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Atingidos, mas ativos

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor








Há mais de duas décadas, pessoas que viram suas vidas mudarem por causa da construção de barragens e hidrelétricas no Brasil começaram a se unir e articular para mostrar aos governantes que queriam reparação para as transformações que as obras representavam em suas vidas. Começava a se desenhar o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), que hoje em dia congrega aproximadamente 300 mil pessoas em busca de reparações. Mas a tarefa é árdua: estima-se que atualmente no Brasil existam 1 milhão de pessoas - mais que o triplo dos integrantes do MAB - que foram obrigadas a se deslocarem ou mudarem outros aspectos de suas vidas em função da construção de hidrelétricas. Atualmente, o movimento comemora o seu fortalecimento e possibilidades maiores de reparações, com o reconhecimento, por parte de organismos representativos dos governos, do impacto que as construções de barragens tem sobre um número significativo de pessoas.

Isto ficou bastante claro recentemente, durante o V Congresso Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), realizado de 9 a 13 de junho em Brasília, onde se reuniram 900 delegados representando 17 estados. O evento, que acontece a cada quatro anos, contou ainda com a participação de representantes do governo federal, cujas declarações agradaram aos presentes. Apoio ao governo Lula, críticas ao modelo energético brasileiro e pedidos de ajuda aos atingidos por barragens foram alguns dos pontos de debates.


Durante o evento, um fato incomum até então - e positivo: o presidente da Eletrobrás, Luis Pinguelli Rosa, reconheceu erros da estatal no processo de expansão do sistema elétrico. Pinguelli afirmou que hoje a empresa tem consciência de que famílias foram prejudicadas durante a construção de barragens, cujo planejamento e execução nem sempre levaram em conta todos os envolvidos. Para o coordenador nacional do movimento Gilberto Cervinski, a declaração é histórica: “Antes, para a Eletrobrás, não havia atingidos por barragens. É como se não houvesse pessoas atrás dos muros das hidrelétricas. Ao reconhecer a existência dessa classe, é preciso apresentar soluções para o problema”. De acordo com o MAB, desde a década de 70, um milhão de pessoas foram expulsas de suas casas e terras devido ao alagamento provocado pelas usinas. Poucas foram indenizadas justamente. Pinguelli afirmou ainda que a política energética será discutida com os movimentos sociais por ela afetados e que as empresas passarão a agir com mais responsabilidade social a partir de agora.


Quem também fez promessas durante o evento do MAB foi o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto. Ele anunciou uma linha de crédito para agricultores atingidos por barragens nos moldes do Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar), que dá, entre outras facilidades, quatro anos de carência para o pagamento da dívida, cujos juros são menores que os de mercado. Os recursos seriam usados para a próxima safra e beneficiariam aproximadamente 15 mil famílias. Haveria aproximadamente R$ 25 milhões à disposição dos atingidos por barragens até o próximo ano, segundo o ministro. “É um valor baixo para a demanda existente, mas já é um começo”, diz Sadi Baron, outro coordenador nacional do movimento. Segundo Baron, o MAB agora irá intensificar a pressão ao governo para conseguir a liberação dos recursos.


Essa aliás é uma das diretrizes da direção nacional com relação à nova administração – apoio com pressão. A Carta de Brasília, documento final do congresso, declara entusiasmo, que “vem da certeza de que com a eleição do novo governo, abre-se a oportunidade para iniciar uma nova história do país com profundas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais”. “É um novo processo político a ser visualizado. Não iremos esperar decisões, mas pressionar e ajudar o governo a levar adiante as mudanças”, afirma Baron.









O MAB, no entanto, critica o modelo energético adotado até hoje por privilegiar os grandes consumidores em detrimento dos pequenos e por privatizar recursos hídricos. Segundo os coordenadores nacionais, o problema estaria não só na geração de energia, que desloca muita gente e afeta o meio ambiente, mas também na distribuição. Esta estaria concentrada em indústrias eletrointensivas, que consomem 27% da produção nacional (segundo o Ilumina - Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico), apesar de possuírem subsídios governamentais para a compra de energia. Entre elas estão as fábricas de alumínio, papel, aço, celulose e de ligas de ferro, voltadas para o mercado externo, altamente poluentes e pouco empregadoras. Enquanto isso, 17 milhões de pessoas não teriam pleno acesso à energia.


Os coordenadores do MAB tecem críticas ainda à privatização da água em concessões para construção de hidrelétricas. Um exemplo citado é a usina de Serra da Mesa, em Goiás, onde a empresa que ganhou a licitação hoje cobra para quem quiser utilizar a água.

No lugar desse modelo, o MAB propõe outro que privilegie fontes alternativas de energia como os ventos e a biomassa. Além disso, apóia a repotencialização das hidrelétricas existentes, cuja taxa de desperdício de recursos hídricos é muito alta, e a revisão dos contratos de concessão.

Outra proposta é o aumento da ajuda aos atingidos por barragens. Por muito tempo, o movimento não tinha a quem recorrer para resolver conflitos e reivindicar indenizações justas. “Ficávamos sem pai nem mãe”, diz Cervinski. “Recorríamos ao Ministério de Minas e Energias, que nos enviava para a Aneel. Esta afirmava que o problema não era deles, mas da empresa que nos prejudicara, que por sua vez dizia que, por sermos agricultores, deveríamos ir ao Ministério de Desenvolvimento Agrário, que falava que o problema era ambiental. Aí nos dirigíamos ao Ibama, que também negava responsabilidade”, lembra. Agora, por iniciativa do presidente da Eletrobrás, a empresa tem concentrado as reclamações e um diálogo começa a ser construído.


Apesar disso, a estatal planeja aumentar o número de hidrelétricas. Até 2015, estão previstas mais de 400 novas usinas de porte variado, todas com barragens. Elas devem atingir mais 800 mil pessoas, que podem vir a ingressar no MAB ou, como é mais comum, rumar para a periferia de grandes cidades em busca da vida que ficou por água abaixo.


 


Marcelo Medeiros

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