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À espera de um novo tempo

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






No dia 21 de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o Projeto de Lei 3.561/97, que cria o Estatuto do Idoso. O projeto aprovado pelo Legislativo é de autoria do então deputado, hoje senador, Paulo Paim (PT-RS). Ocorre que outro bastante semelhante – de número 20/2003 – foi criado pelo senador Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ). Ambos pouco diferem em essência, por isso o mais provável é que acabem sendo fundidos mais adiante em uma proposta única. É uma vitória na luta pela consolidação de direitos da terceira idade e um primeiro passo em direção, quem sabe, a uma cultura de respeito aos idosos. Cultura que carece, agora, de uma mobilização mais forte para que esses direitos sejam de fato assegurados e cumpridos.

A preocupação com os idosos, por enquanto, parece estar na “ordem do dia” – seja na esfera política, na Campanha da Fraternidade ou no horário nobre da televisão. Já no final do ano passado, em dezembro, representantes de diversas organizações que trabalham com a temática da terceira idade estiveram reunidos na cidade de Ouro Preto, em Minas Gerais, para debater as questões prioritárias para a redução das desigualdades enfrentadas pela população idosa. Pouco antes, em abril, a Assembléia Mundial sobre Envelhecimento, realizada em Madri, havia elaborado o Plano Internacional de Ação sobre Envelhecimento (PIAE), cuja implementação foi um compromisso assumido por todos os países-membros da Organização das Nações Unidas. Em resumo, o PIAE determina que a preocupação com os idosos seja colocada na agenda do desenvolvimento, que se façam investimentos significativos em saúde pública e que se desenvolvam políticas ambientais e sociais inclusivas.

O documento que resume o que foi discutido no evento e que ficou conhecido como Carta de Ouro Preto (disponível para download, ao lado) conclui que é fundamental “impedir um impacto negativo do envelhecimento populacional, por meio de mecanismos de inclusão social de todas as faixas etárias; assegurar o desenvolvimento sustentável buscando a redução das desigualdades sociais e garantir o direito de todos ao envelhecimento digno e cidadão”. O Estatuto do Idoso avança nessa direção, mas será preciso acompanhar de perto sua tramitação no Congresso Nacional e, sobretudo, ter alguma paciência. Renato Veras, diretor da Universidade Aberta da Terceira Idade (Unati), núcleo da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) que oferece uma série de atividades gratuitas para pessoas com mais de 60 anos, toma como referência o Estatuto da Criança e do Adolescente. “É uma coisa que exige um certo tempo de maturação. Foi o que aconteceu com o ECA, por exemplo, que só agora, depois de ter completado dez anos, está se consolidando”.

Para Renato, o Estatuto do Idoso não traz nenhuma grande novidade. “Na verdade, o que ele traz de importante é que consegue organizar em uma única lei tudo que já existe, que já está em lei em vários estados e municípios. É ser um instrumento com o qual a população, as associações e entidades que tratam das questões dos idosos e o próprio Ministério Público podem acompanhar o cumprimento da lei. Hoje em dia, isso fica muito ao bel-prazer do Legislativo, são leis que às vezes ‘colam’; outras vezes, não. O Estatuto do Idoso poderá ordenar esse conjunto de leis, mas é preciso que haja cobrança”, adverte.

O Estatuto, nos termos em que foi aprovado na Câmara, concede aos idosos descontos de pelo menos 50% em atividades culturais e esportivas, reduz de 67 para 65 anos a idade para requerimento do benefício de um salário mínimo determinado pela Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), assegura o fornecimento gratuito, pelo poder público, de medicamentos de uso continuado, garante prioridade na tramitação de processos ou procedimentos judiciais e na aquisição de casa própria nos programas habitacionais. O projeto estipula também que os meios de comunicação mantenham espaços em sua programação voltados especificamente para os idosos. Nos transportes coletivos, maiores de 65 anos continuarão tendo direito à gratuidade. O documento estabelece ainda que, no caso dos transportes intermunicipal e interestadual, deverão ser reservadas duas vagas gratuitas por veículo para aqueles que comprovarem renda igual ou inferior a dois salários mínimos. Os excedentes que se enquadrarem nessa mesma categoria terão desconto de 50% no valor da passagem.

As entidades que abrigam ou atendem idosos não foram ignoradas. Sua atuação será disciplinada e seus programas deverão ser previamente submetidos ao Conselho do Idoso e à Vigilância Sanitária. Quem deixar de prestar assistência a um idoso sem justa causa poderá ser condenado a pena de até um ano de detenção. O abandono também poderá ser punido com seis meses a três anos de detenção. O projeto prevê uma mudança no Código Penal para classificar como agravante o fato de a vítima de homicídio culposo ter mais de 60 anos.

Mesmo antes de chegar ao Estatuto, a questão da gratuidade nos transportes já tem provocado polêmica com empresários em alguns municípios. Isso quase certamente se repetirá em relação a outro ponto: a proibição, aos planos de saúde, da cobrança de valores diferenciados conforme a faixa etária. “Acredito que possa haver alterações em algumas coisas menores, talvez um lobby por mudanças na questão dos transportes”, imagina Renato.

