Autor original: Mariana Abreu
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
Nos últimos dez anos, a educação infantil tem sido tratada como prioridade por governos e organizações sociais em todo o mundo. No Brasil, desde 1996, foi incorporada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional, o que significa que adquiriu um status importante para o governo. Alessandra Schneider, coordenadora de Educação Infantil da Unesco no Brasil, diz que o tema ganhou mais atenção porque neste período se descobriu que a fase crítica de aprendizagem acontece nos primeiros seis anos de vida. Segundo Alessandra, é nesta época que se forma a base da aprendizagem e do desenvolvimento infantil, quando a criança "aprende a aprender" de forma mais intensa e rápida. "Antes se pensava que isso só acontecia a partir dos seis ou sete anos de idade. Agora sabemos que se a criança tiver acesso ao ensino de qualidade até os seis anos, terá um impacto em toda a vida", acrescenta.
Um estudo feito em 2001 e 2002 pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) sobre o impacto da educação pré-escolar de qualidade no Brasil mostrou que os efeitos são visíveis a curto, médio e longo prazos. Segundo a pesquisa, o resultado é maior para filhos de pais com baixa escolaridade, para os quais cada ano de freqüência na pré-escola representa 5% a menos de chances de repetência, renda futura 6% maior e cinco meses a mais na escolaridade final. Quando se trata de filhos de pais analfabetos, os dois últimos indíces aumentam para 12,5% e 7 meses, respectivamente.
Política eficaz
"Descobrimos que investir na educação infantil é uma das políticas mais eficazes no combate à pobreza, que passa de geração para geração". Com esta frase, a coordenadora resume a principal razão de ser do programa Fundo do Milênio para a Primeira Infância, realizado em parceria pelo Banco Mundial, pela Unesco e pela Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (FMSS). O programa, lançado oficialmente no dia 16 de setembro, pretende qualificar o atendimento a crianças de até 6 anos em creches e pré-escolas comunitárias e filantrópicas, principalmente por meio da capacitação dos professores e dirigentes.
A iniciativa partiu do Banco Mundial, que criou a idéia do programa e forneceu um recurso inicial para o desenvolvimento do projeto-piloto no Brasil, em Honduras e Gâmbia. Cada país deve buscar, à sua maneira, verbas adicionais para criar um fundo que garanta sua sustentabilidade. No Brasil, a Unesco vai gerenciar as verbas e a FMSS vai ajudar a desenvolver o projeto técnico e elaborar estratégias que ajudem a captar e aplicar os recursos.
Para garantir a continuação do programa a partir da verba inicial do Banco Mundial, a proposta da FMSS é envolver o setor empresarial e arrecadar um milhão de reais. O valor vai financiar as atividades durante o primeiro ano e será dividido por 50 empresas, que se tornarão parceiras estratégicas do Fundo do Milênio. A meta estabelecida para a primeira fase (2003/2004) é atingir cem instituições de educação infantil, capacitando quinhentos professores e cem dirigentes, o que deve beneficiar cerca de cinco mil crianças de famílias de baixa renda.
A realidade é mais embaixo
Alessandra Schneider explica que o programa vai investir na capacitação profissional porque este é um dos pontos mais críticos da educação infantil brasileira. "Embora a lei exija nível superior ou médio em magistério para professores de educação infantil e das quatro primeiras séries do ensino fundamental, grande parte deles não atende esta exigência mínima". Ainda segundo Alessandra, as ações vão se centrar nas organizações comunitárias e filantrópicas, por serem as que subsistem de forma mais precária e que atendem às populações mais carentes.
Outra falha da educação infantil no Brasil apontada pela coordenadora é a baixa cobertura. Uma pesquisa feita pelo Ministério de Educação em 2001 e 2002 revelou que apenas 10% das crianças até 3 anos de idade freqüentam creches, ao passo que na faixa etária de 4 a 6 anos o número sobe para pouco mais de 50%. Ou seja, para as crianças menores a oferta é bem menor que a demanda. Alessandra diz que a procura não se deve tanto ao aumento de consciência dos pais, mas à necessidade das mães. "No Brasil, 80% das mulheres estão no mercado de trabalho e não têm com quem deixar os filhos – precisam das creches. Por isso o investimento nestas organizações também vai gerar impacto econômico, já que as mães ficarão disponíveis para trabalhar e complementar seus estudos".
Franquia social
Para concretizar os objetivos do programa, a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho e a Unesco criaram no Brasil uma proposta diferente: uma éspecie de franquia social batizada de Mesa Educadora. Alceu Terra, coordenador do Fundo do Milênio na FMSS, explica que as Mesas serão espaços de aprendizagem permanente para as escolas que forem beneficiadas pelo projeto. "Elas vão funcionar como uma sala de professores, com recursos para que possam estudar, preparar aulas e trocar experiências". Cada uma das vinte Mesas instaladas será inicialmente compartilhada por cinco escolas. Em cada uma delas, uma pessoa treinada será responsável pelo desenvolvimento de atividades para capacitar professores e dirigentes, como seminários, estudos dirigidos e implantação e acompanhamento de projetos de melhoria das escolas.
Segundo Alceu Terra, a grande vantagem da franquia social é que a aprendizagem acontece de acordo com a realidade e o cotidiano das instituições, mas com a garantia do mesmo padrão de qualidade e de repasse de recursos iniciais para todas. A princípio, as Mesas serão montadas no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. Alessandra Schneider jutifica a escolha: "Queríamos uma resposta rápida do empresariado para a experiência-piloto e identificamos nesses estados essa possibilidade, até porque já mantemos relações com diversas empresas". Ela acrescenta que ainda existe a vantagem de a Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho ser vinculada à RBS, rede de comunicação do Sul, o que facilita a campanha de divulgação.
Outra ponto positivo das franquias é o fato de permitirem que a relação de dependência com o Fundo do Milênio diminua gradativamente. Os municípios que se candidatarem e forem escolhidos para ter uma Mesa Educadora vão se comprometer a buscar novos parceiros locais, como pequenos empresários. Estes parceiros formarão um Conselho Local Mantenedor que depois de dez meses deve seguir com seus próprios recursos, pois o Fundo abrirá novas Mesas em outros municípios. Também será responsabilidade do Conselho Local a escolha das entidades beneficiadas, de acordo com critérios como necessidade, potencial, região de atuação e público-alvo. Organizações que atendem regiões e crianças em situações mais vulneráveis terão preferência.
O programa vai escolher os municípios e as entidades beneficidas pelo programa por meio de editais que serão divulgados a partir de novembro, quando se encerra a fase de captação de recursos.
Campanha
Para fazer com que as empresas tomem conhecimento do programa e estimular a captação, o Banco Mundial, a Unesco e a FMSS vão lançar na próxima semana uma campanha de divulgação que será veiculada em canais de TV e emissoras de rádio. A campanha vai orientar as pessoas e empresas interessadas a acessarem o site do Fundo do Milênio para a Primeira Infância (www.fundodomilenio.org.br), que servirá como principal fonte de informações para a sociedade e será lançado no dia 23 de setembro.
Alessandra Schneider está confiante no sucesso da iniciativa: "Antes mesmo do lançamento já tínhamos seis empresas parceiras e no dia do evento a receptividade foi muito boa. Tenho certeza de que atingiremos a meta".
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