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É preciso retirar as máscaras

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Artigos de opinião

Kemle Semerene Costa*

A mortalidade materna, sensível indicador de desigualdades sociais, em função dos seus elevados índices, constitui-se em um grave problema de saúde pública no Brasil e demais países em desenvolvimento.

Há muito tem sido pauta de discussão do movimento feminista junto a autoridades, gestores e profissionais da saúde, que vêm debatendo em fóruns nacionais e internacionais, buscando soluções para o problema, considerado "uma tragédia evitável".

Em 1987, na Conferência sobre "Maternidade Segura", em Nairóbi, sua redução foi assumida como compromisso por todos os países em desenvolvimento. Uma das estratégias utilizadas no Brasil foi a criação dos comitês de redução das mortes maternas, que em Goiás aconteceu em 1989. Em Goiânia, em 2002, foi estruturado o Comitê de Morte Materna e Feminina.

Mulheres saudáveis, no auge de suas vidas reprodutivas, morrem, principalmente, em decorrência das síndromes hipertensivas, das hemorragias, das complicações do aborto e das infecções puerperais. As análises destas causas perpassam a discussão sobre o acesso aos serviços de saúde e a qualidade da assistência à saúde da mulher; o preenchimento das declarações de óbito, assim como a notificação das mortes.

Sabe-se que não basta ter acesso ao pré-natal e ao parto; eles precisam ser de qualidade. Sabe-se também que os serviços de planejamento familiar não são acessíveis a boa parte das mulheres e que nenhum método anticoncepcional é 100% eficaz. Resultam daí as gestações não planejadas que, muitas vezes indesejadas, terminam em aborto provocado e morte materna. Geralmente, as reflexões e conclusões de profissionais de saúde que debatem sobre o tema param por aí. Não existe a disponibilidade de concluir o raciocínio, enfrentando a discussão sobre o aborto, admitindo enfim que, por este ser ilegal, constitui-se na terceira causa de morte materna no país e na segunda, em Goiânia.

Crenças e opiniões pessoais têm sido priorizadas nesta discussão, em detrimento do contingente de mulheres que continuam morrendo vítimas de abortos clandestinos. Morrem aquelas que não conseguem pagar por um aborto em condições que preserve suas vidas; morrem até mesmo aquelas que teriam o direito ao aborto previsto em lei, pois não têm acesso a ele.

Esta situação só terá mudanças a partir do momento em que a mortalidade materna passar a ser compreendida numa perspectiva dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Para isso, é fundamental que as pessoas consigam responder para si mesmas por que a questão do aborto incomoda tanto e passem a enfrentá-la sem individualismos e hipocrisias, respeitando as diferenças de valores e opiniões.

É inadmissível que em um fórum sobre mortalidade materna o aborto não seja tema de discussão. É preciso, pois, que as posturas sejam revistas e que cada profissional e cada instituição repense o seu papel. É preciso retirar as máscaras!

*Kemle Semerene Costa é educadora e pesquisadora do Grupo Transas do Corpo (www.transasdocorpo.com.br). Atua nas áreas de saúde reprodutiva, políticas públicas para a mulher e nutrição sob o enfoque de gênero. Este texto foi originalmente publicado na edição de nº 17 do jornal Fazendo Gênero, do Grupo Transas do Corpo.






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