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Polêmica e questionamento da eficácia, no combate às drogas

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






Seja com frases de efeito, conceitos pouco ortodoxos ou com linguagem quase científica, as campanhas antidrogas vêm sendo realizadas há algum tempo, tendo se intensificado a partir de meados dos anos 90. As mais recentes, veiculadas nas TVs, nos rádios, em jornais e painéis luminosos, causaram muita discussão e questionamentos sobre o fato de estarem, ou não, culpando o usuário de drogas ilícitas pela grande violência que acomete todo o país. É senso comum que campanhas antidrogras são necessárias, para conscientizar, informar e persuadir a deixar ou não adquirir o vício (ou o hábito, o que é a situação mais real em muitas das vezes). No entanto, as formas como são feitas e, principalmente, como retratam os indivíduos ou se dirigem a eles é o que tem sido objeto de críticas.

No país, a maioria das grandes campanhas televisivas antidrogas tem sido feita por uma organização da sociedade civil, a Associação Parceria contra as Drogas (APCD), iniciada em 1996 pela ação de empresários, a exemplo da campanha da Partnership for Drug-Free America, iniciativa que já vinha acontecendo nos EUA. Além de conseguirem a adesão de agências de propaganda e das emissoras de rádio e TV (que veiculam as peças gratuitamente), as ações da APCD têm o apoio da Secretaria Nacional Antidrogas, do Governo Federal, como afirma um dos dirigentes da organização, Hiran Castello Branco: “A Senad tem dado espaço para organizações da sociedade civil envolvidas com o tema, como nós, desempenharem e prosseguirem realizando o que tem obtido sucesso”.

O fato de serem amplamente veiculadas pela TV explica um pouco mais o porquê de tanta repercussão das campanhas. O meio é tido como fonte primeira de informação para a grande maioria dos brasileiros. Segundo pesquisas realizadas pelo IBGE, constantes no anuário Mídia Dados de 2000, o percentual de domicílios que possuíam aparelhos de televisão era de 83,3% em 1996; em 1997, esse percentual evoluiu para 86,2% e, em 1998, para 87,4%. Ou seja, cada vez mais pessoas assistem à TV. Somando a isso o fato de que apenas 23, 8% da população lê jornais e 9,8%, revistas; e 55,7% assistem à televisão aberta (de acordo com dados da tese de mestrado da professora Arlene Lopes, que analisou justamente a linguagem das campanhas antidrogas), fica claro que a TV é referência para a maior parte da população. “Justamente por isso, ela é lugar de elaboração e propagação de ideologia para qualquer enunciador que reconheça a sua potencialidade para atingir o maior número de pessoas em comparação, por exemplo, com a mídia impressa”, diz o estudo da professora.

Assim, chegando a muita gente, atingindo diversos públicos, é natural que suscite as mais diversas opiniões e avaliações. A própria professora Arlene é uma das críticas sobre o assunto. Para ela, as campanhas investem em uma linguagem pouco eficiente. O que, então, teria efeito? “Mais informações sobre prevenção, sobre as conseqüências, sobre como a droga age no organismo, quais os sintomas de quem está viciado ou drogado”, defende ela, que consegue reconhecer, pelas atitudes, quando um de seus alunos universitários está sob efeito de drogas.

Ela acredita também que as campanhas devam “mostrar que o dinheiro do baseado ou do pó na festa é potencialmente o mesmo que o traficante vai usar. Têm que ser claras e diretas, a exemplo das de prevenção ao dengue”, defende. Arlene lembra ainda que as campanhas mais recentes estão mais realistas, mais próximas do que seria ideal, e que sua tese de mestrado analisou as peças veiculadas entre 1996 e 1997.

Escolha pela confrontação e a necessidade de distinção

A posição da APCD é a de compreender as opiniões discordantes: “É claro que, numa sociedade tão ampla, não exista unanimidade, o que é normal, compreensível. As pessoas podem contestar”, diz Castello Branco. No entanto, a entidade vê razão na linguagem dos anúncios que produz. A intenção, segundo o dirigente, é fazer com que os potenciais usuários não optem por tomar drogas; é atuar, através da exposição da realidade, para prevenir que mais pessoas comecem a se drogar.

Além disso, Castello Branco lembra que a criação das peças depende da aprovação da comissão técnica (que conta com especialistas como médicos, psicólogos etc.) que assessora a APCD. “Nós pré-testamos essas peças, assim como todas as outras obras publicitárias, para ver se elas passam a mensagem que se deseja passar e, no caso dessas em especial, para ver se estão de acordo com a realidade, se não estamos falando alguma coisa que não é verdade”, diz ele, que também é presidente do Conselho Nacional de Propaganda.

