Você está aqui

Mais saúde na floresta

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Novidades do Terceiro Setor






“Todo mundo diz que a água é fonte de vida, mas em casos extremos ela pode ser também de morte”. A frase é de Jair Resende, coordenador executivo de projetos da organização Saúde e Alegria, que lançou na última semana o projeto Saúde na Floresta, cujo objetivo é melhorar as condições de saneamento de comunidades ribeirinhas da Amazônia ao mesmo tempo em que estimula iniciativas de comunicação comunitária.


Serão beneficiadas 143 comunidades, onde moram aproximadamente 29 mil pessoas, espalhadas pela floresta nacional de Tapajós, reserva extrativista de Tapajós/Arapiuns e áreas de entorno, mais precisamente nos municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, na região do Baixo Amazonas, no leste do Pará, a mais de 800 quilômetros de Belém. Todas possuem altos índices de doenças como cólera, hepatite e verminoses, provocadas pela má qualidade da água e condições de saneamento ruins. “A bacia amazônica é a maior do mundo, mas isso não significa que suas águas sejam limpas”, lembra Resende.

Em cada localidade, o projeto será implantado com a ajuda de entidades locais. Na floresta de Tapajós, conta com o apoio do Ibama, das prefeituras e dos sindicatos dos trabalhadores rurais de Belterra e Aveiro. Na reserva extrativista Tapajós/Arapiuns, a associação intercomunitária Tapajoara, CNPT (Conselho Nacional de Populações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentável)/Ibama, Conselho Nacional de Seringueiros (CNS) e secretarias municipais de Saúde e de Agricultura de Santarém serão parceiras. Nas áreas de entorno, a colaboração é do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e as secretarias de Saúde e de Agricultura de Santarém. O financiamento, de R$ 2,4 milhões, é do BNDES e será aplicado até 2008.

O Saúde na Floresta nada mais é do que a ampliação das atividades do Saúde e Alegria. Porém, com nova forma de ação, mais direcionada para as relações com associações comunitárias e intercomunitárias, que são empoderadas e fortalecidas politicamente nesse processo. Os R$ 2,4 milhões de custo do projeto podem parecer muito, mas Jair Resende garante que o custo per capita não ultrapassa R$ 17,28 por ano. Um ótimo investimento que pode se tornar modelo para futuros financiamentos do banco.

Contaminação da água como principal problema







Muitas comunidades não possuem sanitários, que, quando existem, são pequenas casas de madeira. Encanamentos, nem pensar. Acabam convivendo com a sujeira que produzem e a que o rio traz, tornando a água usada pelos moradores para beber e de onde tiram peixes – principal fonte de alimentos - imprópria para consumo. A desidratação é a principal conseqüência - uma ironia para uma área banhada por tantos rios.

As primeiras medidas do projeto serão a instalação de mais de 3.600 pedras sanitárias, uma espécie de fossa, e a melhoria da qualidade da água usada para consumo. As pedras serão construídas em mutirão pelos moradores locais, que aproveitarão recursos naturais locais na construção, gerando economia.

Já a água será melhorada com a inauguração de 144 poços semi-artesianos e compra de 4.500 filtros. Além disso, os agentes do Saúde na Floresta irão ensinar os moradores a fazer cloro, elemento exterminador de bactérias e vermes. “Nosso trabalho também é mostrar como prevenir doenças e como encaminhar os doentes na hipótese de elas persistirem”, diz Lise Guimarães, do núcleo de comunicação da organização.

A produção de cloro pode soar complexa a quem não conhece processos químicos, mas é muito simples. Ele é produzido a partir da eletrólise de água com cloreto de sódio. Ou seja, o “choque” do líquido com sal de cozinha. Como algumas comunidades não possuem energia elétrica, ela será produzida por um painel de conversão de energia solar, ligado a uma bateria, por sua vez conectada a uma vasilha com placas de titânio, cuja função é manter o fluxo de eletricidade. Com 300 ml de água mais 30 gramas de sal submetidos a meia hora de eletrólise se produz 300 ml de cloro com concentração de 10% -o suficiente para abastecer uma família de seis pessoas por dois meses. Afinal, para limpar a um litro de água são necessárias apenas duas gotas de cloro. Serão 51 kits de produção.

