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Juventude, Participação e Direitos Sexuais e Reprodutivos

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Apresentação

Alguns marcos, como a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e a IV Conferência Mundial da Mulher (Pequim, 1995) enfatizaram que os direitos sexuais e reprodutivos são parte dos direitos humanos fundamentais. Estar em sintonia com os códigos éticos universais, no que se refere a esses direitos, é proporcionar a todas as pessoas a garantia de desfrutar e controlar sua vida sexual e reprodutiva de forma saudável e segura.

Motivadas por essa ética, as ONGs CRIA (Centro de Referência Integral de Adolescentes), ECOS (Comunicação em Sexualidade) e GTPOS (Grupo de Trabalho e Pesquisa em Orientação Sexual), em parceria com a Fundação MacArthur, desenvolvem desde 2001 o Projeto “Parceria CRIA-ECOS-GTPOS”, cujo objetivo é contribuir para a formulação de políticas para adolescentes e jovens, baseando-se também no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Enfatiza a garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, realizando ações e estratégias para a mobilização e exigibilidade, para que o Estado venha a exercer o seu papel como implementador das políticas públicas.

Este documento, produto dessa parceria, é resultado do Seminário “Participação Social pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos na Adolescência”, realizado em Salvador nos dias 17 e 18 de junho de 2002 pelo CRIA, em parceria com o GTPOS e ECOS e apoio da Fundação MacArthur, quando foram discutidos itens voltados à defesa dos direitos sexuais e reprodutivos para o público adolescente e jovem, na perspectiva da eqüidade de gênero.

Esta ação educativa realizada com 38 adolescentes de ambos os sexos, de baixa renda, de Salvador (CRIA e Rede MIAC[1]), Recife (PAPAI), Olinda (Coletivo Mulher Vida) e São Paulo (Trance essa Rede), com idades variando entre 14 e 21 anos, proporcionou o debate dos temas entre profissionais de diversas áreas e os jovens.

O documento ”Juventude, Participação e Direitos Sexuais e Reprodutivos” tem como objetivo dar visibilidade às reivindicações e anseios desses sujeitos de direitos e sugerir subsídios para pautas de políticas públicas nas áreas de saúde, educação e direitos sexuais e reprodutivos direcionados a essa faixa etária. A participação ativa dos jovens na reflexão e elaboração de propostas relacionadas à melhoria da sua condição de vida, sem dúvida, simboliza novos caminhos para a inclusão social e o exercício verdadeiro da democracia em nosso país. Percebemos essa juventude totalmente comprometida com o futuro a partir do que reivindica agora.

Com o trabalho que desenvolvemos em nossas ONGs, colocamo-nos ao lado desses jovens e convocamos as organizações da sociedade civil e a mídia para advogarmos junto aos órgãos governamentais, em defesa da implementação de políticas públicas destinadas aos jovens, na área da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos.


PROPOSTAS DOS ADOLESCENTES

Os adolescentes expressaram o desejo de uma maior aproximação da universidade com as temáticas juvenis, visando à inclusão da discussão sobre os direitos sexuais e reprodutivos na adolescência nos currículos dos alunos das áreas de educação, saúde e comunicação, bem como em suas comunidades e famílias. Entendemos esta demanda como um desejo dos jovens de que esses direitos sejam esclarecidos, assumidos e incorporados de forma responsável pela sociedade como um todo.

A coerência dessas sugestões traduz-se, inclusive, pela coincidência, em muitos momentos, com diagnósticos e propostas já levantadas por profissionais da educação e da saúde no exercício diário das suas profissões, que inclui o atendimento a adolescentes. Nesse cotidiano, muitos profissionais percebem a necessidade de um olhar, de um ambiente e de uma estrutura adequados às especificidades trazidas por esse público.

1. SEXUALIDADE NA EDUCAÇÃO E NA SAÚDE

Para a construção das propostas na área da educação foi sugerido que se avaliasse a forma como os professores estão lidando com esses conteúdos em sala de aula. Na discussão, os adolescentes ainda apontam a dificuldade dos profissionais de educação e saúde em abordarem essa temática, através do diálogo.

