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Todo mundo no Circo

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Tudo ali é uma grande brincadeira onde diversão e trabalho social se equilibram. São aulas de malabarismo, palhaço, trapézio, teatro, acrobacia e outras mais alegrando crianças e adolescentes de manhã até a noite, sem deixar a educação cair no chão. É dessa forma que há dez anos a ONG Circo de Todo Mundo passa noções de cidadania a crianças em situação de rua ou risco social de Belo Horizonte.

A organização foi criada em 1993 pelo Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, por intermédio do Projeto Recreação, organização existente desde 1991. O nome oficial do circo até hoje é Centro Recreação de Atendimento e Defesa da Criança e do Adolescente. A idéia era oferecer atividades atrativas que resgatassem a auto-estima das crianças em situação de rua. A idéia de oferecer técnicas circenses vinha do hábito de algumas delas darem cambalhotas em suas brincadeiras em um dos abrigos do Recreação. A organização foi batizada por uma das primeiras crianças atendidas pelo projeto, que queria ver todo mundo naquele circo "tão legal". Mas hoje o Circo é apenas um dos espaços – há ainda dois abrigos e o Centro de Defesa de Direitos - da organização. “Queremos provocar desejo de mudança, fazê-las permanecerem estudando e alterar sua história. Quem brinca, vai melhor na escola”, diz Maria Eneide Teixeira, coordenadora geral da organização.

Naquela época, o “circo” era o quintal de fundos do abrigo e uma praça no bairro de Carlos Prates, pouco depois transferido para um trailer na praça Marechal Floriano Peixoto, em Santa Efigênia, isso já em 1994. Meses depois a organização conseguiu comprar uma lona, instalada no mesmo bairro até 1996.

Hoje são atendidas 450 crianças e adolescentes de 7 a 18 anos nas atividades circenses e outras 30 nas Casas de Moradia – como são chamados os abrigos. No começo do projeto, elas eram selecionadas por monitores e assistentes sociais nas ruas da capital mineira e nas proximidades do local de ensaio. Para participar, elas eram obrigadas a se matricular na escola, ter boas notas e freqüência. Atualmente, há fila de crianças que moram nas proximidades do projeto para participar das atividades. Para essas, 20% das vagas estão disponíveis. O restante é ocupado por meninos e meninas que vivem nas ruas ou em situação precária e ficam sabendo do circo pela divulgação feita por amigos, ou encaminhados por conselhos tutelares. Esses sempre têm vaga.







Tudo acontece num galpão de mil metros quadrados inaugurado em 1998, no bairro do Horto. Quando chegam ao espaço, as crianças podem escolher o que desejam fazer. Entre tantas opções, geralmente o equilibrismo é o mais procurado por não oferecer perigo algum ao praticante. Mas todas acabam aprendendo também malabarismo, acrobacia de solo e aérea. Essas práticas são oferecidas diariamente em quatro turmas de duas horas de duração e com 30 alunos cada, duas pela manhã e o restante à tarde.

Com o passar do tempo, dificuldades surgem e chegam a desmotivar algumas crianças. Os professores têm como função não deixar a bola cair e evitar que elas deixem o circo. Estimulam a continuidade e a perseverança e quase sempre são bem-sucedidos. “Essa formação serve no desenvolvimento físico, no aumento da auto-estima e de consciência de coletividade. Algumas crianças pretendem seguir a carreira de artistas e outras não, mas todas têm oportunidade de estudar e serem acompanhadas nesse processo”, diz o diretor artístico da instituição, Eid Ribeiro.

Como nem todas possuem vocação circense, os integrantes do Circo insistem com as crianças para que continuem a estudar e se dedicar aos livros. No galpão há um espaço para elas fazerem as tarefas de casa e lerem, mas não existem professores. O acompanhamento é feito por estagiários e com a ajuda dos mais velhos aos novos.

Profissionalização







Já os mais dedicados e identificados com a vida artística começam a traçar novos rumos. Ao completarem 18 anos, eles não podem mais participar das atividades. Alguns, entretanto, são aproveitados como monitores e 50 deles recebem um auxílio de R$ 100. Pode não ser muito, mas faz diferença na hora de permanecer. Outros continuam ensaiando no turno da noite, após o trabalho. Eid Ribeiro está tentando formar uma cooperativa de jovens artistas com quem já participou de algum dos quatro espetáculos já realizados pelo Circo. A motivação é dar alternativa de renda para esses jovens, mas falta ainda um espaço fixo para eles se apresentarem.

A solução viria a partir da construção de uma lona fixa no terreno atrás do galpão de ensaios, onde também seria criado um centro cultural. Lá poderiam se apresentar cobrando ingressos – o que não acontece hoje: as apresentações são feitas em áreas de empresas, como estacionamento de shoppings, e, por não pagarem aluguel, também não podem receber.

Toda a verba da organização, aliás, vem de patrocínio. O Circo já montou quatro espetáculos. O último, Folias Tropicais, ainda é exibido em circuitos culturais de Minas e é baseado na mistura cultural brasileira. Em todos existe a preocupação de que seus ensaios não prejudiquem o desempenho dos alunos na escola e, por isso, eles são marcados para o turno da noite e em pequenas temporadas. Para o próximo ano, Eid planeja realizar um espetáculo somente com crianças de 7 a 11 anos.

Abrigos e Centro de Defesa







Além de diversificar as apresentações, a ONG ampliou suas atividades por causa da demanda das crianças e jovens que eram estimulados a abandonar a escola para trabalhar, ou se distanciavam da família por problemas como violência doméstica. Criaram então abrigos com capacidade de atender 15 pessoas cada: a Casa de Moradia e a Casa Rosa. O primeiro para meninos e o segundo destinado a meninas trabalhadoras domésticas –outra preocupação da organização. Na Casa Rosa, único abrigo feminino aberto de Belo Horizonte, a freqüência é irregular, as meninas chegam com histórico de abuso de drogas e violência e por isso é difícil lidar com elas. Mas tudo é resolvido com conversas e com a visualização de alternativas.

Outro projeto criado foi o Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, onde advogados, assistentes sociais e psicólogos atendem a jovens que costumavam trabalhar -apesar de terem menos de 16 anos, o que é proibido por lei - ou foram vítimas de violência sexual. Dá ainda cursos profissionalizantes e oferece trabalho legalizado para quem já tiver idade suficiente para isso. O Centro é responsável pela execução do Projeto Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente no Trabalho Doméstico da Organização Internacional do Trabalho.

As famílias também são bem-vindas em todas as atividades. Há reuniões mensais para que o Circo saiba como as crianças estão se comportando em casa depois de participarem das atividades. Cursos de geração de renda também são feitos, como de costura, de onde saiu parte do figurino utilizado no último espetáculo circense.


A metodologia utilizada é a pedagogia do lúdico, na qual a infância é valorizada assim como a diversão que faz parte dessa parte da vida. “As questões sociais têm encolhido na infância, que é pouco cuidada atualmente. O Brasil não a assume, com exceção da classe média e classes mais altas. Ainda assim, com muitos casos de violência doméstica. Todo trabalho é adulto e quando se coloca uma criança para trabalhar, ela perde a infância. Por isso precisamos de muitos circos”, explica Maria Eneide, que sonha em formar uma rede de circos de todo mundo no picadeiro brasileiro.


Marcelo Medeiros

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