Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original:
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Presidente da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI), o malinês Adama Samassekou esteve no Rio de Janeiro nos dias 12 e 13 de junho para participar do Seminário Internacional Sociedade da Informação, realizado pelo Governo do Estado em parceria com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Antes de chegar ao Rio, Samassekou esteve em Brasília conversando com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que confirmou sua presença na Cúpula - cuja primeira etapa acontece em Genebra, em dezembro deste ano.
Enquanto Samassekou visitava o Brasil e chamava a atenção para a importância da CMSI (tema sobre o qual os meios de comunicação pouco falam e a população de um modo geral praticamente ignora), a sociedade civil organizada se mobilizava, em diversos países e através de redes de informação. O motivo da mobilização foram os critérios utilizados pela União Internacional das Telecomunicações* ao considerar - ou não - os comentários e contribuições enviados pelas ONGs e caucus** com relação aos esboços de Plano de Ação e Declaração de Princípios elaborados durante a PrepCom II (ocorrida em Genebra, em fevereiro passado). A celeuma foi rapidamente superada, com a publicação dos documentos enviados por ONGs e caucus no site oficial da Cúpula (ver link ao lado), há dois dias. Entretanto, desde o início do processo preparatório para a CMSI, as relações entre sociedade civil, setor privado e governos neste âmbito têm sido motivo de debate, reflexões e redefinições contínuas de espaços e papéis. Samassekou falou - em entrevista exclusiva à Rets - sobre estas relações, sobre a presença do presidente Lula na Cúpula, sobre possibilidades de apoio à inserção efetiva dos países menos desenvolvidos na Sociedade da Informação, entre outros temas. Às vésperas da reunião interseccional que acontece em Paris, no mês que vem, Samassekou se mostra otimista: garante que os governos concordam em abrir espaço para ouvir os aportes da sociedade civil e afirma perceber avanços para a efetiva participação das ONGs nos eventos preparatórios para a CMSI.
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Rets - Como o senhor vê a participação da sociedade civil no processo preparatório para a Cúpula Mundial para a Sociedade da Informação e no próprio evento?
Adama Samassekou - Bem, minha visão sobre assunto é muito clara e bem conhecida por todos os participantes do processo preparatório para a Cúpula. Porque, em todo lugar, tanto no Comitê Preparatório quanto nas conferências regionais, eu costumo dizer nos meus discursos que uma das coisas mais importantes neste processo e na própria Cúpula é a construção da parceria entre governos, sociedade civil, setor privado e organizações inter-governamentais. Por quê? Porque eu acho que temos uma oportunidade única agora de realmente usar todo o fantástico potencial que temos, todos estes parceiros, para construir a Sociedade da Informação, que não deve ser outra senão uma sociedade de conhecimento compartilhado. E especificamente quanto à sociedade civil, seus membros são peças-chave na criação de conteúdo. É claro que governos, setor privado e organizações inter-governamentais têm sua parcela na produção de conteúdo, mas acredito que este seja majoritariamente o papel da sociedade civil. E nisso se incluem não somente as ONGs, mas também acadêmicos e trabalhadores da mídia e da Sociedade da Informação. Acho que realmente temos um espaço muito interessante para explorar e desenvolver o potencial que a sociedade civil tem.
E, no processo, nossa maior preocupação é como criar as condições para que todos estes atores tenham seu espaço e assumam seus papéis. Não é fácil, é difícil, pois sabemos do desafio que são as relações entre ONGs e governos em alguns países, ou entre setor privado e ONGs, por causa de diferentes preocupações ideológicas e políticas. Mas acho que estamos progredindo. Da 1ª Conferência Preparatória - PrepCom I para a 2ª Conferência Preparatória - PrepCom II, em todas as conferências regulares, nós vimos uma ótima participação de todos os setores, de uma forma estável. Na PrepCom II, fizemos progresso.
Em primeiro lugar, porque aquilo que se mostrou uma grande dificuldade na PrepCom I - a organização da sociedade civil - avançou bastante na PrepCom II, com a criação do Bureau da Sociedade Civil. Este foi um aspecto que significou um progresso fantástico, na minha opinião, pois deu oportunidade ao estabelecimento de ótimas parcerias, em níveis institucionais. Por isso, solicitei que o nosso Bureau dos Governos se encontrasse com o Bureau da Sociedade Civil, e este encontro foi considerado um evento histórico, por todos os participantes - os membros do Bureau dos Governos e o Bureau da Sociedade Civil. Isso foi muito positivo, um passo à frente.
Outra coisa diferente na PrepCom II foi como lidamos com regras e procedimentos. E pudemos atingir uma nova mentalidade entre os membros dos governos, uma certa flexibilidade na aplicação de regras e procedimentos. Foi por isso que os observadores - incluindo a sociedade civil - puderam ter um papel ativo durante o processo de elaboração do rascunho dos documentos (Plano de Ação e Declaração de Princípios). Isso não foi fácil de ser entendido, mas foi feito. Em todos os dias, reservamos uma hora para escutar os observadores, suas preocupações e demandas sobre o processo de elaboração do rascunho dos documentos. Esse modelo será replicado em Paris também. Então, acredito que seja um bom passo. Mais do que isso, acho que o debate agora já não é sobre a participação - ou não - dos observadores. Todos os governos estão de acordo quanto à participação destes atores. O debate, neste momento, está se concentrando na maneira como envolver os observadores, como fazê-los realmente sentirem que são parte do processo. Esse é o debate agora. E eu acho verdadeiramente que vamos atingir um sucesso real neste processo - e, inclusive, na própria Cúpula.
Eu costumo dizer, em se tratando deste assunto, que o processo é tão importante quanto o objetivo da Cúpula em si, no esforço de construir um novo mundo, uma nova sociedade, na qual possamos fazer uma ponte entre Porto Alegre e Davos.
Rets - Os documentos que foram produzidos na PrepCom II foram discutidos e o Bureau da Sociedade Civil e os caucus apresentaram suas considerações. Como essas contribuições serão levadas em conta? Existe preocupação sobre a legitimidade destas colaborações apresentada pelos caucus, por exemplo? Como o senhor acha que elas serão incorporadas nos próximos documentos?
Adama Samassekou - Essa é uma questão muito importante, porque os governos têm um hábito de proceder, discutindo primeiro as contribuições dos governos. Mas, nós concordamos em colocar todos os comentários dos observadores no documento de referência, que será produzido para o encontro de Paris. E, além disso, resolvemos dedicar duas horas para ouvir os observadores no início do encontro de Paris. Isso é muito bom, e é importante, pois precisamos fazer com que eles realmente se sintam parte deste processo. Os governos não têm tempo suficiente para debater, e ainda assim concordaram em reservar duas horas para os observadores. E, do meu ponto de vista (eu tive conversas, consultando os observadores), vamos tentar dividir estas duas horas, reservando uma hora para a sociedade civil - porque são mais numerosos - meia hora para o setor privado e meia hora para as organizações inter-governamentais. Por isso, acho que será uma boa oportunidade para a sociedade civil expor suas prioridades para o Plano de Ação e a Declaração.
Rets - Não só como ONGs credenciadas, mas também como caucus, por exemplo? Ou seja, os caucus poderão participar em pé de igualdade, com o mesmo status que as ONGs credenciadas?
Adama Samassekou - Acho que os membros da sociedade civil precisarão se coordenar, porque uma hora pode parecer muito ao se considerar que serão duas horas para todos os observadores, mas é um período muito curto. Por isso, vocês precisam se coordenar, para aproveitar bem esta hora. Acho que o mais importante é que as ONGs dêem ênfase às suas prioridades, sejam mais focais. Não devem fazer declarações gerais, devem ir direto ao ponto: “gostaríamos de ver isso na declaração”, “gostaríamos de ver aquilo no Plano de Ação”. Isso é importante.
Em segundo lugar, há um outro modo de fazer com que as propostas dos membros da sociedade civil sejam levadas em conta: através dos governos. Eu sei, é claro, que existem dificuldades, mas há diversos governos que levarão em consideração as propostas de membros da sociedade civil de seus países. É muito trabalho, pois a questão agora é aproveitar a oportunidade, de expressar os objetivos, do apresentar as considerações.
Rets - Na PrepCom II houve muito pouca participação de ONGs da América Latina - e também muito poucas bolsas para viabilizar a participação de organizações dessa região. Quais serão as oportunidades para a América Latina de participação nos outros encontros? Por exemplo, na PrepCom III e na Cúpula haverá mais apoio financeiro para organizações latino-americanas poderem participar? Em caso positivo, quantas serão e como serão selecionadas?