· Capacitar profissionais de educação (professores, orientadores, diretores) para trabalhar os temas de orientação sexual na escola;

· Estimular e criar condições para que a escola realize atividades que proporcionem a participação da comunidade;

· Incentivar a parceria da escola com o posto de saúde do bairro;

· Implementar ações educativas junto às escolas para prevenir doenças e evitar a gravidez;

· Sensibilizar a escola para a promoção de ações que contribuam para a melhoria do diálogo na escola e entre esta e a família

· Sensibilizar a escola para a promoção de ações que contribuam para que os jovens tomem consciência dos seus direitos e deveres

· Propor à escola que divulgue os programas de saúde disponíveis para a população jovem e os serviços oferecidos pelo posto de saúde do bairro;

· Propor à escola que promova palestras e distribuição de materiais educativos e informativos nas áreas de sexualidade e saúde preventiva;

· Capacitar os profissionais de saúde para atender aos jovens;

· Propor parceria da escola com um posto de saúde do bairro, com ginecologista (trabalho com os adolescentes) para fazer pré-natal e outros atendimentos;

· Propor um posto de referência no atendimento ao adolescente em cada comunidade que tenha profissionais aptos a atendê-los (Hebeatra);

· Estabelecer parceria entre os serviços de saúde e educação com universitários das respectivas áreas, para que haja um intercâmbio com a comunidade e o pensamento acadêmico, incluindo, se possível, estas atividades no currículo da universidade.

· Favorecer o desenvolvimento da escola enquanto um espaço político de discussões dos jovens, sobre temas presentes na sua vida e na sociedade, buscando estimular a participação dos mesmos nos espaços de elaboração, controle e gestão de políticas públicas;

· Propor aos Centros de Saúde que identifiquem junto às escolas jovens que possam desenvolver atividades relacionadas aos temas da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, utilizando dinâmicas de grupo.


Com base nestes subsídios, CRIA/ECOS/GTPOS reafirmam como propostas prioritárias para as áreas da educação e da saúde:

· Que a Orientação Sexual nas escolas, conforme proposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais - tanto como espaço específico quanto como tema transversal – seja efetivamente implantada no país.

· A efetiva capacitação dos profissionais da educação que se envolvam com a implementação deste tema nas salas de aula.

· Incentivos à implementação de atividades que proporcionem uma maior integração da família, comunidade e serviços de saúde na escola.

· Incentivar a participação dos jovens nos espaços de gestão da escola e dos serviços de saúde.

· A inclusão de espaços de atendimento aos adolescentes, em saúde sexual e reprodutiva, nos Serviços Públicos de Saúde.

· A efetiva capacitação dos profissionais de saúde que se envolvam com a implantação destes serviços, nas Unidades de Saúde.

2. GÊNERO E MASCULINIDADES

Os estereótipos de gênero foram questionados e as principais propostas dos adolescentes para o seu enfrentamento foram:

· Indicar aos postos de saúde que implementem serviços de atendimento aos adolescentes dos sexos masculino e feminino oferecendo orientação e diálogo;

· Indicar às escolas que trabalhem as relações entre os gêneros (homem/mulher) de forma democrática e não discriminatória;

· Propor a criação de núcleos de professores e alunos capacitados para a multiplicação dos temas sexualidade e relações de gênero nas escolas, incentivando o diálogo entre meninos e meninas para discutir o respeito nas relações entre ambos.

COM BASE NESTES SUBSÍDIOS, CRIA/ECOS/GTPOS REAFIRMAM COMO PROPOSTAS PRIORITÁRIAS, RELATIVAS AOS TEMAS GÊNERO E MASCULINIDADES:

· A desconstrução da hegemonia que permeia as relações de gênero através do questionamento dos seus estereótipos nas ações sobre sexualidade na escola, nos centros de saúde e em espaços da comunidade.

· A discussão dos temas da sexualidade e da reprodução com adolescentes do sexo feminino e masculino, por serem relativos a mulheres e a homens.

3. GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Em virtude da complexidade e do dinamismo do tema, os adolescentes ressaltaram a necessidade de maior atenção a essa questão, propondo:

· Disseminar e trabalhar o tema gravidez na adolescência nas comunidades;


· Propor que a escola debata esse tema não só em aulas informativas;


· Propor políticas de encaminhamento dos jovens pais e mães para o mercado de trabalho;


· Oportunizar espaços de convivência entre mães e filhas para que ensinem suas filhas e filhos a cuidarem de seus bebês;


· Criar condições para que os centros de saúde ofereçam cursos para adolescentes gestantes buscando orientá-las em relação aos cuidados necessários para com o bebê;


· Desburocratizar o processo de licença maternidade na escola;


· Garantir que as adolescentes tenham direito a uma licença na escola após o parto, possibilitando o acesso à segunda chamada;


· Indicar um acompanhamento dos currículos escolares garantindo a discussão do tema transversal, orientação sexual;


· Garantir espaços de discussão na escola em torno da gravidez na adolescência, buscando a conscientização para evitá-la;


· Indicar à escola que crie um espaço de divulgação sobre os serviços que o posto de saúde do bairro oferece;


· Incentivar a participação de jovens nos centros de saúde, lidando com outros jovens;


· Garantir que os postos de saúde tenham camisinha para todo mundo;


· Propor programas de distribuição de camisinha nas escolas;


· Propor aos Centros de Saúde o acompanhamento das adolescentes grávidas durante e depois da gravidez;


COM BASE NESTES SUBSÍDIOS, CRIA/ECOS/GTPOS REAFIRMAM COMO PROPOSTA PRIORITÁRIA, COM RELAÇÃO AO TEMA DA GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA:

· Que os espaços institucionais da educação e da saúde propiciem, aos adolescentes, informações, esclarecimentos e condições para evitarem uma gravidez que não desejem e para serem adequadamente assistidos na gravidez.


4. ADOLESCÊNCIA, MÍDIA E DIREITOS REPRODUTIVOS

Os adolescentes apontaram a Internet como um importante meio para buscar e difundir informações. Observaram que é importante o acesso a todos os meios porém, sem deixar de observá-los com olhar crítico. Trouxeram também o desejo de que a mídia funcione de forma mais democrática e que dissemine informações de fontes diversificadas.

· Propor a criação de peças, cartazes, folders para sensibilização e disseminação dos temas da equidade de gênero nas escolas, comunidades etc.;


· Criar espaços de comunicação comunitária (jornais etc.) para tratar questões que atingem adolescentes e adultos e que ambos colaborem com esses espaços;


· Desenvolver campanhas de comunicação que incentivem os postos de saúde, escolas e espaços da comunidade a refletirem sobre temas relacionados a saúde, direitos sexuais e reprodutivos, relações de gênero no ambiente familiar e outros;


· Incentivar e criar meios de fortalecer redes de comunicação entre os jovens para a troca de informações nos Fóruns de Direitos da Criança e do Adolescente, Conselhos e a importância da participação dos jovens nesses espaços;


· Implementar políticas de comunicação pública que considerem, com aprofundamento, a discussão de temas relacionados à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos;


· Propor a criação de um número maior de programas educativos que abordem questões relacionadas à sexualidade nos meios comerciais de grande circulação;


· Sugerir aos professores que utilizem os meios de comunicação como instrumento pedagógico a partir da leitura crítica dos mesmos;


· Oportunizar a participação dos jovens ativamente na criação das campanhas publicitárias que trazem os temas relacionados aos jovens;


· As faculdades de comunicação, através de seus estudantes, deveriam estar dentro das escolas fazendo formações na área de comunicação, facilitando a articulação entre as escolas e os meios de comunicação de massa;


· Proporcionar aos jovens o acesso às novas tecnologias;


· Proporcionar a participação dos adolescentes na elaboração de matérias e programas voltados para o público jovem (criação dos conselhos jovens);

· Capacitar os professores para utilizarem as novas tecnologias em sala de aula;

· Sensibilizar os profissionais de comunicação para uma abordagem qualificada dos temas referentes ao público jovem, evitando preconceitos.

COM BASE NESTES SUBSÍDIOS, CRIA/ECOS/GTPOS REAFIRMAM COMO PROPOSTAS PRIORITÁRIAS RELATIVAS AO TEMA ADOLESCÊNCIA, MÍDIA E DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS:

· Democratizar o acesso aos diversos meios de comunicação.


· Subsidiar o desenvolvimento de mídias alternativas.


 



1 - MIAC – Movimento de Intercâmbio Artístico-Cultural pela Cidadania, rede que reúne cerca de 200 instituições de Salvador na luta pelos Direitos Humanos.






A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

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