Autor original: Marcelo Medeiros
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O Brasil Watch, como deve ser chamado, será lançado durante a conferência Indicadores de Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida: Redefinindo Prosperidade (Icons 2003), que será realizada em Curitiba, Paraná, de 26 a 28 de outubro.
O observatório irá agregar novos indicadores aos índices de desenvolvimento brasileiros segundo a metodologia Calvert Hederson, que inclui itens como segurança, meio ambiente e habitação no cálculo de qualidade de vida. A idéia do grupo, composto por intelectuais e integrantes de várias ONGs, é organizar dados já disponíveis em diversos institutos e organizações sociais e disponibilizá-los de forma clara para o público. Com as informações sistematizadas, Dowbor espera que a população tenha mais uma arma para exercer sua cidadania e cobrar atitudes de políticos e empresários.
Mas tudo depende do maior acesso aos meios de comunicação e de maior qualidade das notícias veiculadas – um direito de todos. “É preciso pensar um tipo de informação que gere cidadania, que permita aos atores sociais se situarem na realidade onde vivem”, diz.
Nesta entrevista à Rets, Dowbor fala sobre a importância de novos indicadores sociais e a luta pela democratização da comunicação. “Uma boa briga”, segundo ele.
Rets - Na conferência Icons será lançado o observatório de desenvolvimento social. Como ele funcionará e quais são seus objetivos?
Ladislau Dowbor - A conferência permitirá formatar um processo que já começou há tempos. Paralelamente ao evento, haverá reuniões de um comitê para definir o formato do observatório, seus participantes e até objetivos gerais. Necessitamos de parceiros como o IBGE, Sead e ONGs ligadas à informação. É preciso pensar um tipo de informação que gere cidadania, que permita aos atores sociais se situarem na realidade onde vivem.
Um exemplo é o oeste do Paraná, onde cada um dos 22 municípios da região elaborou um índice próprio de qualidade de vida. Isso permite ao eleitor votar não no candidato bonitinho, que beija o bebê, mas naquele que pensa na mortalidade infantil ou no transporte coletivo, por exemplo. Isso envolve repensar a metodologia de elaboração dos principais dados públicos, pensar que tipo de informação das empresas o público deve conhecer. Eu tenho direito de saber se uma empresa vizinha à minha casa joga resíduos químicos no rio, por exemplo. É um princípio já existente no EUA, chamado de Right to Know (direito de saber). Precisamos de um sistema descentralizado de informações municipais, estaduais, de empresas. O Brasil é urbano, 82% da população vive em cidades, é natural que cada uma elabore o índice que permite conhecer melhor sua situação. Sem informação não há cidadania.
Rets - Como obter esse tipo de informação?
Ladislau Dowbor - Para já, é preciso produzir informações de maneira organizada. O Brasil possui muita informação, mas é difícil de acessar. Precisamos sistematizar e disponibilizar essa massa de uma maneira fácil de consultar. É importante ter onde ver o nome de cada vereador e saber o que ele tem feito durante o mandato, afinal ele é seu representante. O mesmo em relação às decisões dos juízes publicadas no Diário Oficial. Tenho que saber quem fez o quê. Se todos os recursos de uma determinada empreiteira vão parar sempre no colo do mesmo juiz, posso desconfiar. A transparência na política é vital para a cidadania.
Rets - O público também não precisa estar mais disposto a buscar esses dados? Não falta interesse em conhecer esse processo?
Ladislau Dowbor - Atualmente um recurso raro é o tempo. Outro dia tentei acessar uma liminar, mas tive que percorrer tantos órgãos que acabei desistindo. Tem que haver não só informação, mas também uma lista de ONGs que tratam de diferentes temas para consultá-las.
Rets - E como reunir todos esses dados?
