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Esperança que brota da terra

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Numa região onde é difícil viver, um pequeno projeto semeia melhores perspectivas no distrito de Serra da Cruz, na cidade de Pesqueira, localizada no agreste pernambucano. O Plantando Esperança, realizado pelo Centro Diocesano de Apoio ao Pequeno Produtor (Cedapp), pretende fazer sementes de cidadania florescerem nos moradores daquela localidade e assim proporcionar uma melhor vida, ao atacar a seca e estimular a geração de renda e alimentos.


Com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,636, Pesqueira, localizada a 214 Km de Recife, não chega a ser uma das cidades mais pobres de Pernambuco, mas fica abaixo da média nacional de 0,757. O distrito de Serra da Cruz, se isolado, teria índices ainda menores. Lá moram apenas 300 famílias, cujas principais fontes de renda são o trabalho em fazendas próximas, a aposentadoria dos mais velhos – um luxo para os padrões locais - e a agricultura familiar em pequenas propriedades. As plantações, porém, sofrem muito com a falta de chuvas, típica da região. Das casas, a maioria feita de palha e barro, 95% não possuem banheiro. Em alguns casos, quando existe sanitário, é com certo esforço que ele é assim chamado, pois são meros buracos no chão. “Tomar banho de chuveiro já virou sonho. É um desafio viver por lá”, diz Lourdes Maria, técnica do Cedapp. São esses problemas que o projeto procura solucionar.

A água levada para a região por caminhões-pipa abastece principalmente grandes propriedades, deixando os pequenos agricultores sujeitos ao jogo político de promessas quanto ao fim do problema. Muitas juras já foram feitas, assim como planos para acabar com a seca, mas nenhuma resolveu. Segundo Lourdes Maria, a estratégia utilizada é errada, pois a falta de chuva não irá acabar. “Combater a seca é como combater a geada, mas ninguém fala em pôr fim ao frio do sul do país. É preciso aprender a conviver com as condições naturais sem ser manipulado politicamente”.

Com recursos da Brazil Foundation, pela qual foi selecionado em concurso, o projeto irá construir cisternas de placas para 22 famílias a partir de setembro. A pequena obra, que será feita pelos próprios moradores, irá armazenar a água da chuva durante todo o ano. São feitas calhas nos telhados para canalizar o líquido até a cisterna. Segundo cálculos do Cedapp, com a precipitação da região, é possível armazenar nas cisternas 16 mil litros -o suficiente para oito pessoas durante dez meses.

O Plantando Esperança prevê também a doação de animais resistentes à seca para as famílias terem fontes constantes de alimentos. Um veterinário do Cedapp irá acompanhar as criações a fim de melhorar o rendimento da produção e evitar que ela se perca em pouco tempo. Cada família receberá 50 pintos e ração para seis meses, o que irá proporcionar em pouco tempo ovos e carne. Além disso, irão ganhar cabras, cujo leite pode satisfazer às crianças e produzir laticínios. “Elas são melhores do que vacas por comerem e beberem menos”, diz Maria Elisabete Martins, coordenadora pedagógica do Cedapp. Ainda está sendo discutido se os animais serão criados coletivamente ou se cada família terá suas cabras com visitas periódicas de um macho reprodutor. O motivo da dúvida é a distância entre as residências.

A esperança é que esses itens possam ser comercializados em Pesqueira ou outras cidades maiores. Um selo está sendo elaborado para ser afixado nos produtos e assim atrair consumidores sensíveis a causas sociais. Por intermédio da Brazil Foundation, estão sendo articulados contatos com comerciantes no exterior para a venda de parte da produção.


Educação e organização comunitária







Além do veterinário, o Cedapp irá deslocar um educador e um técnico agrícola para a comunidade. O técnico irá ajudar os agricultores a cuidarem de suas plantações, castigadas pela seca, mas que podem ser colhidas se tratadas adequadamente. Uma das culturas subaproveitadas é a do caju. Quando os frutos estão maduros, a carne e a castanha são aproveitadas imediatamente. É possível, entretanto, fazer doces para serem vendidos ou consumidos mais tarde, suavizando a falta de alimentos e dinheiro em épocas de seca.

Já o educador irá fortalecer a organização e o associativismo da localidade, que já são fortes, por meio de oficinas. A Associação Comunitária dos Agricultores de Serra da Cruz possui 35 famílias associadas. Foram elas que decidiram quais seriam as beneficiadas do projeto segundo critérios de número de filhos, maior necessidade e participação na associação. E todas aceitaram sem reclamar.

Cada vez mais ela está ativa. No ano passado, a entidade conseguiu que seu presidente fizesse parte da comissão de um programa de assistência a agricultura, conquista que no futuro pode render benefícios atualmente distantes no distrito. O programa, em suas edições anteriores, não chegou ao distrito, mas agora a expectativa é outra.

Outro objetivo do projeto é manter a população no local. “Os jovens, principalmente, ainda sonham em ir para São Paulo ou Rio”, diz Lourdes Viana. A idéia de paraíso dessas cidades permanece no imaginário, mesmo com as insistências de integrantes do Cedapp sobre a realidade. Com mais opções de trabalho e geração de renda, a permanência dos moradores é mais provável, numa localidade onde o abandono de mulheres no campo é comum. Por isso o foco é nelas e seus talentos. A região de Pesqueira possui tradição de costura de renda renascença (estilo típico do local) e  fabricação de bonecos de barro. Essas produções artesanais são estimuladas, para serem vendidas em cidades maiores.

O Cedapp possui ainda um programa de rádio semanal de meia hora, com conteúdo religioso e informações técnicas sobre plantação e discussões sobre a política local. Os moradores sempre são convidados a participar.

O Plantando Esperança possui prazo de execução de um ano, tempo suficiente, segundo seus planejadores, para dar frutos. Esperam somente que, como na natureza, os resultados não só germinem, mas também gerem mais sementes, fazendo, assim, com que a seca não seja empecilho para uma vida digna.

Marcelo Medeiros

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