Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
Muitas rádios comunitárias têm seu propósito desvirtuado e viram veículos para políticos passarem suas mensagens. Assim, acabam não exercendo seu papel de democratizar a comunicação e refletir as demandas e características da comunidade com a qual falam. Foi pensando nisso que seis jovens de comunidades de baixa renda de Cabo de Santo Agostinho, a 30 Km de Recife (PE), decidiram fundar uma ONG - o Centro de Atitude Social do Cabo - e fazer programas nas rádios que escutavam.
O conteúdo é diferente, discute problemas cotidianos e procura apontar soluções. Assim é, por exemplo, o programa “Jovem Alerta”, da recém-criada organização, que vai ao ar três vezes por semana em duas rádios-poste da cidade.
“Eles querem resgatar a idéia original do rádio”, diz Romel Pinheiro, da recifense Academia de Desenvolvimento Social e “padrinho” da nova ONG. “Os gestores não pensam na rádio como um bem da comunidade e a comunidade não crê que a rádio é dela”.
O Centro de Atitude Social, lançado oficialmente no dia 14 de agosto, nasceu em um programa de formação de multiplicadores de informação do Centro de Mulheres do Cabo ainda em 2000. Lá os alunos aprenderam a produzir programas, falar ao microfone e apurar pautas –enfim, a fazer rádio. Alguns ficavam inquietos com o que era veiculado em suas comunidades e se dispuseram a procurar uma solução.
Recheadas de problemas típicos dessas regiões - como violência, abuso de drogas e bebidas, além de altos índices de gravidez na adolescência - as comunidades pouco os discutiam. “Por estarem muito presentes, as pessoas tendem a achar que são naturais”, diz Pinheiro. Os locutores, diante disso, se limitavam a ler matérias de jornal e tocar música. “É muito pouca informação e participação. É preciso dar vez à comunidade”, diz Maria da Conceição do Carmo, uma das fundadoras do Centro de Atitude Social.
Os jovens decidiram, então, ligar o microfone e fazer um programa diferente, que estimulasse as pessoas a debaterem as situações pelas quais passavam. Amadureceram a idéia e, ao completarem 18 anos, idade limite para participar do projeto do Centro de Mulheres do Cabo, buscaram ajuda na Academia de Desenvolvimento Social, que os acolheu na sua Incubadora Social. Lá tiveram toda a assessoria necessária para criar a organização e gerir o programa de rádio.
Entraram no fim de 2002 e, desde então, apesar de já terem lançado a nova ONG, continuam frequentando a Academia, fazendo cursos duas vezes por semana apesar da distância entre a moradia, no Cabo, e a Academia, em Recife. “São quase duas horas de viagem", lamenta Conceição.
Transmissões
As transmissões do Centro de Atitude Social começaram há um mês nas comunidades da Charneca e Pirapama, onde a parte não-musical das rádios se resumia a pronunciamentos de políticos e leitura de jornais como forma de educar a população. As três horas de duração de cada programa obedecem um tema semanal e são preenchidas com músicas, entrevista com autoridades e membros de serviço, além de debates com moradores e reportagens. Já foram discutidos temas como gravidez na adolescência, DST/Aids e a importância do terceiro setor e da organização popular. A pauta é decidida a partir de conversas com a comunidade, que atualmente já telefona para a rádio com sugestões.
Os programas atingem aproximadamente 22 mil famílias a partir das caixas de som penduradas em postes. Mas, conseguir espaço na grade não foi muito fácil na Charneca. A rádio de lá não é da associação de moradores, como em Pirapama, mas de uma pessoa. Foi com ela que Fabiana Delfina, de 21 anos, que atua como produtora, locutora e repórter da rádio, teve que negociar para conseguir encaixar o programa do Centro. “Veio aquele papo de que as eleições estão chegando e, por isso, precisava dar espaço para políticos. Mas conversamos sobre o papel da rádio, os problemas da comunidade e ele acabou concordando em nos ceder espaço. Agora, já diz que gosta de nós”.
Além de agradar, estão ensinando. O locutor “oficial” da rádio já copia os conteúdos do Jovem Alerta. Essa mudança de atitude é a principal recompensa para os jovens radialistas. “É difícil, mas não impossível. Quando mais pessoas virem que está dando certo, vão querer fazer algo semelhante. O rádio é um veículo transformador, que mobiliza a comunidade”, diz Fabiana.
Apesar da capacitação e apoio da Academia de Desenvolvimento Social no momento inicial, eles ainda têm enfrentado dificuldades. Como não possuem estúdio próprio nem sede com computadores, precisam ir de Cabo de Santo Agostinho a Recife, uma viagem de quase duas horas, para usar o equipamento do Centro de Mulheres do Cabo. E a viagem é cara para os bolsos dos jovens, que acabam indo de uma cidade para outra somente quando é muito necessário. A falta de computadores os leva a escrever o roteiro dos programas a mão e a fazer pesquisa somente em jornais. Às vezes, utilizam a Internet em Recife, mas nem sempre é possível.
Mesmo com estes obstáculos, o objetivo é fazer o projeto crescer e ecoar. Está nos planos da nova ONG fazer seminários nas comunidades sobre a importância das rádios comunitárias e sobre os temas abordados na programação. Além disso, querem aumentar o número de emissoras em que veiculam programas. A próxima a receber a programação do Jovem Alerta é a comunidade da Charnequinha, onde Fabiana mora.
Os planos vão além e as vozes do Jovem Alerta prometem chegar mais longe. Existem ainda os planos de gravar CDs com a programação, para serem distribuídos a oito rádios comunitárias do Cabo. Além disso, já estão negociando com outra estação da Charneca, pois querem atingir outros pontos da comunidade. Finalmente, o maior desejo é introduzir o conteúdo em FMs comerciais até o fim do ano e, assim, ele alcançar toda a cidade. Quem viver ouvirá.
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