Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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A presidente do sindicato das trabalhadoras domésticas de Pernambuco, Eunice do Monte, freqüentemente é requisitada por jornalistas para falar sobre as condições de trabalho da categoria ou até escrever sobre isso. Porém sempre sentiu dificuldades de falar com os meios de comunicação. Passava noites pensando no que ia dizer, preparava-se para não cometer nenhum erro e, na hora da declaração, até tremia.
Hoje se sente mais à vontade. “Estou mais segura, domino os assuntos”, diz. Parte da segurança vem da experiência adquirida no cargo e do costume de ser fonte de jornalistas. Mas também de uma série de oficinas sobre como lidar com a mídia que ela freqüenta desde abril junto com outras mulheres de 25 organizações ou associações pernambucanas com enfoque em gênero. As aulas fazem parte do projeto Mídia Advocacy - Qualificando Porta-Vozes Feministas de Pernambuco para Dialogar com a Imprensa, organizado pelo Fórum de Mulheres daquele estado e selecionado pelo programa Gênero, Ação, Reprodução e Liderança (Gral), da Fundação Carlos Chagas, que tem apoio da Fundação MacArthur.
O Mídia Advocacy funciona em duas vertentes. Uma é a qualificação das feministas em temas sobre saúde e direitos reprodutivos e sexuais – assuntos sobre os quais são chamadas para conversar na mídia e com que trabalham diariamente. Essa parte é desempenhada por ativistas de organizações que trabalham nessas áreas. A outra, facilitada por oito jornalistas de ONGs e empresas, é o trabalho com elementos de comunicação como discurso, fala em público, texto para jornal e consciência corporal, para que elas se sintam capazes e seguras ao conversarem sobre os temas para os quais foram qualificadas.
Ou seja, as duas partes são complementares. “A idéia é que elas dominem os conteúdos e discutam como eles devem ser argumentados frente à opinião pública. Mais que uma qualificação de porta-vozes, o projeto pretende trabalhar com a lógica dos meios de comunicação”, diz Ana Veloso, jornalista do Centro das Mulheres do Cabo, uma das organizações participantes do projeto.
Oficinas
Já foram ministradas quatro oficinas de um total de 13. A última acontece em fevereiro de 2004. Os temas dos encontros são decididos de acordo com eventos ou datas comemorativas relativas à saúde reprodutiva. Por exemplo: o dia da saúde integral da mulher e de combate à mortalidade materna é 28 de maio e foram esses os temas abordados na aula de maio. Os debates contaram com a participação das ONGs SOS Corpo, Gestos, Cunha (da Paraíba), Centro das Mulheres do Cabo, Grupo Curumim, Loucas de Pedra Lilás e Articulação das Mulheres Brasileiras. A metodologia é participativa, onde todas as envolvidas trocam experiências.
Um exemplo de como funcionam as oficinas são as aulas de vídeo –apontado pela maioria das participantes como o mais difícil de lidar. Entrevistas foram simuladas e filmadas pela jornalista oficineira. “Antes conversamos sobre os medos delas em relação à televisão. A partir daí desmistificamos essas questões, que iam desde a ofensividade dos jornalistas até preocupação com a imagem na tela”, explica a repórter da TV Globo de Recife, Andréa Trigueiro, que deu aulas sobre televisão.
No final da oficina, a responsável pela aula mostrou o resultado às demais e fez comentários sobre as “performances”. Foram comentados erros e manias que não ficam bem na televisão. “Avaliamos e melhoramos tudo o que fazemos”, diz Eunice. Dias depois de ter ministrado a oficina, Trigueiro entrevistou a trabalho uma das participantes e aprovou o resultado. “Estão mais confiantes, perderam o medo de fazer feio”, comenta.
O conteúdo não fica restrito às participantes. Como são poucas, elas tentam passar o aprendizado a outras lideranças e companheiras de trabalho. É o caso de Núbia Melo, do Grupo Curumim. Assim como Eunice, ela reclama da falta de preparo para lidar com jornalistas e escrever de forma que qualquer pessoa entenda, além de falar melhor com as pessoas em seu trabalho. “Vou precisar dessas lições com certeza. Se houvesse mais vagas, com certeza teria participado”, diz.
Quem lhe repassa informações é Sueli Valongueiro, a escolhida pelo Grupo Curumim para participar do Mídia Advocacy. Logo após as oficinas, Valongueiro organiza encontros para explicar o que foi ensinado. “Antes eu dava muito a minha visão e não apresentava dados. Já sei que é melhor informar e ganhar a opinião dos outros ao mostrar a situação. Temos que ter a informação na ponta da língua. Assim prendemos o interesse no que dizemos”, ensina Melo.
Para Geórgia Alves, assessora de comunicação da SOS Corpo e oficineira de rádio, o fato de todas as suas alunas serem lideranças facilitou bastante o seu trabalho. “Elas sabem do seu papel. As oficinas foram provas de fogo e elas conseguiram passar. Mas ainda há muito a depurar”, lembra.
Mídia e Mulheres
As mulheres organizadas começaram a dialogar mais com a mídia na década de 80 ao atacar o sexismo dos meios de comunicação. Com dificuldades conseguiram pautar diversos assuntos como combate à violência, direitos sexuais e reprodutivos. Mas só agora elas conseguem ver os jornalistas como aliados. A demora se deve, segundo Ana Veloso, à “falta de prontidão [do movimento de mulheres] em lidar com a velocidade das emissoras de rádio e televisão (quer sejam comunitárias ou oficiais). Por isso têm perdido oportunidades de desencadear discussões políticas e difundir seus argumentos. Outro fator preponderante para a suposta ‘falta de espaço’ é a resistência das feministas em se relacionarem mais intensamente com a mídia, fato que vem paulatinamente diminuindo”.
Entretanto, participantes do Mídia Advocacy e oficineiras concordam num ponto: não basta as feministas saberem lidar melhor com a mídia. Os meios de comunicação também devem se preparar para melhorar a cobertura que fazem sobre os direitos das mulheres, que ainda é tímida e preconceituosa –mesmo quando feita por mulheres.
“Há preocupação em explorar os assuntos de forma mercadológica e investir o mínimo no aspecto humano. Continuamos a ver mulheres sendo culpadas por vestirem determinadas roupas ou estarem em determinados locais e depois serem estupradas. Isso mesmo quando o repórter é preparado ou mulher. Isso acaba legitimando uma prática”, lamenta Geórgia Alves.
Como qualquer pessoa, jornalistas se apegam a uns assuntos mais do que a outros, mas os direitos das mulheres não aparecem nas preferências jornalísticas. A solução, de acordo com Andréa Trigueiro, é simples. “É preciso fazer um trabalho de sensibilização. Ficamos muito tempo nas redações e temos pouco contato com as fontes. Precisamos sentir a pauta e não só reportar os fatos”.
A experiência de participar de projetos como o Mídia Advocacy é recomendada pelas oficineiras pelas trocas que proporcionam. “É bom sentir que há alguém cuidando de assuntos tão delicados”, diz Alves. Até o fim do projeto, pelo menos mais 20 jornalistas devem participar das oficinas. Se tudo continuar certo, haverá melhores entrevistadas e entrevistadoras. E quem ganha é o público.
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