Autor original: Mariana Loiola
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Saímos da ditadura militar, assistimos ao fim da censura e a uma maior participação popular. A liberdade de expressão contribui para uma maior consciência crítica da população; por outro lado, também nos faz questionar os seus limites. Será que os produtores de televisão, por exemplo, têm o direito de transmitir o que bem entenderem? Foi para questionar e debater esses limites que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados (CDH) e entidades da sociedade civil de várias partes do Brasil, lançaram a campanha "Quem financia a baixaria é contra a cidadania", em novembro de 2002. A iniciativa tem como objetivo valorizar os direitos humanos na televisão. Participam da coordenação da campanha organizações como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Grupo Gay da Bahia, Instituto Acatu, Instituto Ethos, Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), entre outras.
A idéia da campanha surgiu em maio do ano passado, durante a Conferência de Direitos Humanos, promovida pela CDH, em Brasília, com o tema "Violência e criminalidade". O grupo de trabalho que debateu sobre a questão na mídia, destacou o desrespeito de alguns programas de TV aos cidadãos e a falta de sensibilidade aos apelos da sociedade por mais ética na programação. Ao final dos trabalhos, o grupo concluiu que era necessário desenvolver uma maneira de a sociedade civil organizada fiscalizar a programação, e sugeriu uma campanha de combate aos abusos.
Para acompanhar a programação da televisão, foi criada a Comissão de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão (CAP), formada por membros das entidades integrantes da campanha. A comissão analisa e indica os programas que, de forma sistemática, desrespeitam convenções internacionais assinadas pelo Brasil, princípios constitucionais e legislação em vigor que protegem os direitos humanos e a cidadania. São algumas das formas mais comuns de desrespeito aos direitos humanos na mídia: apologia e incitação à violência; discriminação racial, de gênero, por religião e orientação sexual; estímulo à precipitação da sexualidade infantil; imputação de autoria de crime a pessoa sem provas; e afronta à dignidade de grupos de pessoas fragilizadas, como portadoras de deficiência física, doentes mentais, dependentes químicos e portadoras do vírus HIV; entre outras.
Após serem identificadas situações de desrespeito em determinado programa, a coordenação da campanha entra em contato com os comunicadores responsáveis, para tentar persuadi-los a modificar a programação. Caso as emissoras não queiram dialogar, a coordenação pretende pressionar os anunciantes a não patrocinarem os programas indicados. Esse boicote é tido pela campanha como uma estratégia eficaz, na medida em que as empresas, preocupadas em preservar a sua imagem diante do mercado (que exige cada vez mais responsabilidade social das empresas), deverão evitar vincular a sua imagem a programas que desrespeitam os direitos humanos e a dignidade dos cidadãos. "Não adianta se indignar e não fazer nada. Temos que criar problemas para os programas que insistem no desrespeito", diz Roberto Monte, coordenador da Rede DHnet e um dos integrantes da CAP.
A coordenação da campanha afirma que o seu propósito nada tem a ver com falso moralismo, pois tem como parâmetros princípios fundamentais da democracia e dos direitos humanos e instrumentos jurídicos. Além disso, os organizadores da iniciativa acreditam que, como a TV é uma concessão pública, é necessário que haja uma fiscalização social sobre o que é veiculado para a população brasileira - que, em sua maioria, tem a TV como principal fonte de cultura, lazer e entretenimento. As emissoras têm a possibilidade de diálogo e de defesa, portanto, "as regras são discutidas, e não colocadas de cima a baixo", como afirma o coordenador da DHnet.
Denúncias
A campanha também é alimentada por denúncias. Qualquer pessoa que se sentir lesada por algum programa televisivo, pode denunciá-lo. A maior parte das denúncias diz respeito à amplificação e generalização da violência e à inadequação de horários para veiculação de imagens com exagerado apelo sexual. Programas policiais, de auditório e novelas estão entre os mais denunciados. "São tentativas mais simples e baratas de captar o maior número possível de telespectadores. O programa que consegue aumentar a sua audiência é rapidamente copiado", diz Laurindo Leal, membro da ONG TVer e também integrante da CAP. Ele ainda ressalta que é preconceituoso justificar o sensacionalismo na televisão com o argumento "a gente dá o que o povo quer": "O povo não tem alternativa, pois as fórmulas usadas nesses programas são iguais".
A campanha já teve um retorno positivo. Há cerca de um mês, o assessor do Domingo Legal (um dos programas mais denunciados), se encontrou com a coordenação da campanha e se prontificou a reformular os quadros do programa. Espera-se que haja mais acordos como esse e que os resultados venham em forma de melhoria na qualidade da televisão que é feita no Brasil.
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