Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Artigos de opinião
Maria Isabel da Silva*
Recentemente, a sociedade européia foi contemplada com a Declaração de Atenas, documento aprovado no Congresso Europeu sobre Meios de Comunicação e Deficiência, realizado em Atenas (Grécia), nos dias 13 e 14 de junho de 2003, ao qual compareceram cerca de 250 pessoas. Esse documento poderia representar um avanço aos portadores de deficiência, e é celebrado como tal, pois essas pessoas são o enfoque principal a ser considerado pelas mídias. Mas, convenhamos, o ideal mesmo seria que tal “declaração” fosse dispensável. Por acaso há declarações das demais pessoas que não compõem as “minorias”? Em geral, essas declarações são revestidas de diretrizes a quem não tem familiaridade com o segmento – seja ele qual for – ou desconhece as reivindicações e anseios inerentes a ele, e vêm a público expor necessidades e propor soluções que visam a legitimar a existência de tal segmento.
Ora, a existência de uma declaração não chega a representar um problema em si, uma vez que cumpre a função de expressar a realidade e explicitar certas reivindicações, mas revela facetas implícitas na própria sociedade a que se destina. Quando um documento, como é o caso da Declaração de Atenas, revela que “a mídia européia decidiu contribuir, dentro do seu campo de atuação, para um novo conceito de deficiência, baseado no reconhecimento de que as pessoas com deficiência têm os mesmos direitos humanos que os outros cidadãos” revela, na verdade, muito mais. O preconceito está implícito, reforçando o estigma da pessoa com deficiência que “necessita”, entre outras coisas, do reconhecimento e contribuição do outro para gozar dos mesmos direitos como cidadã participante e também construtora da sociedade em que está inserida.
A declaração de Atenas é fruto de uma sociedade que se “reconhece” equivocada nos (pré)conceitos que permeiam a área da deficiência e que atribui à mídia a possibilidade de extinguir o equívoco. “...Quando se referirem aos problemas das pessoas com deficiência, os meios de comunicação deverão evitar tratamento condescendente ou ofensivo da informação e concentrar-se nas barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam e na contribuição positiva que elas poderão fazer para a sociedade, uma vez eliminadas essas barreiras”, diz a declaração.
É válido ressaltar que a orientação à mídia no uso de termos apropriados ou não, com o intuito de combater a exclusão social, é de grande relevância, uma vez que essa prática não se aprende na escola de Jornalismo. E é esse o âmago da questão: a origem da exclusão ou da inclusão social da pessoa com deficiência não se encontra na exposição (emissor) ou leitura (receptor), que se faz nos meios de comunicação. O emprego de termos “corretos” ou “incorretos” nessa ou naquela situação, enfocando esse ou aquele segmento, obviamente pode representar competência ou incompetência do veículo difusor da informação. Mas, o fato de se “reconhecer” que alguém que faz parte de um segmento considerado “minoria” tem os mesmos direitos que os demais expressa que não se tem claro que a diversidade humana é algo inerente ao contexto em que se está inserido.
Se a diversidade é algo inevitável e, quer a reconheçamos ou não, ela está aí para os menos crédulos, então não se trata de “reconhecer” o direito. A única coisa a ser reconhecida na sociedade é a diversidade, e, a partir dela, o respeito aos direitos de cada um seria conseqüência natural e cotidiana. Todos são iguais na essência e os direitos não foram feitos para serem reconhecidos, mas respeitados, indistintamente, independente da cor, sexo, religião, opção sexual ou política, condição física, psíquica ou sensorial. Isso é constitucional. E esse é o âmago da questão.
O reconhecimento e respeito à diversidade humana deveria ser disciplina obrigatória em todo currículo escolar, do ensino fundamental ao superior. O preconceito só existe porque é tolerado e sustentado pela própria sociedade. Se na escola e na família o respeito aos direitos humanos – de todos os humanos – fosse propagado não haveria necessidade de “declarações” reconhecendo ou impondo o que quer que seja. Essas declarações deveriam ser substituídas por outras, essas sim em extinção, as de amor, principalmente ao próximo.
Maria Isabel da Silva* é jornalista, formada pela PUC de São Paulo, e Gestora de Processos Comunicacionais pela USP.
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