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Todos contra a fome

Autor original: Fausto Rêgo

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Ricardo Giraldez
Nem doação de alimentos, nem ações de cunho meramente assistencialista. O foco dos investimentos da recém-criada Associação de Apoio a Políticas de Segurança Alimentar – ou, simplesmente Apoio Fome Zero – estará no incentivo a projetos que criem condições para o desenvolvimento sustentável das comunidades em situação de insegurança alimentar. A entidade é o resultado da união de um grupo de empresários que pretende apoiar parcerias entre o setor privado e a sociedade civil, em sintonia com as diretrizes do Programa Fome Zero – através do qual o governo federal se propõe a erradicar o problema da fome no país.

Dono de uma das maiores empresas brasileiras de auditoria e consultoria, Antoninho Marmo Trevisan dedicou-se ao desafio de assumir o cargo de presidente executivo da associação – que conta com mais de cem empresários como sócios-fundadores e tem a primeira-dama do país, Marisa Letícia Lula da Silva, como presidente de honra. Nesta entrevista, ele fala sobre os planos da organização e como empresas e sociedade civil podem desenvolver um trabalho conjunto de combate à fome.

Conselheiro da RITS, Trevisan é também co-autor da cartilha “O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil”, lançada em parceria com o Instituto Ethos e a organização Transparência Brasil. E essa preocupação também norteia as ações da Apoio Fome Zero, que já assinou um termo de cooperação com o Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo para iniciar no estado o trabalho de mobilização da categoria para evitar o desvio de recursos públicos. O passo seguinte será obter o apoio do Conselho Federal para estender a campanha a todo o país. “Educação e mobilização social”, afirma, “são fundamentais para que cada vez menos dinheiro público, especialmente aquele destinado a comida e medicamentos, seja desviado”.

Rets - Os empresários poderiam atuar diretamente em colaboração com o governo ou fazendo doações. Por que é importante manter uma organização especificamente para apoiar o programa Fome Zero?

Antoninho Trevisan - A Apoio Fome Zero nasce para apoiar o programa federal, mas não se limitará a isso. Toda iniciativa ou projeto que promova a segurança alimentar da população, seja por meio da geração de emprego ou renda, seja pela melhoria do padrão de educação e saúde da comunidade, poderá ser apoiada pela ONG. A importância da Apoio Fome Zero é de complementar e multiplicar, com os recursos da iniciativa privada, as ações realizadas pelo governo federal.

Rets - Como é feita a articulação com o programa? E o que já está sendo posto em prática?

Antoninho Trevisan - O Programa Fome Zero trabalha com ações locais, específicas e estruturais. Ações locais são, por exemplo, a construção de restaurantes populares e de banco de alimentos, ou prover de assistência técnica municípios cujas famílias dependam muito da produção agrícola local. Ações específicas são aquelas implementadas em caráter emergencial para enfrentar a insegurança alimentar de segmentos da sociedade. O Programa Cartão Alimentação é um exemplo. E as políticas estruturais são as ações voltadas para o combate às causas mais profundas da pobreza, como o plano de construção de um milhão de cisternas e o plano de incentivo à agricultura familiar, que conta com a abertura de linhas de crédito para os pequenos produtores. Todas essas ações já estão sendo postas em prática e seus resultados começam a ser aferidos. A Apoio Fome Zero segue este plano de trabalho do Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar para desenvolver suas próprias atividades e projetos.

Rets - Como o empresariado tem reagido à preocupação do governo com o problema da fome? Em vez de ações temporárias, não seria mais interessante que se realizassem iniciativas de segurança alimentar e apoio aos próprios funcionários e suas famílias?

Antoninho Trevisan - Sem dúvida. Os mais de cem empresários associados à Apoio Fome Zero estão interessados em participar e investir em projetos de inclusão social que promovam o desenvolvimento auto-sustentável das comunidades. A Apoio Fome Zero pretende articular projetos entre empresas e ONGs especializadas nos quais o foco está em melhorar a educação e a saúde para que os municípios possam ter novas oportunidades de emprego e renda.

Rets - Está prevista a continuidade do trabalho da associação ou ela tem sua duração atrelada à do programa?

