“O sentido histórico da sociedade civil organizada só virá quando provamos a que viemos”. A frase da diretora executiva da Associação Brasileira de Organizações (Abong), Vera Masagão, é emblemática para entender o contexto atual do campo social no Brasil. Convidada a participar do debate O papel das organizações sociais nas políticas das cidades, no último dia 29, promovido pela Fundação Tide Setubal, ela e outros pares discutiram a cena do movimento social brasileiro. Além de Vera Masagão, o encontro também contou com a participação da presidente dos Conselhos da Fundação e do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), Maria Alice Setubal, do secretário-geral do GIFE, Fernando Rossetti, e do celebrado arquiteto e urbanista, Francisco Whitaker. Todos, ali, reunidos também para o lançamento do livro “Fundação Tide Setubal: Identidades Territoriais e Comunidade Local. Uma história de pensar e fazer junto”. Mesmo retirada de seu contexto, a frase de Vera leva a considerações oportunas sobre a legitimidade do chamado terceiro setor. Sabendo que as organizações sociais devem, impreterivelmente, se ater a quesitos como transparência, boa governança, estar a serviço do bem comum e avaliação desde sua criação, as discussões, durante o debate, se centraram na importância política que elas conjuntamente possuem.A começar por dados de contexto, como os apresentados por Fernando Rossetti: logo após a nova constituição (1988) até os anos de 2002, o número de organizações social triplicou, chegando a 338 mil (dados Fasfil). Esse “boom” não apenas fortaleceu a assistência social, mas também a movimentação pela defesa de direitos no Brasil (que corresponde a 18% desse montante).No entanto, na visão dos participantes do evento, apesar do crescimento, a sociedade civil organizada ainda precisa fortalecer a sua atuação política. Isso porque a população perde cada vez mais espaço nesse âmbito, devido a um esvaziamento das responsabilidade de grande parte de sindicatos, tal como de partidos políticos, cujas preocupação e decisões são pouco pautadas no espírito público ou no que é interesse do país. Na opinião de Masagão e Whitaker, o campo social pode assumir esse papel, em especial por sua diversidade e capacidade de cooperação e trabalho em rede. O urbanista deu como exemplo o Fórum Social Mundial, que ajudou a fundar. Segundo ele, o que permite o evento continuar (começou em 2001) é o permanente contato e trocas que as mais diferentes organizações e ativista que compõe o movimento possuem. Para fortalecer a sociedade civil organizada brasileira para uma ampla atuação política, é preciso antes estimular a diversidade de investidores do país. Foi o que apostou Fernando Rossetti, ao apresentar a síntese da Visão para o Investimento Social Privado para 2020, no Brasil. “Ele foi elaborado de forma participativa, não apenas com associados à Rede GIFE, mas também com organizações sociais convidadas a fazer parte dos quatro encontros que fundamentaram todo o material”, explicou. O documento, segundo o secretário-geral, ambiciona para a próxima década um setor relevante e legítimo, abrangendo diversos temas, regiões e públicos, formado por um conjunto sustentável e diversificado de investidores. Como ações prioritárias, o documento defende, por exemplo, incidir no marco regulatório no terceiro setor. “A legislação brasileira não incentiva a criação dessas formas de filantropia. Pelo contrário, além de toda a burocracia, taxam sua criação”, lembrou Rossetti. Livro e ComemoraçãoNo mesmo dia, a fundação comemorou também os cinco anos de atuação em São Miguel Paulista, em São Paulo, com lançamento do livro “Fundação Tide Setubal: Identidades Territoriais e Comunidade Local. Uma história de pensar e fazer junto”, que apresenta desafios, conquistas e aprendizados acumulados na trajetória em prol do desenvolvimento sustentável da região."Nas páginas do livro, é relatamos como essas relações foram se estabelecendo em um caminho que buscou apoiar o presente, sem deixar de lado histórias e referências da memória local. Não temos nenhuma pretensão de apresentar uma fórmula pronta, até porque, quando acreditamos em ações compartilhadas, em fazer com a comunidade, isso é impossível. Nosso desejo é o de compartilhar nossas experiências para inspirar outras iniciativas", conta, na abertura do livro, Maria Alice Setubal, presidente do conselho da Fundação Tide Setubal.Dividida em três capítulos, a publicação resgata a história do bairro da zona Leste paulistana, e a inspiração para a criação da entidade, apresenta sua trajetória e analisa desafios e conquistas. Desde 2005, a Fundação desenvolve programas e projetos de educação, cultura, esporte, lazer e geração de renda com foco na juventude, na família e na comunidade, buscando dialogar com as políticas públicas. Mais de 12 mil pessoas já participaram dessas atividades. Também é intensa a programação cultural promovida pela Fundação, que envolveu, desde 2006, cerca de 100 mil pessoas em eventos abertos e gratuitos, como Encontro de Cultura Caipira, Festival do Livro, Encontro de Cultura Hip Hop. Outra frente de atuação são ações de mobilização e de articulação, nascidas das demandas da população local, com o intuito de incentivar a participação e aproximar comunidade e poder público visando a melhoria da qualidade de vida. No Fórum Permanente dos Moradores do Jd. Lapenna, União de VilaLições aprendidasA finalidade da publicação, que conta com depoimentos de moradores e fotografias atuais e históricas do bairro, é sobretudo dividir as lições aprendidas nos cinco anos em São Miguel.Resumidamente, alguns aprendizados neste percurso são:• Construção de vínculos de confiança - escuta e respeito como alicerces de uma trajetória: no início dos trabalhos no território, no contato direto com adultos e jovens em situação de vulnerabilidade, a palavra respeito foi encontrada em todos os depoimentos, dado que revela a importância da construção de relações próximas, baseadas na escuta, no diálogo e na atitude respeitosa.• Transparência, prestação de contas e apartidarismo, diferenciais na ação da Fundação na comunidade: todas as ações são divulgadas a todo público de forma transparente, mostrando à comunidade um modo de agir mais democrático. Para estabelecer a confiança local, abrir espaços de diálogo e possibilidades de ações conjuntas, também foi importante assumir uma posição apartidária, mas sem abrir mão do papel político no território.• Aprendizados sistematizados e saberes compartilhados: a sistematização permite a reflexão sobre o fazer. Em cinco anos, foram 10 livros publicados sobre os diferentes projetos. Sua disseminação contribui para a criação de uma rede de conhecimentos no território, catalisando novas ações.• Parcerias, mediação e articulação de ações e políticas no território: sem parcerias na execução de projetos, seja com ONGs locais ou poder público, não há empoderamento da comunidade, nem desenvolvimento local. É igualmente fundamental articular poder público e comunidade, exercendo um papel de mediação nesse processo de busca da garantia dos direitos da população. Além da importância da participação popular, nessa tarefa, a lição aprendida é a necessidade de acompanhamento, de persistência e de cobrança contínua para garantir a vontade da comunidade.Por: Rodrigo Zavala, editor de Conteúdo do GIFE.Fonte: GIFE, http://www.gife.org.br/artigo-sociedade-civil-precisa-fortalecer-sua-atuacao-politica-14187.asp
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