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Um novo pai em gestação

Autor original: Fausto Rêgo

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Ao falar sobre mais uma edição da campanha “Paternidade é desejo, é direito, é compromisso”, o psicólogo Jorge Lyra, coordenador do Instituto Papai, retrata de forma interessante a ausência de um cuidado maior com a questão da paternidade na adolescência. Ao lembrar a imagem do pai no momento do parto, sozinho, nos corredores da maternidade, descreve-a como uma “espera de ninguém”, pois todas as atenções estão voltadas para a maternidade.

Reivindicar políticas públicas específicas para jovens pais tem sido a luta travada há seis anos pelo Instituto Papai, com especial ênfase nos meses de agosto e setembro, em Recife e outras cidades da região metropolitana da capital – não por acaso: é nesse período que a mídia passa a enaltecer a figura paterna, por ocasião do Dia dos Pais. A campanha é realizada em parceria com o Ministério Público de Pernambuco, a Associação Pernambucana de Mães Solteiras (Apemas), o Movimento de Adolescentes Brasileiros (MAB), a Articulação de Jovens do Nordeste, o Fórum de Mulheres de Pernambuco e a Sinos Organização.

Para marcar o início das atividades, um ato público foi organizado neste dia 8 de agosto, na Praça da República, onde se localizam o Palácio do Campo das Princesas (sede do governo do estado) e o Tribunal de Justiça. Foram distribuídos aos políticos e à população exemplares do boletim “Paternidade: uma agenda política”, editado pelo instituto. A programação inclui uma série de atividades e eventos, entre eles o lançamento do vídeo “Estou grávido! Com a voz, o jovem pai”, que revela a vivência da paternidade por um grupo de jovens de Recife, São Paulo e Rio de Janeiro.

Nesta entrevista, Jorge Lyra afirma que há uma negligência da própria sociedade em considerar a participação do homem na vida reprodutiva. Não se pergunta a ele sobre seu desejo de ser pai, nem lhe é facultado o acesso a informações sobre direitos e compromissos da paternidade. “Na verdade”, constata, “é difícil pensar em uma agenda de direitos quando se pensa na figura do pai”.


 

Rets - A campanha "Pai: direitos, desejos e compromissos" chega ao seu sexto ano consecutivo. O que se pode falar em termos de repercussão e resultados desse trabalho?


Jorge Lyra - Esse trabalho teve início, na verdade, desde 1994, a partir das pesquisas de mestrado que desenvolvi sobre paternidade na adolescência, bem como sobre a pesquisa sobre a imagem masculina na TV, realizada por Benedito Medrado, também coordenador do Instituto Papai, em que se percebia a falta de atenção ao problema da paternidade na adolescência e também dos homens e das masculinidades a partir de um olhar de gênero. No caso dos pais, atualmente a gente já começa a perceber a existência desses jovens pais e os elementos associados a essa questão com novos elementos, entre eles a idéia do desejo, do compromisso e do direito. Não se trata de restringir a concepção de paternidade ao mero reconhecimento dos filhos, do teste de DNA ou à figura do provedor financeiro, tampouco à idéia de que o pai é aquela figura que impõe a ordem, o limite, que as pessoas chegam e dizem: "Não faz isso senão eu chamo seu pai!". A novidade deste ano é trazer essa discussão ao plano das políticas públicas, é elaborar e amadurecer essa agenda política, a partir do trabalho direto com os pais que a gente vem desenvolvendo. Em busca de políticas públicas que considerem o homem como um personagem ativo no processo de desenvolvimento dos filhos.


 


Rets - Mesmo com as várias conquistas da mulher ao longo das últimas décadas, permaneceu durante muito tempo o conceito de que as tarefas do lar e o cuidado com os filhos eram deveres dela. A socióloga Rosiska Darcy Oliveira propõe uma "reengenharia do tempo" para a mulher, uma vez que ela teria caído numa espécie de armadilha ao conquistar o direito de trabalhar fora, ter uma vida financeira independente, mas, ainda assim, manter as atribuições domésticas. Já se percebe de fato uma mudança de comportamento nos homens em relação à paternidade?