Antoninho Trevisan - A associação não está atrelada ao programa Fome Zero quanto à sua duração. Ao contrário, a Apoio Fome Zero é uma organização não-governamental e apartidária e sua atuação está exclusivamente ligada ao combate à miséria e à promoção da segurança alimentar.

Rets - A doação de alimentos não é o único aspecto do combate à fome e da garantia de segurança alimentar. Isso tem a ver também com inclusão social, emprego e renda. A Associação Fome Zero está atenta a isso? Vai estimular ou implementar programas mais amplos?

Antoninho Trevisan - A doação de alimentos não está no cerne dos projetos que devem ser articulados, promovidos ou geridos pela Apoio Fome Zero. As ações da ONG deverão resultar na implementação de projetos que alterem de maneira conseqüente a realidade das comunidades mais vulneráveis do país, seja no meio rural, seja nos pequenos municípios ou na periferia das grandes cidades. O primeiro projeto que a Apoio Fome Zero deve encampar, por exemplo, trata de assegurar a qualidade e a quantidade adequadas da merenda escolar na rede pública de ensino. Para isso é necessário mobilizar as organizações sociais, desde as merendeiras até as associações de pais e mestres, para que todos estejam atentos ao problema. O primeiro passo nessa mobilização foi a assinatura de um acordo de cooperação entre a AFZ e o Conselho Regional de Contabilidade de São Paulo, que vai articular seu corpo de 92 mil contadores no estado para acompanhar a aplicação das verbas dos orçamentos municipais carimbadas para as merendas das escolas.

Rets - Como o senhor vê a possibilidade de as estruturas e atividades do Fome Zero poderem ser ampliadas e articuladas com outros programas, governamentais ou não? Os postos locais do Fome Zero, por exemplo, poderiam ser usados para implementação de outros programas de promoção da cidadania (há um projeto de implantação de telecentros, por exemplo). O senhor concorda? Além disso, como a iniciativa privada e o terceiro setor podem contribuir para isso?

Antoninho Trevisan - A Apoio Fome Zero vai trabalhar em parceria com ONGs especializadas que conheçam as oportunidades e necessidades de ação específicas e que possam implementar, junto com o poder público local, a iniciativa privada e outras entidades civis, os projetos adequados a determinada realidade. A parceria entre a Febraban e a ONG Articulação pelo Semi-árido (ASA) na construção de cisternas é um exemplo de como esse tipo de ação é viável.

Rets - A corrupção é, certamente, outra dificuldade para o melhor aproveitamento dos recursos no país. De que maneira a associação pretende enfrentar esse problema?

Antoninho Trevisan - O projeto de garantia da qualidade e da quantidade da merenda escolar é o que estamos desenvolvendo aqui na ONG para combater a corrupção e, conseqüentemente, assegurar um melhor nível de alimentação às crianças. Porque o que a cartilha demonstra é que o problema, muitas vezes, não é falta de recursos, mas a prática crônica de desvios que atinge o abastecimento da rede pública de ensino.

Rets - E o que mais falta para que o combate à corrupção seja efetivo?

Antoninho Trevisan - Educação e mobilização social são fundamentais para que cada vez menos dinheiro público, especialmente aquele destinado a comida e medicamentos, seja desviado. A educação é fundamental para que as pessoas tenham mais critério e responsabilidade na gestão dos recursos. E a mobilização, para que a sociedade possa coibir e levar à Justiça os casos em que a corrupção está provada.

Rets - Que análise o senhor faz desses primeiros meses de governo e da pressão por mudanças mais rápidas que vem sendo exercida por alguns setores do movimento social?

Antoninho Trevisan - As pressões sociais são legítimas e fazem parte do processo natural de transformação do país. O que não se faz é mudança por decreto. O governo concentrou-se, nesse primeiro semestre, em garantir a estabilidade econômica e obteve sucesso. A aprovação da reforma da Previdência foi fundamental para ampliar a estabilidade e promover as condições que levem o Brasil rumo ao crescimento econômico e à distribuição efetiva de riqueza.

Fausto Rêgo

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