Ladislau Dowbor - Reunir é uma visão antiga, ligada a bancos de dados. Hoje o caminho é o acesso em rede. A [loja eletrônica] Amazon não é um banco de dados, um grande depósito de informações. Ela consulta outras lojas menores, que informam a disponibilidade do produto procurado. O trabalho em rede é um ótimo instrumento para a [organização de fiscalização do poder público] Transparência Brasil, por exemplo. Ela faz consultas em diversas partes para redigir seus relatórios. Posso dizer que a disponibilidade de informações é um instrumento de governança e cidadania.
Um exemplo de como esse sistema opera é a região de Capela do Socorro, zona sul de São Paulo. A prefeitura organizou um sistema onde pessoas do bairro levantam instituições que as atendem e depois as listam. Poucos moradores as conheciam. Os bairros não reconhecem a si mesmos e essa prática leva a novas dinâmicas sociais.
Rets - Qual o papel da mídia nesse processo de disponibilização de informações?
Ladislau Dowbor - A mídia tem que ser parceira. A Andi [Agência de Notícias dos Direitos da Infância], por exemplo, que muitos conhecem, não produz informação e, se o faz, é em pequena escala. Ela disponibiliza dados de maneira ágil para jornalistas, especialistas e demais interessados na sua área de atuação. É um agilizador.
Rets - E a grande mídia?
Ladislau Dowbor - A grande imprensa faz guerra a qualquer tentativa de democratização da informação. Faz boicote a qualquer tentativa de organização de sistemas de informação comunitários. Informação é direito, e quem diz é a Unesco. Em um documento de 1998, ela afirma que sem informação não há como saber quais são os direitos. Ou seja, ela é um “pré-direito”.
Um bom exemplo é o bairro de Guaianazes, periferia de São Paulo. Lá foram instaladas uma rádio e uma televisão comunitárias e os moradores da área podem usá-las. Observei um estímulo ao processo de produção de cultura pela própria comunidade.
Há espaço para as grandes empresas, é claro. Mas nesse mundo onde o controle da comunicação está em poucas mãos, é preciso ampliar esse direito.
Rets - Quais serão os indicadores desse novo índice que se pretende criar?
Ladislau Dowbor - Os índices estão sendo transformados aos poucos. Antigamente somente o PIB [Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas no país] interessava. A partir dos anos 90, a ONU adotou também o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que reúne PIB e índices de educação e saúde. Agora temos a metodologia Calvert-Henderson, mais ampla, com 12 indicadores: renda, lazer, meio ambiente, educação, energia, saúde, poluição, emprego, direitos humanos, segurança pública, segurança nacional e habitação. Temos que abrir os indicadores nesse sentido.
O relatório de 2003 do Banco Mundial apresenta uma inovação importante: eles contabilizam a educação como investimento e não como gasto, da maneira antiga. Investimos em educação e dizem que isso é jogar dinheiro fora? É preciso mudar essa mentalidade. A exploração de petróleo já virou fator negativo nas economias. A Arábia Saudita, com toda aquela riqueza, na verdade está se descapitalizando ao extrair petróleo nesse ritmo. Outros índices negativos são o desmatamento de florestas, a venda de recursos minerais e a emissão de dióxido de carbono, calculado como impacto nos sistemas de saúde.
É uma evolução para uma metodologia de contas que mostra como as pessoas são afetadas por cada componente da vida.
Rets - A adoção de indicadores de desenvolvimento mais abrangentes do que os atuais é uma recomendação da Agenda 21, estabelecida em 1992. Por que só agora começam a aparecer e serem adotados novos índices?
Ladislau Dowbor - É um processo. Há 13 anos, só havia o PIB; agora temos o IDH e a Calvert-Henderson. Precisamos medir a qualidade de vida e não só a produção. Em São Paulo, a velocidade média dos carros é 14 quilômetros por hora. Isso é desastroso, mas não aparece no PIB. Aliás, o trânsito aumenta a produção, pois andando apenas em primeira e segunda marcha consumimos mais gasolina.
As idéias precisam amadurecer para serem transformadas em fatos. A Eco-92 discutiu bastante o meio ambiente, mas naquela época quem se preocupava com esse tema era “fresco”, “gostava de cuidar de tartaruga e baleia”. Hoje são considerados importantes. Ainda não há força suficiente para levar essa mentalidade às empresas, mas há iniciativas surgindo.
Rets - Diversas vezes você falou sobre a importância de considerarmos a informação como direito. Poderia falar um pouco mais sobre isso?
Ladislau Dowbor - É algo absolutamente básico. Como já disse, a Unesco afirma que as pessoas precisam de informação para exercer seus direitos. É simples assim. Estamos formando a sociedade do conhecimento e as tecnologias de informação e comunicação estão se popularizando. Precisamos nos adequar às novas tendências.
Rets - Em seu texto “Informação para a cidadania e desenvolvimento sustentável” [ver link ao lado], você fala sobre a necessidade de criação de um referencial jurídico de direito à informação. O que seria isso?
Ladislau Dowbor - Já existe uma lei que exige que qualquer cidade com mais de 200 mil habitantes elabore um plano diretor. É preciso visão a longo e médio prazo. Da mesma maneira, é natural que a cidade seja obrigada a publicar conjuntos de informações básicas sobre ela mesma. Cascavel, no Paraná, fez isso por iniciativa própria, mas deveria ser obrigação de qualquer prefeitura. E todos aqueles indicadores têm que ser incluídos. Sei que ando a 14 quilômetros por horas por causa da CET (Companhia de Engenharia e Tráfego de São Paulo). Conhecendo esse problema, precisamos nos aprofundar e pensar na matriz de transporte da cidade. São 150 mil novos carros a cada ano. Qual a solução? Fazer viadutos novos em cima dos antigos? Daqui a pouco viverei numa cidade de quatro andares...
Rets - Qual seria o impacto desse maior acesso à informação na vida cotidiana?
Ladislau Dowbor - Há diferentes camadas de interesse. Existem facilidades como transações bancárias, saber horários de chegada e saída de aviões. Em outro nível, acesso serviços gerais, como horários de filmes e peças de teatro. No comércio, somos dominados por grandes empresas que asfixiam pequenos produtores com esse sistema que espalha outdoors pela cidade e polui. O comércio eletrônico, por outro lado, viabiliza a pequena produção, pois o comprador pode buscar diretamente o produtor. Se quiser um produto difícil de encontrar, pode encontrar no Amapá, por exemplo.
No nível de informação política, a experiência da Transparência Brasil é um exemplo. Eles cruzam dados de contribuições às campanhas com os projetos apresentados e defendidos pelos vereadores. É interessante para saber se o voto do eleitor acaba favorecendo determinado grupo econômico.
A sociedade do conhecimento gera dilúvio de informações e, quando há excessos, nada é útil. É preciso sistematizar e tornar o acesso inteligente, algo que nossos garotos, hoje, fazem com maestria, pois encontram músicas na rede muito facilmente. Temos que levar essa postura para a política, a intervenção social e a medição de impactos.
Rets - Como ampliar o acesso a essas informações para que a maioria da população tenha acesso aos benefícios citados?
Ladislau Dowbor - Pelo empoderamento da comunicação, batalhando pela democratização da comunicação. A democratização é o eixo essencial, com benefícios para igrejas, escolas, universidades e demais segmentos da sociedade. Montar uma rádio comunitária é barato, dois mil reais são suficientes. A cidade de Santos já teve uma experiência muito boa com a rádio Moleque. A prefeitura fez acordo com uma rádio comercial para abrir uma hora na programação na qual meninos em situação de rua fizessem o programa deles. Era uma bagunça, eles não paravam quietos. Certa vez levei uma representante de uma organização internacional para ser entrevistada por eles. O resultado foi ótimo, pois a colocaram na parede, perguntaram por que eram tão poucas as ações etc. No fim, terrores mútuos foram desarmados e a sociedade viu que aqueles jovens radialistas eram inteligentes.
Mas para tudo isso funcionar, é preciso convencer as famílias donas dos meios de comunicação da necessidade de se ampliar o acesso à comunicação.
Rets - E será possível?
Ladislau Dowbor - É uma boa briga.
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