Autor original: Fausto Rêgo
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Eleito no dia 4 de setembro coordenador geral da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), o diretor executivo da FASE, Jorge Eduardo Saavedra Durão, falou com exclusividade à Rets sobre os desafios do seu mandato. Nesta semana, ele encontra-se com o presidente da República para “encaminhar algumas pautas estratégicas”. Dentre elas, a questão do Marco Legal, o acesso a fundos públicos, o papel das organizações da sociedade civil na produção de conhecimento e a cooperação internacional. Jorge Durão fala também sobre uma nova articulação, a Inter-Redes, que deverá ser um espaço de promoção de direitos e proposição de políticas públicas sobre temas que não sejam abordados especificamente por nenhuma rede. Segundo Jorge, a Abong pretende que haja um diálogo mais freqüente com o governo federal. A entidade, entretanto, não abre mão da sua independência e de eventuais críticas ao modelo econômico e a políticas que se afastem dos ideais de desenvolvimento da sociedade civil organizada. “Já estamos saindo da fase de perplexidade para uma ação mais firme de enfrentamento”, afirma. A escolha do novo Conselho Diretor da Abong foi realizada durante a Assembléia Geral da entidade, nos dias 3 e 4 de setembro, em São Paulo. Na ocasião, também foi decidida uma alteração estatutária para criar um colegiado - formado por quatro coordenadores nacionais e oito diretorias regionais. Além de Jorge Durão, foram escolhidos os seguintes nomes: Taciana Gouveia, da SOS Corpo (Coordenação de Desenvolvimento Institucional); José Antônio Moroni, do Inesc (Coordenação de Controle Social) e Sergio Haddad, da Ação Educativa (Coordenação de Relações Internacionais). Analu Faria, da Sempre Viva, é a primeira suplente e Guacyra Oliveira, do Cfemea, ficou com a segunda suplência.
Rets – A Abong fez uma alteração estatutária, decidindo pela formação de um colegiado. No dia 4 de setembro, durante a assembléia da organização, o senhor foi escolhido coordenador geral. O que muda na Abong com essa redefinição estrutural? E por que ela foi implementada?
Jorge Durão – Ela foi implementada porque na gestão anterior havia uma concentração muito grande de atribuições na pessoa do presidente. E os demais cargos executivos, com exceção das Regionais, não tinham atribuições muito claras. O objetivo é fazer com que as atividades sejam mais bem distribuídas.
Rets – A Abong está agendando para breve uma reunião com o presidente Lula...
Jorge Durão – Será no dia 10 de setembro, às 15 horas, em Brasília.
Rets –Nesse encontro, a entidade pretende encaminhar algumas pautas estratégicas, que seriam discutidas por um Grupo de Trabalho. Quais são essas pautas? Marco Legal e políticas públicas de acesso a recursos públicos serão tratados na reunião?
Jorge Durão – A reunião tem duas partes. Uma é a da discussão de estratégias para ONGs e a outra é uma conversa mais geral, sobre a situação do país, em aspectos mais amplos. São cinco questões: a questão do Marco Legal, o acesso aos fundos públicos, o papel das ONGs na produção de conhecimento, a cooperação internacional e a arquitetura de participação.
Rets – O que envolve, especificamente, essa discussão sobre arquitetura de participação?
Jorge Durão – São questões relativas a Conselhos, ao balanço de Conselhos e à participação da sociedade civil na elaboração de políticas públicas. A composição dos Conselhos é bastante heterogênea. Uns funcionam bem, outros são mais complicados; uns são consultivos, outros são deliberativos. A idéia é fazer um centro de estudos e manter um diálogo político com a Presidência. Em relação à cooperação internacional, a questão é que não há uma política por parte do governo, por falta de integração entre os próprios órgãos governamentais. E também tem um tema político mais importante, que é o papel que a sociedade civil vem desempenhando, a diplomacia governamental, pois não existe um diálogo sistemático entre ONGs e governo. Nós queremos reforçar essa sistemática. Há diálogos construtivos, mas sempre fragmentados. Falta parceria com a sociedade civil no campo da cooperação internacional.