Distante e cada vez mais próxima

O projeto aprovado na Câmara já vinha sendo discutido há seis anos. A aprovação do Estatuto veio na esteira de uma maior visibilidade dos problemas da população idosa no Brasil, hoje particularmente evidentes graças ao poder da mídia. A novela “Mulheres Apaixonadas” trouxe à tona uma enorme indignação popular diante do comportamento da jovem que vive maltratando seus avós. Antes disso, porém, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil já havia despertado a atenção para o tema ao colocá-lo como foco da Campanha da Fraternidade deste ano. “Uma das motivações da campanha foi uma solicitação que recebemos por abaixo-assinado de 11 regionais da CNBB, há dois anos. Já é uma questão que a Igreja vem discutindo há algum tempo”, comenta o padre José Alberto Vanzela, que foi, oficialmente, coordenador da campanha até abril, mas permaneceu trabalhando nela até o mês passado.

A Campanha da Fraternidade foi desenvolvida com alguns objetivos básicos: chamar a atenção das pessoas, utilizar a fraternidade como meio para despertar uma consciência sobre os direitos dos idosos, combater o preconceito e estimular parcerias com a sociedade civil por meio da Pastoral da Terceira Idade. Outro elemento importante é o estímulo à elaboração de políticas públicas. “Estamos trabalhando junto com os governos municipais, estaduais e federal pela elaboração e pelo cumprimento de leis que beneficiem a terceira idade, fortalecendo a atuação dos conselhos, o despertar da solidariedade e sugerindo linhas de ação educativa”, explica Vanzela. Para ele, uma série de acontecimentos vem chamando atenção para as questões que envolvem o idoso, entre eles a reforma da Previdência. “É um problema que preocupa, devido ao aumento progressivo do número de idosos no país, que aliás deve crescer cada vez mais”.

A afirmação tem fundamento. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o índice de envelhecimento do país (percentual da população com 65 anos ou mais dividido pelo percentual dos que têm até 14 anos) era de 10,49% em 1980 e passou para 19,77% em 2000 – ou seja: praticamente dobrou em 20 anos. A contrapartida desse envelhecimento deveria ser um maior respeito às necessidades e aos direitos da pessoa idosa. Essa consciência parece estar despertando.

“Está distante”, concorda Renato Veras, “mas cada vez mais próxima”. Como exemplo, ele lembra quando começou a falar sobre o tema, há dez anos. “As pessoas me olhavam de maneira estranha. Hoje, cada vez mais, se vê gente falando sobre isso. Você sente que a questão do envelhecimento humano começa a entrar na agenda das preocupações. Hoje em dia, são 15 milhões e 600 mil idosos no Brasil, e há pouquíssimos profissionais habilitados a lidar com eles”. De fato, para atender todo esse contigente, que aumenta em 650 mil pessoas a cada ano, existem cerca de 550 médicos geriatras em todo o país com título de especialização da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Por outro lado, 20% dos formandos em medicina por turma se especializam em pediatria. “A gente pode assegurar que cada vez mais haverá médicos pediatras desempregados e uma carência progressiva de geriatras”, lamenta.

Mobilização

Marinalva Macedo, assessora da Coordenação do Grupo Vida Barueri, de São Paulo, não acredita que a preocupação com os problemas e os direitos do idoso seja uma onda passageira. Acha, porém, que as organizações da sociedade civil precisam fazer a sua parte. “A gente precisa aproveitar que a mídia está voltada para essa questão e que as pessoas estão dando retorno neste momento, reconhecendo o idoso como um ser humano igual aos outros. E não podemos deixar isso esfriar”.

O Grupo Vida atende cerca de 10% da população idosa da região de Barueri, estimada em 13 mil pessoas. E Marinalva lamenta que algumas pessoas se vejam impedidas de participar. Segundo pesquisas realizadas pela entidade, o principal motivo alegado pelos idosos é a necessidade de ficar com os netos na ausência dos pais. “Nós estamos estudando como fazer para mudar isso”.

A entidade preparou uma programação intensa para comemorar a Semana do Idoso, a partir do dia 22 de setembro. Até o dia 27, haverá apresentação de corais, caminhada, palestras, atividades esportivas e bailes. É uma boa oportunidade para que o tema não esfrie.

Na Unati não haverá festa. Na verdade, ela aconteceu no final de agosto, quando a universidade comemorou dez anos de vida com uma série de eventos e um seminário do qual participaram a ministra da Ação Social, Benedita da Silva, o senador Sérgio Cabral Filho e o deputado estadual Paulo Pinheiro, presidente da Comissão do Idoso na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. “Todos disseram que essa questão é uma prioridade absoluta, embora faltem recursos”, diz Renato, que preocupa-se com a falta de mobilização em torno do tema: “A mobilização tem sido muito pouca. Mas acredito que após a aprovação do Estatuto passe a haver uma atenção maior. A tendência é que, tal como ocorreu com o ECA, o Estatuto do Idoso vá ganhando importância e possa garantir os direitos daqui a alguns anos”.

É o que esperam os idosos, que não têm tempo a perder.

Fausto Rêgo

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