 32 terras indígenas na Amazônia Legal, ocupando pouco mais de 17 milhões de hectares, ou 8,67% da região.


Atualmente, 8,13% do território brasileiro é ocupado por áreas de proteção. Esse percentual representa 45 milhões de hectares de reservas federais e outros 22 milhões de hectares de áreas estaduais. Porém, de acordo com o IV Congresso Internacional de Áreas Protegidas, realizado em Caracas em 1992, o percentual mínimo de proteção integral para conservar a biodiversidade de um ecossistema é 10%.


Números que devem demorar a ser atingidos, apesar de não faltar muito. A aprovação da PEC não só diminuiria bastante esse percentual e a perspectiva de serem atingidos, como também faria com que mais um acordo internacional de proteção ambiental fosse descumprido. Uma semana depois da Semana do Meio Ambiente.


 


Marcelo Medeiros

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