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Não à farra dos transgênicos

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Artigos de opinião

Jean Marc Von Der Weid*







Mais de 80 organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais como a Fase, a ASPTA, o MST, a Contag e a Via Campesina integram a rede Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos. Dois integrantes, o Idec e o Greenpeace Brasil, associaram-se ao Ministério Público Federal em Ação Civil Pública contra a “liberação” da soja transgênica RR, da Monsanto, pela Comissão Técnica Nacional em Biossegurança (CTNBio), em 1998.

Tem sido a persistência dessas e de outras entidades que mantém, na prática, a moratória aos transgênicos no Brasil, para que centros de pesquisa independentes tenham a oportunidade de desenvolver pesquisas científicas, inexistentes em todo o mundo, sobre a segurança dos organismos geneticamente modificados (OGMs) para a saúde dos consumidores e para o meio ambiente.

Nosso objetivo é evitar que se consume no Brasil uma farra dos transgênicos sem que a comunidade científica tenha sequer definido critérios mínimos para elaboração de normas de biossegurança. Afinal, como sabem os cientistas responsáveis, ausência de prova de impacto não significa prova de ausência de impacto. A saúde da população é algo sério demais para se tomarem decisões açodadas, e é por isso que sempre defendemos que o Brasil realize mais e mais pesquisas sobre os OGMs.

Ao contrário, a Monsanto se recusa a fazer Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de sua soja, apesar de há anos ter em mãos estudo elaborado pelo ex-presidente do Ibama Eduardo Martins, contratado da empresa, com os critérios mínimos necessários para tal EIA. Não há melhor prova do que esta recusa de que há “algo de podre” no reino dos transgênicos.

Concordamos com a Embrapa em sua posição diante dos transgênicos: “A Embrapa está consciente de que praticamente inexistem pesquisas conclusivas sobre os riscos para a saúde dos consumidores que venham a ingerir alimentos geneticamente modificados, bem como de que não há ainda no país pesquisas conclusivas sobre os riscos decorrentes da liberação de OGMs no meio ambiente, o que deve ser estudado caso a caso”, conforme documento da empresa amplamente divulgado em 2 de setembro.

O momento é importante. O presidente Lula puxou para si a responsabilidade de decidir o teor do Projeto de Lei (PL) sobre transgênicos que o governo federal planeja enviar ao Congresso Nacional em setembro, mas falta ao governo transparência e aprofundamento no seu processo de avaliação da questão dos transgênicos.

O máximo que se fez foi uma “consulta” à sociedade em três dias de debates entre defensores e críticos dos transgênicos, em que cada um expunha seus argumentos em apenas 30 minutos e respondia algumas perguntas. Tal era a discrepância entre as afirmações dos debatedores que nenhuma pessoa isenta e sem informação prévia sobre o assunto poderia chegar a uma conclusão.

O presidente Lula até compareceu a uma das reuniões interministeriais que debateu o tema dos transgênicos e assistiu, junto com 12 ministros, a uma brilhante apresentação do pesquisador da Embrapa Maurício Lopes defendendo os transgênicos. No entanto em nenhuma ocasião o presidente e seus ministros tiveram a oportunidade de assistir a uma exposição de mesmo tipo com a posição crítica, nem houve a oportunidade de um confronto sistemático entre os dados e argumentos de cada lado, para verificar a consistência de cada um. Isto não se faz em rápidas mesas redondas, mas em processos prolongados, sistemáticos e arbitrados, em que cada uma das questões controversas é dissecada.

A questão dos transgênicos é, principalmente, uma questão de avaliação de risco. Dado o caráter inteiramente novo da tecnologia de produção de alimentos e sua incidência sobre milhões ou bilhões de seres humanos muitos cientistas independentes (de governos ou de empresas) cobram pesquisas aprofundadas sobre os riscos destes produtos antes de sua liberação. Igualmente, a amplitude dos impactos potenciais ao meio ambiente também explica a prudência dos ambientalistas.

Embora secundária quando comparada a uma avaliação de risco, a questão da competitividade econômica e agronômica tem a sua importância. Por hipótese, se os transgênicos de fato fossem muito mais produtivos, muito mais econômicos e muito mais adaptados às condições ambientais dos agricultores familiares dos trópicos, talvez se devesse aceitar um relativo menor rigor na avaliação de risco. Qualquer tecnologia deve ser avaliada comparando os riscos e benefícios potenciais.

Na verdade, os transgênicos até agora comercializados são um fiasco agronômico e econômico e um problema de mercado para quem os produz, conforme reconhecem dois pesquisadores americanos do Serviço de Pesquisa Econômica do Departamento de Agricultura (USDA), Fernandez-Cornejo e D. McBride, publicados no relatório de economia agrícola AER810, de maio 2002: “Talvez a maior questão levantada por esses resultados (da pesquisa) é como explicar a rápida adoção dos cultivos transgênicos quando os impactos financeiros nas fazendas parecem ser contraditórios e até negativos”.

E por falar nos EUA, é necessário observar que a liberação naquele país dos transgênicos, em 1992, resultou de uma decisão política do governo de George Bush, pai. Ele dobrou cientistas do Food and Drug Administration (FDA) que alertavam: eram necessárias mais pesquisas de avaliação de riscos. Os pesquisadores foram calados por decisão hierárquica na FDA e suas posições só foram conhecidas porque uma ONG americana de defesa dos consumidores exigiu na Justiça a divulgação dos documentos do debate interno naquela instituição. Para enquadrar o FDA, Bush pai nomeou um advogado do escritório de defesa dos interesses da Monsanto para a direção do órgão.

No caso do Brasil, chega a ser aberrante a composição da CTNBio, criada no governo anterior, com o objetivo de avaliar a segurança de OGMs. Em sua maioria, os integrantes da comissão primam por uma defesa intransigente da liberação dos transgênicos e por um ataque obstinado a todos os que apontaram para a necessidade de estudos prévios de impacto sobre o ambiente e a saúde dos consumidores. São especialistas em engenharia genética com interesses nesta liberação e deveriam ser impedidos de decidir em causa própria.

Da CTNBio deveriam participar apenas especialistas em biossegurança, mas esta se comporta, em verdade, como um órgão de promoção da transgenia. As resoluções são definidas na CTNBio pelo critério da maioria numérica, em processo anticientífico. Especialistas com formações tão diferentes como meio ambiente, saúde humana, saúde animal e plantas não têm condições de decidir se um ou outro dentre eles tem ou não razão no seu campo do conhecimento.

Além disso, em cada campo, há variadas especializações, e nem todas representadas na comissão. Por exemplo, o representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde, pode até ser um profundo conhecedor de toxicologia, mas dificilmente dominará também as áreas de epidemiologia, alergenia etc. Os organismos que estão aparelhados para fazer este tipo de avaliação são o Ibama e a Anvisa, onde diferentes tipos de especialistas podem ser mobilizados.

Infelizmente, o governo Lula não entendeu a gravidade da decisão que está por tomar. Este debate apressado e pressionado pelo lobby da Monsanto é uma temeridade. Mais ainda por tratar-se de um debate a portas fechadas em que o público não interfere e sequer sabe as possíveis conseqüências das decisões que podem ser tomadas.

*Jean Marc Von Der Weid é economista da ONG Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA), membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) e da coordenação da Campanha Por Um Brasil Livre de Transgênicos.





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