Jorge Lyra - Eu sempre gosto de chamar atenção para o fato de que a gente não pode falar de maneira generalizada que os homens estão se transformando. Alguns homens, sim, estão participando mais, contribuindo com as tarefas domésticas, participando de forma mais presente da educação dos filhos. Mas há, de outro lado, homens que não dividem essa preocupação, que nem têm essa preocupação. Quando a gente chega aos hospitais, nas salas de espera das maternidades, muitas vezes vê o homem sozinho, aguardando a consulta do pré-natal e, ás vezes, o parto. Eles se encontram numa situação que a gente  chama de estar na sala de espera “à espera de ninguém”. Pois não temos ainda nenhum serviço voltado para os homens e os pais. É difícil ter noção de quantos homens são alvo de investimentos nas questões de paternidade, não existem políticas públicas voltadas pra isso.


Concordo com a Rosiska em relação à sobrecarga exercida sobre as mulheres, porque ainda é muito menor o número de homens que realizam essas funções. Ao mesmo tempo, a gente percebe também uma legitimação dessa ausência de responsabilização pela paternidade por parte do Estado, pelas instituições, que não garantem serviços específicos para o apoio aos pais. Quais são as atividades concretas que favorecem a sua participação? E nós, assim como outras organizações, temos tentado agir nesse sentido, procurando influenciar na elaboração e implementação de políticas públicas. Não se trata de alguma coisa do tipo "saúde do homem", de criar um novo campo, mas sim de maximizar as estruturas já existentes. Por que, por exemplo, não dedicar um espaço específico para o homem no atendimento do pré-natal? Uma fábrica que tenha maioria de homens, ter creche? A licença-paternidade ser ampliada, entre outras. É uma série de aspectos que precisam ser levados em conta, e tudo isso diz respeito à cidadania.


 


Rets -  Mas de que forma vocês concebem essa assistência à paternidade?


Jorge Lyra - Como temos uma formação na área de Psicologia, a assistência se inicia através de trabalhos em grupo ou de forma individual, mas não é psicoterapia e sim aconselhamento e orientação. Na abordagem que fazemos nos hospitais, a gente conversa com os homens que estão nos corredores, nas salas de espera, e convida a participar. Nós formamos grupos que discutem métodos contraceptivos, paternidade, educação, emprego etc.


Atualmente, temos pensado muito em questões mais amplas que também podem ser oferecidas aos pais, pensado em políticas estruturantes, ao invés de políticas compensatórias. Por exemplo: tem alguma questão específica sendo pensada para famílias constituídas por adolescentes? E quando falamos do programa Primeiro Emprego, do Fome Zero, das políticas para eliminação da discriminação racial e étnica? Enfim, de tudo que está sendo pensado por esse novo governo para atender a população, está sendo pensado algo para os jovens, principalmente quando engravidam, se tornam pais e mães? Na minha opinião, deve ser mais do que falar da prevenção da gravidez na adolescência, até porque não é uma doença! A gente tem interesse em descobrir o que pode fazer para minimizar as dificuldades desses jovens quando eles já são pais e mães. Perante a lei, eles têm uma autonomia relativa. Então o que a Justiça pode fazer para contribuir com a vida deles? Quem trabalha no mercado informal, fazendo biscates, por exemplo, como vai poder tirar a licença-paternidade? Na verdade, é difícil pensar em uma agenda de direitos quando se pensa na figura do pai. O homem, nas relações de gênero, não é pensado como um sujeito do Direito.



Rets - E quem são esses homens? Como eles reagem a essa abordagem?