Rets – O que a Abong espera para esse novo Marco Legal e das políticas de incentivo?
Jorge Durão – O Marco Legal e o acesso aos fundos públicos são questões conexas. No governo Fernando Henrique Cardoso, o diálogo sobre o Marco Legal pressupunha um momento em que se enfrentaria a discussão sobre o acesso aos fundos públicos, o que não foi feito por decisões de política econômica. Por outro lado, temos verificado uma tendência à criação de OSCIPs para coisas muito mais casuísticas, às vezes para contornar a lei de licitações. Na reunião que tivemos na Secretaria da Presidência, foram chamados representantes de vários ministérios. O Ministério da Justiça, por exemplo, está preocupado com a criação de OSCIPs, tem havido denúncias. O governo reconhece que essa é uma questão de interesse mais amplo, que não diz respeito apenas a ONGs, mas tem implicações em relação à reforma do Estado.
Rets – Como a Abong vê a atual conjuntura do país, mais especificamente as ações do governo federal na área social? Quais são as expectativas da Abong com relação ao governo, na área social?
Jorge Durão – Em primeiro lugar, continua essa política macroeconômica, com todos os constrangimentos. O carro-chefe do governo, que é o Fome Zero, não usou nem o dinheiro de que dispunha, o que revela problemas de implementação. De maneira geral, a política não aponta para a redução do desemprego ou a distribuição de renda. Outra coisa muito discutida na nossa assembléia foi que as políticas encaminhadas nos afastam dos modelos de desenvolvimento que as ONGs defendem. O agrobusiness como carro-chefe na agricultura se coloca em confronto com o que a gente defende. O que resume o estado de espírito dos associados é a decisão de que devemos, mais do que nunca, manter a independência e a autonomia, assumindo um papel crítico das políticas governamentais. Aliás, foi muito boa a presença do ministro Luis Dulci [secretário geral da Presidência da República] no seminário que antecedeu a assembléia, pois reafirmou o compromisso do governo com a democracia participativa e enfatizou a posição de independência das organizações da sociedade civil. Isso é que entendo como base do diálogo: estamos ao mesmo tempo conversando sobre temas de interesse das ONGs e divergindo sobre políticas de governo. É um período de muita complexidade, mas já estamos saindo da fase de perplexidade para uma ação mais firme de enfrentamento.
Rets – Esse, então, deve ser o papel da Abong no cenário político atual?
Jorge Durão – Deve ser um papel bastante ativo, mas com independência em relação ao governo, aproveitando todos os espaços de consulta, diálogo e participação.
Rets – A Abong convidou ONGs, movimentos sociais, centros de pesquisa, redes e fóruns para criar a Inter-Redes. O que é a Inter-Redes, qual o seu papel e por que a Abong estimulou a constituição dessa iniciativa?
Jorge Durão – Na verdade, a Inter-Redes é formada apenas por redes. Essas redes é que são formadas por ONGs. É porque nos acreditamos que há questões que transcendem a especificidade de cada rede. E em outras questões, como a reforma tributária, que não é um tema específico de nenhuma rede, nos pareceu que seria importante ter um espaço comum. Ainda é um projeto incipiente, mas a assembléia referendou a recomendação de investir ao máximo no seu fortalecimento.
Rets – E quanto ao Fórum Social Mundial? Quais os pontos importantes para o crescimento e a continuidade desse processo?
Jorge Durão – A Abong teve papel importante na realização dos Fóruns Sociais Mundiais de Porto Alegre. No momento, ela é parte da Secretaria Internacional do Fórum. Agora que o evento será realizado na Índia, o papel das entidades brasileiras que compõem o comitê organizador é de integração à Secretaria Internacional. Isso significa coordenar uma série de iniciativas, pois não se trata mais de um evento, mas de um processo. E achamos também que a Abong deve fazer um esforço grande de interiorização das questões de fundo que compõem o temário. E foi por isso que, mais uma vez, fizemos um apelo ao Sergio Haddad para que assumisse a Coordenação de Relações Internacionais.
Equipe Rets
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