Adama Samassekou - Não posso dizer quantas, mas o que posso dizer - e é importante que se diga - é que não é só um problema da América Latina, mas um problema de algumas regiões, por exemplo, África e Ásia. Acho que para as ONGs e a sociedade civil, é uma questão global, e estamos pensando sobre isso. Porém o mais importante para vocês é acompanhar as regras para se candidatarem a bolsas dentro dos prazos e com antecedência, pois temos muita demanda. Vou tomar nota dessa preocupação e vamos analisar quais são as expectativas a respeito das bolsas. Sei que existe um processo de captação de recursos por parte de um segmento da sociedade civil. Precisamos ter todos os parceiros participando. Esse é um ponto muito importante para nós.
Rets - Uma outra coisa que foi levantada na PrepCom II é a possibilidade de criação de um fundo para apoiar projetos de inclusão digital em países pouco desenvolvidos. O senhor poderia nos explicar um pouco sobre isso e como o senhor acredita que este fundo poderia funcionar para aumentar a infoinclusão em países pobres?
Adama Samassekou - Bem, o Presidente Wade (do Senegal), em nome do Nepad (New Partnership for African Development), na África, tomou a iniciativa de enviar uma carta os membros dos G8 e alguns chefes-de-Estado, dizendo que ele gostaria de lançar um fundo para a solidariedade digital. O nome seria esse, “Solidariedade Digital”. É uma idéia, uma boa idéia. Particularmente, acho que é importante. Em Bávaro, eu disse que em Túnis nós teremos um capítulo sobre Conduta Ética. E quando ouvi a proposta do Presidente Wade, pensei que talvez a proposta da conduta ética ainda seja prematura para este processo. Porque as pessoas têm medo quando se fala de ética nas relações. Então, talvez em Túnis possamos ter uma espécie de capítulo para a Solidariedade Digital. O modo como fazer isso, a forma que esse fundo vai ter é hoje uma questão de aperfeiçoamento e todas as propostas são bem-vindas. Mas, é claro, uma das fontes para criar este fundo pode ser também a colaboração dos países que decidiram, na Conferência das Nações Unidas sobre Trabalho e Desenvolvimento, realizada em 2002 em Montreux, reavivar o fundo público para o desenvolvimento, que receberia 0,7% do produto interno dos países desenvolvidos.
Rets - E o presidente Lula já conhece essa intenção de criação do Fundo de Solidariedade Digital?
Adama Samassekou - Sim, sim. Tive a honra de ser recebido pelo presidente Lula na segunda-feira, dia 9 de junho, em Brasília, e nós falamos sobre o Fundo Mundial para a Fome, do presidente Lula, sobre o fundo proposto por Wade, e também sobre o Fundo Internacional para a Aids, já existente. Na verdade, acreditamos que no contexto da Cúpula Mundial... pois a Cúpula não é sobre novas tecnologias, não é para as novas tecnologias e, sim, sobre o desenvolvimento humano, sobre como utilizar as novas tecnologias para acelerar o alcance dos objetivos humanos.
Então, com essa grande idéia do fundo podemos conjugar uma série de fatos, pois, para que você possa se desenvolver, é preciso que você esteja vivo, daí a importância de um fundo contra a Aids. Para que você possa produzir, é preciso que você não tenha fome. Daí ser importante o fundo que servirá para erradicar a fome. Para que você possa ser um ator responsável, é preciso que você tenha acesso ao conhecimento. É preciso, então, o acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento das relações.
Rets - O modelo da Cúpula depois da guerra apresenta problemas, ou não?
Adama Samassekou - Não, creio que o contrário. Agora, mais do que nunca, esta Cúpula deverá permitir reforçar o sistema das Nações Unidas. É uma excelente oportunidade para se dizer ao mundo que é preciso uma democracia em nível mundial. É preciso que os países tenham o que dizer na jurisdição relativa ao entendimento das nações. É necessário, então, que as relações mudem e que não haja mais excluídos no nível dos países, das instituições etc.
É a oportunidade também para se revisitarem as relações internacionais. Creio que a Cúpula pode lançar uma mensagem bem forte. E é por isso que nós também desejamos, entre outras coisas, que todos os países que estão nessa perspectiva de desenvolver uma boa cooperação, a começar pelos países do Sul... enfim, a cooperação Sul-Sul-Norte deverá permitir o reforço dessa perspectiva ao nível da Cúpula.
*Organismo internacional que faz parte do sistema das Nações Unidas.
**Muito comuns em processos preparatórios para as conferências da ONU, eles são grupos de produção de consensos estratégicos, em constantes trocas e diálogo com as negociações.
Graciela Selaimen
Colaborou Paulo Henrique Lima
Tradução de Maria Eduarda Mattar
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