Você está aqui

Ecos de 25 anos de trabalho

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor








Há 24 janeiros as crianças da comunidade Santa Marta, na zona sul carioca, se divertem e aprendem lições em uma colônia de férias promovida por uma organização social nascida lá mesmo. Algumas delas, quando chegaram à juventude, puderam aprender a usar computadores e outras a montar as máquinas que mais tarde iriam usar. Há ainda as que hoje produzem programas de televisão transmitidos por um canal comunitário e as que escrevem no jornal local, cantam no coral, aprendem dança de salão ou participam do grupo de teatro. Todas fazem ou fizeram parte das atividades desenvolvidas pelo Grupo ECO, ONG que completa este mês 25 anos de construção de cidadania por meio do lazer, das tecnologias de informação, da cultura e do trabalho junto a crianças.


O nome do grupo se deve ao jornal lançado em 1976 por jovens descontentes com o trabalho da associação de moradores da favela Santa Marta, localizada em Botafogo e que hoje tem aproximadamente 10 mil habitantes. O Ecoar Idéias, primeiro jornal de favelas do Rio, criticava a falta de empenho da diretoria em conseguir melhorias para a comunidade. As edições, além de críticas, também traziam soluções e estas levaram os idealizadores a formar uma chapa denominada “Grupo Eco” para concorrer à associação. A vitória veio em meados de 78, quando foi criado o primeiro projeto do grupo: a colônia de férias do morro, onde até hoje há poucas atividades e espaços de diversão para crianças. Isso para não falar da tradicional falta de escolas, postos de saúde e segurança.


Naquela época, porém, as necessidades eram ainda maiores. Apenas uma pequena parte da comunidade tinha luz e acesso a água. Além disso, o risco de desabamento das pedras e do lixo jogado no alto do morro era grande. A primeira providência tomada pela nova diretoria foi começar a pressionar o poder público e se articular com ele para resolver aqueles problemas. Em dez anos de gestão, a associação, liderada pelo Grupo ECO, conseguiu com que toda a comunidade tivesse energia elétrica e pudesse ter água na torneira. Houve também importantes obras de contenção de encostas, principalmente depois de 1988, quando muitas famílias perderam suas casas devido às chuvas do verão, que trouxeram abaixo pedras e o lixo acumulado no alto do morro. O saneamento, por outro lado, ainda não chegou a todas as residências.


Na década de 80, o crime organizado se fortaleceu na comunidade. Em 1987, duas quadrilhas entraram em confronto e o morro ficou estigmatizado como área violenta. Com o fim do conflito, o tráfico de drogas aumentou sua importância na favela e, em 1988, o Grupo ECO deixa a associação, enfraquecida pelo poder dos traficantes. Mas o trabalho não parou.


Fora da associação, com comunicação


A colônia de férias, que reúne 300 crianças de 6 a 12 anos, foi mantida com recursos externos. Ao longo do tempo, outras atividades se desenvolveram. Em 1995, foi criada a escola de informática, originária de um BBS (Bulletin Board System) chamado Jovem Link. Essa escola foi a primeira do Comitê pela Democratização da Informática (CDI). Lá os jovens aprendiam, e ainda aprendem, a utilizar programas e fazem cursos profissionalizantes usando oito computadores, três impressoras e um scanner. A procura era grande e faltavam máquinas para satisfazer a todos os interessados.


Em 1996 nasce o projeto Garagem de Computadores, que trazia uma solução para o problema da falta de equipamento. Com peças doadas, moradores da Santa Marta montam computadores para serem usados por eles mesmos ou pela escola de informática. Com isso, aprendem a difícil técnica de montagem e manutenção de computadores e se qualificam para trabalhar na área. São 20 alunos a cada seis meses freqüentando as aulas, ministradas por professores voluntários ou antigos alunos - agora profissionais.


No ano passado, em parceria com a RITS, foi inaugurado um telecentro na comunidade, utilizado por aproximadamente 70 crianças e adolescentes, que navegam na Internet, jogam em rede e aprendem a utilizar ferramentas de comunicação e informação.


“Estamos criando uma cultura de informática e formando novos usuários e técnicos de computador. Já há muita exclusão aqui e trabalhamos para que a digital não chegue tão forte”, diz Ismael dos Santos, coordenador de projetos do Grupo ECO (trabalhando há 24 anos na organização) e um ex-morador da comunidade.


Com a ajuda de Ismael e de parceiros externos, antigos alunos desenvolveram o projeto Favela Online (FOL), que repassa computadores montados pela Garagem de Computadores a moradores da Santa Marta, por um preço acessível. Já há 35 casas equipadas e ligadas à internet com banda larga compartilhada, formando uma intranet comunitária. A iniciativa já chegou às favelas da Rocinha e do morro da Babilônia, ambos na zona sul.


Todas essas atividades, principalmente a colônia de férias – a “menina dos olhos” do grupo -, são registradas por uma equipe que aprendeu a utilizar vídeo ainda na década de 80. Essa equipe, então composta por cinco jovens, também utilizava as fitas em aulas para crianças. Desde então tudo é filmado e editado, antes em Super-VHS, hoje com equipamento digital –mais fácil e barato de ser manuseado - no projeto TV Favela, nascido oficialmente em 1999.


A câmera e o computador usado na edição foram doados por uma organização sueca de cooperação internacional. “Estão fazendo um belo trabalho com crianças e atividades jovens, especialmente a colônia de férias. Mas também as discussões e, claro, a TV Favela, que resultará em outras novidades com o uso dessas máquinas”, diz o sueco Bo Johansson, que já trabalhou com a TV Favela. Hoje em Estocolmo, ele recebe alguns dos amigos que fez por aqui.


Os programas, com duração média de duas horas, abordam problemas da comunidade e sua diversidade cultural. São veiculados semanalmente um em canal comunitário existente na Santa Marta, na TV a cabo improvisada de lá, que também tem uma história de cooperação comunitária e valorização cultural local: no começo dos anos 90, foi feito por um técnico externo uma espécie de consórcio de antenas parabólicas, que dividia o sinal por 650 casas. Dentro dele, foi criado um canal comunitário, que poderia ser transmitido internamente pela antena central.


Outras atividades


Em tempos de violência no Rio de Janeiro, sobretudo numa comunidade marcada pela intervenção de traficantes no cotidiano da favela (quem não se lembra da polêmica autorização pedida pela produção do videoclip de Michael Jackson para filmar lá?) é inevitável questionar se há interferência nas atividades da ONG. De acordo com Ismael dos Santos, entre traficantes e o Grupo ECO sempre houve respeito. “Muitos brincaram na colônia quando eram pequenos”, diz. Mas lembra: “nem tudo são flores. Já houve interferência e reclamações de que o Grupo ECO é fechado. Não entendem por que não trabalhamos com eles. Explicamos que não somos inimigos, mas também não somos amigos. Cada um tem sua função na comunidade e a nossa é melhorar a qualidade de vida dos moradores. Por isso temos papel de liderança, é política pura e isso é uma arte”.


Além dessa “arte”, o Grupo investe em outras atividades artísticas. Os interessados podem fazer aulas de teatro, coral e dança de salão com voluntários do grupo. Isso sem falar das atividades da colônia de férias, que leva as crianças a museus, organiza escolinhas esportivas e dá aulas de educação ambiental.


E tudo é documentado pelo “Ecoar Idéias”, o mesmo periódico que há 28 anos originava um trabalho que merece os parabéns pelas bodas de prata do casamento de cidadania com disposição para mudar.


 


Marcelo Medeiros

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer