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Ocupações no campo e nas cidades

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original:

Manifesto público em defesa do direito à moradia adequada e à terra para todos os sem-terra e os sem-teto do Brasil!

Enquanto as coisas não vão bem no campo, na cidade elas vão mal.

Os movimentos sociais estão agora unidos pelo trabalho, pela dignidade e pelo amplo e universal acesso e usufruto da cidade e da propriedade, os quais são direitos básicos da cidadania. Estes movimentos representam 50 milhões de pessoas no Brasil.

As entidades, organizações, redes e movimentos abaixo assinados vêm a público reafirmar a necessidade da concretização de uma ampla reforma na estrutura fundiária urbana e rural do Brasil, como condição essencial para a distribuição de renda, o crescimento econômico do país, a geração de empregos, a diminuição da pobreza e a realização da justiça social.

O crescimento econômico e o desenvolvimento social e cultural do Brasil só se realizarão através das reformas agrária e urbana, cuja urgência é imperativa. Desenvolvimento é um amplo processo econômico, social, cultural e político que busca a constante melhoria da qualidade de vida de toda a população e de todos os indivíduos tendo como base sua livre, ativa e significativa participação no desenvolvimento e na justa distribuição dos benefícios daí resultantes.

As elites brasileiras sempre preservaram a concentração da propriedade e refutaram a adoção de uma legislação trabalhista no campo; as secas e o latifúndio foram os grandes limitadores da capacidade de suportar a vida no campo. E assim o êxodo rural se confundiu dramaticamente com a questão agrária. E como um marginal o homem do campo chegou às áreas urbanas sentindo o peso da exclusão social. Nas cidades, a concentração de terras, a especulação imobiliária e a proteção dos territórios de residência dos ricos produziram a imensa cidade ilegal das favelas insalubres, inseguras e irregulares.

A demanda por novas moradias próximas a áreas que podem gerar trabalho e renda e acesso a serviços e equipamentos urbanos é o motor das ocupações que vêm ocorrendo nas cidades, cujo exemplo recente é a ocupação da área da Volkswagen em São Bernardo, estado de São Paulo, e de edifícios centrais desocupados na cidade de São Paulo pelo Movimento dos Sem-Teto.

O Poder Judiciário não pode, neste momento, abster-se de trabalhar para solucionar os conflitos fundiários e contribuir para a promoção das reformas agrária e urbana neste país. De acordo com dados da Central Pastoral da Terra, dos 1.558 assassinatos de pessoas ligadas à luta pela terra nos últimos 14 anos no Brasil, apenas 56 foram levados a julgamento e somente 16 mandantes foram ao banco dos réus. Impunidade e violência são duas faces da mesma moeda que precisam ser enfrentados com distribuição de renda, promoção e proteção dos direitos humanos, seguridade e políticas sociais e democratização da participação na tomada de decisões estratégicas para o país.

A concessão de liminares visando ao despejo forçado de famílias em uma velocidade mil vezes mais rápida do que o julgamento de uma desapropriação ou ação de usucapião consiste em uma grave violação aos direitos humanos perante a Convenção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Comentário Geral nº 4 de 1991 do Comitê DESC das Nações Unidas).

Na zona da mata, fazenda Engenho do Prado, estado de Pernambuco, 300 famílias que ocupavam a área há seis anos foram expulsas de forma degradante de seus barracos. Os proprietários da área são grandes devedores do governo e a área é considerada improdutiva. É a expressão mais recente de antigas violações ao direito humano à terra e à moradia adequada praticada com aval do Poder Judiciário.

A Justiça adequada para tratar dos conflitos fundiários do Brasil é aquela que deveria especializar-se para determinar com maior brevidade a aplicação da Constituição Federal, das leis de reforma agrária e do Estatuto da Cidade visando à efetiva democratização do acesso à terra.

O Governo Federal, cujos integrantes são historicamente comprometidos com a realização da justiça no campo e com a distribuição de terra e renda, deve primar pelo cumprimento das leis da função social da propriedade. Criminalizar o movimento social através de condenação de seus líderes somente contribuirá para a sua radicalização contra o Estado de Direito.

Em maio deste ano, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, analisando a situação brasileira quanto à promoção e o cumprimento das leis internacionais de direitos humanos das quais é signatário o governo, durante sua 30ª sessão realizada em Genebra, adotou como resolução ao governo brasileiro o seguinte:

“O Comitê recomenda ao Estado Parte que implemente imediatamente ações corretivas para reduzir as desigualdades e os desequilíbrios persistentes e extremos na distribuição dos recursos e da renda e no acesso aos serviços básicos entre as várias regiões geográficas, estados e municípios, incluindo o aumento na velocidade do processo de reforma agrária e de titulação de terras.”

O Brasil, como Estado-Parte à Convenção dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, tem o dever legal, ético e moral de cumprimento dos direitos humanos garantindo sua efetivação a todas as pessoas, em especial àquelas mais vulneráveis a violações destes direitos.

Portanto, urge a efetivação das desapropriações de áreas rurais improdutivas e de áreas urbanas vazias ou subutilizadas; o assentamento dos sem-terra no campo; as declarações de usucapião e as concessões coletivas para a regularização fundiária das favelas; a aplicação das leis de direitos humanos; a execução de políticas públicas para o alcance dos direitos econômicos, sociais e culturais; a revogação da medida provisória que proíbe a vistoria de áreas ocupadas para fins de desapropriação; a efetiva proibição de milícias armadas por parte dos latifundiários; a condenação dos responsáveis pelos crimes contra os sem-terra e os sem-moradia; o fim da impunidade.

Ao mesmo tempo, é fundamental que sejam respeitadas e cumpridas as disposições constitucionais e a legislação vigente no que tange à demarcação e homologação das terras indígenas e quilombolas, garantindo-se que qualquer projeto de desenvolvimento econômico para o país respeite, proteja, promova e garanta o direito humano dos povos indígenas e quilombolas a suas terras tradicionais.

Os movimentos que lutam pela terra e moradia agrária e urbana devem ter o compromisso de alcançar as reformas agrária e urbana mediante ações concretas e pacíficas que viabilizem a democratização do acesso à terra e à moradia adequada.



Plataforma Brasileira dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

Projeto Relatores DhESC
Relatoria Nacional do Direito à Moradia Adequada e à Terra Urbana
Relatoria Nacional do Direito à Alimentação, Água e Terra Rural


Fórum Nacional da Reforma Urbana

COHRE – Centro pelo Direito à Moradia contra Despejos

POLIS – Instituto de Estudos, Assessoria e Formação em Políticas Sociais

Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) – Direção Nacional

Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM)

 






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