Recentemente, o presidente da APCD, Paulo Heise, escreveu um artigo em que rebate algumas das críticas que a mais nova campanha vem recebendo. Quanto a um dos principais comentários – de que a campanha responsabiliza o usuário pelo aumento da criminalidade –, Heise explica, no artigo: “A escalada da violência, em meados do ano passado, quando juízes, prefeitos, jornalistas e outras autoridades foram assassinados por traficantes, nos sugeriu que os jovens poderiam ser sensibilizados pelo argumento 'o uso de drogas mantém o traficante, que promove a violência'. Imaginamos que o sentimento de cidadania estaria presente na cabeça de jovens que deixam de comprar determinada marca de tênis porque é fabricada com mão-de-obra infantil; ou que abandonam os produtos daquela empresa que polui rios. O sentimento de cidadania deveria estar ainda mais presente diante da evidente chance de terem um parente ou amigo atingido pela violência de todo dia.“

Portanto, a linha de raciocínio por trás dos anúncios é baseada na observação da realidade: de fato, a crescente violência é causada em grande parte por quadrilhas de traficantes, os quais - para poderem se armar, se articular – usam o dinheiro obtido com a venda de drogas. Isso é óbvio a praticamente qualquer pessoa que analise os atos de violência, especialmente nas grandes cidades, onde a situação é pior. Arlene acredita, porém, que a linguagem recheada de metáforas pode não ser compreendida por grande parte da população. “É bom deixar claro que eu sou professora de lingüística, e é desse ponto de vista que eu analiso: os anúncios têm que ser mais diretos. Dá para fazer sem metáforas e sem rebuscamento científico”, diz. “É preciso ir direto à pessoa. Não adianta atacar o telhado da casa – que é o traficante. Tem que derrubar a estrutura – formada pelos usuários. É da estrutura que o telhado necessita”, conclui.

Outro ponto que poderia ser melhor contemplado é a separação entre o que é vício e o que é hábito de se drogar, distinção necessária e sobre a qual não são veiculadas muitas informações em quaisquer campanhas antidrogas. A maioria delas é voltada para tentar prevenir e conscientizar os usuários eventuais - ou seja, aqueles que usam esporadicamente, porém não têm o vício. Apesar de consumirem, individualmente, em menor quantidade, representam um número maior de pessoas. E, por não terem o vício, poderiam mais facilmente deixar de se drogar.

No entanto não se pode esquecer que os dependentes químicos também representam um público importante a se considerar. Eles e seus familiares e amigos – os quais, dado que a pessoa doente não enxerga a droga como um problema – acabam sendo os grandes responsáveis por tentar ajudar. Assim, informações mais claras e dirigidas às pessoas que circundam os dependentes químicos são também uma carência das campanhas. De qualquer maneira, parece lógico que se tente atingir as pessoas que consomem a droga eventualmente – pela maior quantidade de indivíduos que somam e pela maior facilidade que devem ter para deixarem de consumir substâncias psicoativas. O raciocínio é que entre essas pessoas é que se poderia obter mais êxito.

Há efeitos?

A linguagem utilizada para tratar desses temas é, sim, importante, pois pode ajudar a perpetuar estigmas. Porém, independentemente disso, é preciso avaliar se as campanhas têm surtido o efeito desejado. José Carlos Galduroz, coordenador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), chama a atenção para o fato de que tais campanhas não têm tido sua eficácia sistematicamente avaliada. “Se não há o antes, não tem como avaliarmos o depois. Assim, se antes, alguns anos atrás, não existia nem muita informação sobre o próprio uso de drogas, hoje ainda não há uma análise regular sobre se essas campanhas são eficazes”. O Cebrid realiza pesquisas e estudos sobre o consumo de substâncias psicotrópicas, e é a instituição responsável pela mais recente e ampla pesquisa sobre o uso de drogas no Brasil – lançada no ano passado, e elaborada por solicitação da Senad. (O estudo está disponível na área de “Downloads Relacionados” desta página). Apesar de apontar a necessidade de estudos sobre a eficácia, Galduroz afirma que o Cebrid ainda não tem previsão de realizar uma pesquisa com esse objetivo.

Há, no entanto, uma recente pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e lançada em abril que avalia justamente os impactos das mais recentes campanhas antidrogas – as que usam o bordão “O que você faz com seu dinheiro é problema seu. O que o tráfico faz com o seu dinheiro também é problema seu”. Segundo os dados do Ibope, 19% dos entrevistados conhecem alguém que parou de usar drogas ao ser confrontado com o fato de que o dinheiro pode ser usado para financiar a violência. (a pesquisa está disponível, em parte, para consulta na Internet ou pode ser baixada. Os links para as duas opções estão nas áreas “Links Relacionados” e “Downloads Relacionados”, respectivamente, nesta página.)

É certo que outros aspectos, já citados, devem ser contemplados – como informação direta e real e a inclusão da perspectiva dos dependentes químicos. Mas o que os dados mostram é que, na medida em que a intenção é mudar a cabeça dos cidadãos e fazê-los refletirem, a campanha ganhou não só porque fez 19% das pessoas mudarem sua atitude frente ao consumo de drogas, mas também porque toda a polêmica em torno de sua linguagem e seu conceito mostra, no mínimo, que ela está mexendo com as pessoas, está causando impacto e, assim, está fazendo as pessoas pensarem sobre o assunto do consumo de drogas. E até pensarem em acabar com o assunto.


Maria Eduarda Mattar

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