Com melhor qualidade de saneamento e bebidas, o número de doenças, cujas principais vítimas são crianças, deve diminuir. Isso por si só já é uma grande ajuda, uma vez que tanto medicamentos como atendimentos são difíceis de se conseguir nas localidades. É verdade que há agentes comunitários contratados pelas prefeituras, cuja reciclagem profissional é oferecida pelo Saúde e Alegria, mas eles agem apenas na prevenção - ou seja, não têm condições de prestar atendimento em caso de urgência - e não estão sempre presentes. Algumas localidades possuem auxiliares de enfermagem, mas eles não são médicos aptos a prestar o serviço por completo.

Tratamento

Apesar do Saúde e Alegria sempre estimular o uso de remédios caseiros em seus projetos comunitários por apresentarem bons resultados, muitas vezes eles não são suficientes para curar as enfermidades. A solução fica distante. Os postos de saúde chegam a estar a 20 horas de barco da comunidade, cujos recursos financeiros por vezes são insuficientes para pagar o deslocamento. O mesmo problema enfrentam as campanhas de vacinação, pois os municípios têm dificuldades econômicas que não podem ser esquecidas, lembra Jair Resende. “O repasse é pequeno em relação às características da Amazônia. Vacinar uma criança numa comunidade afastada do Pará é muito mais difícil do que uma favela carioca inteira, pois lá elas estão concentradas numa área pequena. Cinco mil em São Paulo são diferentes de 500 na Amazônia”. Tendo isso em mente, no segundo semestre de 2004 deve começar a funcionar um barco-hospital, também parte do projeto Saúde na Floresta. Com médicos a bordo, além de oferecer tratamento, ele ajudará na comunicação entre as comunidades, assim como as rádios comunitárias que serão instaladas.

Além disso, até 2008, quando termina o projeto, haverá 27 estações locais de rádio. Elas não terão transmissores potentes, mas funcionarão com caixas espalhadas pelas comunidades eletrificadas. Até o momento, seis já possuem programação, em sua maioria feita por jovens. A participação da juventude se deve à atração dessa população etária por meios de comunicação e pela dificuldade de se lidar com ela.

Os conteúdos levantam questões relacionadas ao local e afirmam a cultura da região. A primeira localidade a receber kit de rádio comunitária - composto de toca-fitas, antena e CD player - é a de Pedreira, em Belterra, com 12 mil habitantes, que já possuía experiência de produção por causa da rádio do município ao lado.

Além disso, será montada uma rede de rádios amadores unindo sindicatos, associações de moradores e outras organizações sociais. Até outubro, 105 comunidades receberão os aparelhos, com alcance de até 450 quilômetros. Assim poderão trocar informações e aumentar os laços comunitários.

Para se aproximar de moradores pouco acostumadas a pessoas de fora de suas comunidades, os integrantes do Saúde e Alegria empregam a metodologia do Circo Mocorongo. Este é outro projeto da organização, que usa técnicas circenses como linguagem na apresentação de seus projetos. Todos os seus integrantes precisam ter aulas de circo e se transformam em palhaços e atores quando chegam a um local para apresentar suas idéias. “É uma marca registrada da organização”, diz Kiki Mori, assessora de comunicação do Saúde e Alegria. No Saúde na Floresta, o contato não será muito intenso devido à quantidade de comunidades, mas, mesmo assim, os agentes comunitários já passaram por treinamento.

Porém, nas localidades em que ocorrem apresentações, o cotidiano dos ribeirinhos é transformado em esquetes bem-humoradas, aproveitando para abordar lições de cidadania e higiene. As visitas dos agentes duram em média dois dias e é no segundo que acontecem as apresentações, ensaiadas durante o dia com alguns moradores e feitas pouco antes da despedida. A interação facilita o contato e gera mais confiança em moradores ressabiados. “As crianças vêem o palhaço, dão risada e nos dias seguintes sempre se lembram da mensagem”, resume Mori.

Marcelo Medeiros

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer