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Afro Reggae: dez anos levando paz às favelas

Autor original: Mariana Loiola

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






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Sensibilidade: este pode ser considerado um dos principais ingredientes que levaram o Grupo Cultural Afro Reggae (GCAR) a "romper as fronteiras da favela" – como diz José Junior, coordenador geral e um de seus fundadores – ao falar sobre a trajetória da instituição, que completa este ano uma década de atividades. Segundo Junior, o crescimento do projeto – que é constante – acontece à medida que as pessoas envolvidas com o trabalho do GCAR percebem as necessidades da comunidade. "A gente cria um novo projeto quando sente a necessidade de ampliar o trabalho, sente que pode intervir na comunidade e fortalecer o jovem", diz. O projeto, que vem transformando áreas famosas pela violência em verdadeiros pólos culturais, atende atualmente cerca de 700 pessoas em favelas da cidade do Rio de Janeiro.

A história do Afro Reggae começou em 1993, quando Junior, ao produzir festas de reggae em Vigário Geral junto com amigos, passou a sentir falta de um veículo de comunicação através do qual pudesse divulgar a cultura negra. Eles resolveram lançar então um jornal voltado principalmente para jovens – o Afro Reggae Notícias – que durante quatro anos foi o principal veículo de divulgação do GCAR. A partir daí, logo surgiram outras idéias e o GCAR iniciou as primeiras oficinas (dança, percussão, reciclagem de lixo, futebol e capoeira) em Vigário Geral – comunidade marcada pela chacina que vitimou 21 pessoas em 1993, o mesmo ano em que o GCAR dava os seus primeiros passos.

Em missão de paz







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A "chacina de Vigário Geral", que chocou a sociedade e repercutiu no mundo inteiro, foi apenas uma das inúmeras tragédias diárias provocadas pela violência policial e pela guerra do narcotráfico, da qual o GCAR quer afastar os jovens. Desde o começo, a missão do grupo vem sendo oferecer oportunidades de formação cultural e artística em áreas de favelas, para que os jovens em situação de risco social possam desenvolver sua cidadania sem precisarem recorrer à criminalidade ou ao subemprego. "Só entramos em área de guerra, pois o nosso trabalho é propor um tipo de solução para a paz", reforça o coordenador.

Junior conta que, antes da intervenção do GCAR, praticamente não existia vida cultural em Vigário, o que deixava caminho aberto para a influência do tráfico sobre os adolescentes. Ao oferecer outras possibilidades de identificação para a juventude, o GCAR gerou uma grande mudança naquela comunidade. O cenário, agora, é outro: hoje em dia as atividades culturais fazem parte da rotina de Vigário. "Se não existirem outras oportunidades para os jovens, é fácil eles se identificarem com o tráfico. Tem gente participando do projeto que nunca tinha saído da favela, por exemplo. O crime, hoje, é um produto visto com um certo glamour pela sociedade, não apenas nas favelas. Podemos ver isso pelo sucesso de filmes como 'Cidade de Deus' e 'Carandiru'. Nós chegamos para quebrar com esse glamour", afirma Junior, segundo o qual, uma das características do GCAR que possibilitam uma efetiva transformação na comunidade é a de não oferecer restrições aos adolescentes quanto à participação nas atividades. "Em outros projetos, se o adolescente estiver no crime e não na escola, não pode entrar. Aqui qualquer um pode entrar, mesmo se não estiver na escola". A idolatria aos traficantes deu lugar à admiração pela banda Afro Reggae, que faz sucesso entre pessoas de diferentes raças e classes sociais e por isso estimula os jovens a seguirem pelo mesmo caminho. Já existem vários outros grupos em formação na comunidade que se inspiram na banda para realizarem seus sonhos.

Mas os projetos não ficaram só em Vigário Geral. Atualmente, o GCAR desenvolve diversas atividades em outras quatro comunidades da cidade do Rio de Janeiro: Parada de Lucas, Cidade de Deus, Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. São cursos de informática, projetos que utilizam a linguagem do circo, teatro, recursos audiovisuais, meios comunicação; uma série de outros projetos socioculturais que buscam investir no potencial criativo dos jovens e, também, programas que visam fornecer informações que ajudem a melhorar a qualidade de vida das pessoas moradoras dessas comunidades. Para alcançar resultados positivos, Junior diz que basta acreditar e investir – obviamente, com a ajuda de outras organizações. Com esse espírito, o GCAR conquistou parceiros e aliados que compõem uma grande lista formada por organizações não-governamentais, órgãos públicos e artistas. Mas nem por isso o projeto deixa de enfrentar obstáculos. "As maiores dificuldades a gente vive no dia-a-dia do projeto", diz Junior. Dificuldades que ele conta, juntamente com os êxitos que fazem parte da trajetória do GCAR, no livro "Da favela para o mundo", que será lançado no próximo dia 9 de setembro, no Rio de Janeiro.

De geração para geração







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Vários jovens que foram alunos em oficinas do GCAR hoje trabalham para a instituição como educadores e multiplicadores. É o caso de Altair Martins, que entrou para o projeto em 1994, participando de oficinas de percussão e reciclagem, em Vigário Geral. "As oficinas do Afro eram a melhor coisa que acontecia na minha vida", diz. Na época, quando tinha 14 anos, ele já tinha que trabalhar para ajudar a família. No GCAR, ele teve a oportunidade de crescer junto com a estrutura do grupo. Começou trabalhando como vendedor de jornal, depois como office-boy e logo passou a assumir funções de grande responsabilidade no setor administrativo-financeiro da instituição. Além disso, o adolescente que não sabia tocar nenhum instrumento musical quando entrou para o Afro Reggae é hoje coordenador de percussão e músico da banda. Por conta da transformação que o GCAR causou na vida de Altair, ele é indicado para dar workshops de percussão e palestras sobre a metodologia do GCAR. "Quero repassar para outros jovens o que me foi ensinado. E quero também formar cidadãos, além de músicos", afirma.

Altair prepara a nova geração do GCAR coordenando ainda um grupo de afoxé composto por meninas que está em fase "embrionária". As meninas começaram as aulas de resgate de ritmos afro-brasileiros – através da dança, percussão e canto –, sem nenhum conhecimento musical ou artístico. Mas, pelo exemplo de Altair, da banda Afro Reggae e da própria história da instituição, não é difícil prever que, mesmo que o novo grupo não alcance o sucesso artístico, essas meninas iniciam mais um capítulo de vitórias na história de paz que o GCAR vem construindo.


Mariana Loiola

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