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Caixa de Surpresa

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Theresa Williamson

Em vez de ficar só na lembrança, a indignação de um grupo de jovens com a política social do governo, na década de 80, resultou em um trabalho concreto de luta para combater problemas identificados. Trata-se do Caixa de Surpresa, projeto voltado para as adolescentes em situação de risco social, da comunidade de Nova Aliança, em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ). O objetivo é a prevenção das DST/Aids, do uso de drogas, da gravidez precoce e da violência familiar, através de palestras e debates com profissionais especializados. Oitenta meninas já foram beneficiadas.

Waldemir Corrêa – hoje, um dos coordenadores do projeto - integrava o "Caixa de Surpresa", grupo musical que, nos anos 80, cantava o incômodo com o poder público e as questões sociais da época, e participava de festivais regionais e estudantis. Com o tempo, o trabalho do grupo se modificou, passou a ter como enfoque a produção de eventos culturais e, em 1998, Waldemir formou, juntamente com sua mulher, o grupo de dança e teatro "Adolescentes um passo à frente", com meninas de 12 a 18 anos, em Bangu, onde eles moram.

Ele teve a idéia de utilizar a experiência na área cultural para diminuir a vulnerabilidade das crianças a problemas gerados pela pobreza em Nova Aliança. Dessa forma, transformou a sua revolta contra o descaso do governo e a sua vontade de usar a arte como forma de comunicação e expressão política em um trabalho de conscientização que, hoje, atrai cada vez mais meninas e outros moradores da comunidade. Todo o trabalho é tematizado e aborda problemas do cotidiano familiar e da comunidade.

Uma das preocupações no início do projeto, segundo Waldemir, era a exploração do corpo das meninas pela mídia, com movimentos de dança no estilo "boquinha da garrafa". "A gente via na comunidade que as meninas botavam shortinho, imitavam essas danças e as pessoas achavam bonito. Então resolvemos chamar algumas meninas para ouvir música clássica - de Beethoven a Mozart - e dançar." O resultado, segundo ele, foi surpreendente: as meninas se interessavam mais pela atividade e sempre voltavam.

Com o decorrer do tempo, o trabalho - que inicialmente era realizado na varanda da casa de Waldemir e contava com a cooperação de alguns voluntários e amigos - foi sendo reconhecido. Conquistou a parceria do Centro de Informação e Documentação Coisa de Mulher (Cedoicom), do Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável (Cieds) e de universidades. Através dessas parcerias, as atividades podem agora ser feitas em um espaço maior e ter a participação de mais profissionais das áreas de ciências sociais, psicologia, serviço social e de professores para teatro e dança.

Outras atividades, como oficinas de reforço escolar e redação, passeios culturais, círculos de leitura e discussões sobre política e cidadania, também podem ser realizadas. Trinta meninas participam atualmente do Caixa de Surpresa, que deve ser legalizado no mês vem. Luana da Silva, de 18 anos, acha que, se não tivesse conhecido o grupo, hoje poderia estar grávida. "Tem muitas meninas grávidas na comunidade. Eu me preocupo com as minhas colegas. Se para quem sabe se cuidar já é difícil, imagina para quem não sabe."

Todo final de ano, as meninas do grupo apresentam os resultados das aulas de dança e teatro para as suas famílias e para a comunidade que, nesses encontros, aproveita para sugerir temas que devem ser mais trabalhados. "É uma grande troca", diz Waldemir. Elas também fazem apresentações fora da comunidade. Ao todo, já foram realizadas mais de 60 do espetáculo "Adolescentes um passo à frente" em colégios, comunidades e teatros.

As próprias meninas acham que o projeto oferece uma grande oportunidade, e que ajuda a melhorar a auto-estima. Diana Conceição, de 13 anos, conta que ganhou amigos e conhecimento no grupo. "Aqui aprendi muita coisa dançando e fazendo teatro. A gente também sai um pouco da rua. Na rua não tem nada para fazer", diz. Para Ana Cláudia de Santana, de 15 anos, a vida mudou muito, inclusive o seu comportamento. "Quando entrei no grupo, eu tinha muita vergonha, não gostava de teatro, hoje eu adoro. Participo de todas as atividades. Agora 'tá' fácil", conta, animada.

Uma turnê nas férias para que as meninas se apresentem em outras cidades está entre os planos futuros do Caixa de Surpresa. Outro projeto é levar o trabalho de prevenção para as escolas da região, com as meninas atuando como agentes multiplicadores. No que depender delas, este plano será muito bem-sucedido. "Nós sentimos que temos responsabilidade, temos muito o que falar e fazer", diz Luana. As meninas na verdade já são – espontaneamente - multiplicadoras do projeto. "Elas levam conhecimento para as suas famílias, como, por exemplo, a necessidade de higiene coletiva e de não jogar lixo nas ruas. E também já estão dando aulas nas ruas e montando grupos na escola", acrescenta Waldemir.

O grupo "Adolescentes um passo à frente" é o eixo do Caixa de Surpresa, mas os meninos também não ficam de fora. Meninos de 5 a 11 anos participam de aulas de pintura e desenho, e com temas que abordam paternidade e violência. Nesse caso, o objetivo é tentar desconstruir conceitos machistas e prevenir a violência do menino no futuro. Existe também o Grupo de mães e amigas do Caixa de Surpresa, que envolve as famílias das crianças e adolescentes atendidos, e estimula a reflexão da comunidade. Através de uma rede de amigos, a experiência do Caixa de Surpresa, em Nova Aliança, é aplicada também em outras comunidades.

Waldemir afirma que o trabalho do projeto não é ensinar, e, sim, canalizar o potencial que as meninas já têm. "Eu percebo que elas estão tendo mais clareza e vêem que a maior violência é o descaso social." Michele Geane, de 14 anos, é uma das que têm essa percepção. "Muitos amigos e pessoas mais próximas aqui da comunidade vêem problemas na rua (tráfico, violência, prostituição...) e acham normal. As pessoas não têm vontade de lutar para mudar isso. Se tivessem a oportunidade que a gente tem aqui no grupo, veriam que podemos lutar, sim", diz.


Mariana Loiola

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