Jorge Lyra - Se analisarmos os jovens com quem trabalhamos, são predominantemente pobres e principalmente negros. Com isto não estamos dizendo que a paternidade, a maternidade e a gravidez na adolescência são prerrogativas dos pobres e negros. Mas não tem como não enxergarmos essa realidade. Nós temos tido um cuidado muito grande com essa discussão no Papai e junto aos jovens. A gente tem cruzado os dados de gênero e idade, ou geração, e raça, fazendo um recorte de todas essas informações para estruturar uma análise mais complexa, mais rica.


No trabalho direto com os jovens pais, eu teria inúmeras histórias para contar, mas, só para dar um exemplo de como eles se sentem estranhos no serviço de saúde: quando a gente faz o contato, quando a gente convida para os grupos, às vezes eles tomam um susto. Teve um, certa vez, numa sala de espera de hospital, que disse: "Não é pra eu estar aqui, não?". E a gente diz: "Claro! Sim! Venha, participe do grupo!”.


 


Rets - Hoje em dia, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, é comum ver homens passeando sozinhos com os filhos, participando de forma mais ativa na sua educação. Esse é apenas um fenômeno dos grandes centros urbanos?


Jorge Lyra - Acho que é geral. O que se tem como norma cultural no caso da zona rural é a figura do homem "sério", do “homem de bem” que assume a paternidade. Essa assunção não necessariamente passa pela imagem midiática, que eu ironizo que é comercial de margarina, com todos felizes em volta da mesa, geralmente uma família nuclear com no máximo dois filhos. O que encontramos na zona rural é uma postura que passa pela questão da honra, de assumir suas responsabilidades, em que ainda é muito forte o conceito do provedor financeiro. Por outro lado, a mídia abre possibilidades de chegar à imagem de um homem, um pai mais participativo em todos os lugares. E a gente começa a conhecer histórias de outros lugares, de cidades do interior, de homens que querem acompanhar os filhos, ter acesso a eles, e não conseguem.


 


Rets - Em relação à paternidade, o novo Código Civil acompanhou as transformações ocorridas nas relações de gênero?


Jorge Lyra - Na concepção de família e guarda, sim. A família é pensada no espaço das relações. Mas não houve menção às famílias homossexuais. Há, naturalmente, a jurisprudência criada pelo caso da Cássia Eller, que foi uma mãe lésbica, que nos dá um grande artifício jurídico para lutar em relação a isso, e a gente vai estudar uma forma de intervenção nesse sentido. Na questão da guarda, ocorre uma mudança no que diz respeito à preferência, em princípio, para as mães. Por outro lado, o Código não fala da guarda compartilhada, que não é exercida primordialmente pelo pai ou pela mãe. Nesse ponto, existe de fato um avanço, mas o Código não chega a contemplar diretamente a questão dos homens ou da negociação. É uma questão que irá depender muito do que o juiz pensa, e a idéia comum ainda é de que a guarda deve ser entregue à mulher, à mãe. A mãe é, sempre e por princípio a melhor cuidadora.


 


Rets - E de que forma vocês têm procurado abordar o exercício da paternidade nas relações homossexuais?


Jorge Lyra - A gente colocou um item no documento que fala sobre pais homossexuais na agenda política sobre a paternidade e incluiu essa discussão na cartilha que foi produzida em parceria com a Confederação Nacional dos Bancários, chamada "Relações compartilhadas", em 2001. É um item que está na pauta das discussões e queremos começar a debater de forma mais intensa. É outra norma cultural muito forte que diz que reprodução não é uma questão para os homossexuais, que eles não podem ter filhos ou ser pais. Infelizmente, não existe nenhum dispositivo legal que assegure direitos ao pai homossexual ou aos homens homossexuais que desejem adotar uma criança. Muitos são os casos em que esses direitos são negados em função de preconceitos e discriminação. Hoje, muitos homossexuais desejam ter e educar filhos e este ainda é um tema controverso em nossa cultura. Nem mesmo o novo Código Civil conseguiu acompanhar as transformações em nossa sociedade, que, progressivamente, passa a ver homossexuais como sujeitos de Direito.


Fausto Rêgo

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