Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
Quem teve a idéia foi Arlindo Teles, dono da produtora Maga Multimídia: se produziam tantos programas, por que não produzir um voltado para as organizações sociais? Assim nasceu, em Pernambuco, há quase dois anos, o TV Solidária, um programa que dá voz e visibilidade não apenas a organizações do terceiro setor, mas também a discussões sobre temas de impacto social, como violência doméstica e desarmamento. O programa deu frutos e motivou a criação da Sinos – Organização para o Desenvolvimento da Comunicação Social.
O projeto começou a ganhar vida quando Arlindo apresentou a proposta à jornalista Aline Lucena, com quem hoje divide a direção do programa, e reuniu uma pequena equipe voluntária para colocar sua idéia em prática. A TV Universitária de Pernambuco cedeu um horário de meia hora aos sábados e em pouco tempo estava pronta a primeira edição do TV Solidária. Aline conta que as dificuldades iniciais foram muitas, principalmente em relação à produção. Era preciso conciliar atividades como saídas de reportagem e edição com a disponibilidade de transporte, cinegrafistas e equipamentos da produtora, que até hoje é a maior parceira do programa.
Outro problema enfrentado no início foi a dificuldade para buscar pautas, pois o programa ainda não era muito conhecido e o enfoque das matérias se limitava ao trabalho de organizações assistenciais, como abrigos e creches. Aos poucos, diz Aline, a equipe, em vez de procurar, passou a ser procurada pelas organizações, à medida que o trabalho foi tomando maiores proporções e ganhando credibilidade.
Ampliando horizontes
Quando o TV Solidária estava com apenas seis meses de vida, Arlindo e Aline perceberam que o programa tinha um grande potencial e que poderia atingir um público maior, de maneira mais direta. O foco das edições passou a abranger as ONGs como um todo e priorizar temas mais amplos, como direitos humanos. A intenção era dar às organizações e às temáticas sociais um espaço que a mídia tradicional não oferece. Segundo Aline Lucena, a mídia, de forma geral, marginaliza os movimentos sociais, sem explicá-los: "Atacam sistematicamente o MST e os sem-teto, por exemplo, veiculando apenas fatos negativos, sem analisar o porquê da existência desses movimentos ou da necessidade da reforma agrária". Ela conta que o desejo de todos os envolvidos no programa era criar uma relação alternativa da comunicação com a população: "Queríamos trazer para a TV discussões sobre a problemática social de forma menos superficial, mais aprofundada, conscientizada e conscientizadora".
A jornalista diz que hoje a prioridade do programa é discutir e informar as pessoas sobre a realidade em que vivem, para que se sintam responsáveis, e fazer com que a população não apenas critique, mas exerça na prática essa responsabilidade social. Por isso, diz ela, as reportagens veiculadas apresentam temas variados de uma maneira crítica. O programa do último dia 20, por exemplo, exibiu, entre outras coisas, um editorial a respeito do desarmamento, uma reportagem que tratava da violência doméstica contra a mulher e outra sobre um projeto de reflorestamento que uniu o poder público e a sociedade civil. Todas as matérias mostraram não apenas os problemas, mas suas causas e conseqüências e como as pessoas podem fazer algo para mudar aquela realidade.
A experiência mostra que estão no caminho certo. A maior parte das organizações e projetos apresentados no TV Solidária teve retorno quase imediato e recebeu apoio de maneiras diferentes: trabalho voluntário, doações e patrocínio, entre outras. Prova maior aconteceu há duas semanas, quando foi ao ar uma reportagem que abordava a violência contra idosos. Aline conta que no mesmo dia o Ministério Público de Pernambuco recebeu diversas denúncias: "O promotor ligou para nos parabenizar e se disse impressionado porque as denúncias partiram de pessoas das comunidades mais carentes de Recife, que viram o programa".
Segundo Aline Lucena, este tipo de retorno é um grande estímulo para seguir adiante e desfaz o mito generalizado de que as pessoas de comunidades de baixa renda não gostam de programas que tratam de assuntos sérios. "Se a pessoa se acostuma a uma linguagem pobre, rasa, só vai gostar disso. Mas se colocarmos informações e conhecimentos de uma forma agregadora, ela vai se interessar", afirma.
Informar sem subestimar
Por isso a linguagem utilizada no TV Solidária é tema de um debate constante entre os membros da equipe. De acordo com a jornalista, existe a preocupação de adaptar os assuntos abordados para uma linguagem televisiva, mas sem cair no vício de falar fácil e superficialmente. "Queremos que o seu João entenda do que estamos falando, mas não vamos subestimar o interesse e nem a inteligência dele", diz. E acrescenta: "se temos que dizer ‘empoderamento feminino’, vamos dizer, e explicar no decorrer da matéria o que isso significa".
Aline acrescenta que a intenção é trazer as discussões sociais para o cotidiano das pessoas, para que passem a tratá-las com naturalidade, como parte de sua realidade: "Queremos que liguem a televisão e, ao ouvir falar sobre direitos humanos, saibam o que é isto. É preciso que estes assuntos deixem de ser vistos como algo que diz respeito só a quem está envolvido com o terceiro setor". Segundo a jornalista, as entidade sociais são isoladas e enfrentam falhas de comunicação.
Na sua opinião, a televisão é um instrumento eficaz para evitar este isolamento: "A TV tem um poder muito grande de transformar pessoas e situações comuns em astros e grandes acontecimentos. Então, por que não usá-la para mostrar o trabalho dessas organizações, que já é grandioso por si só, por sua importância social?". Para ela, o mais importante é que as pessoas saibam que existem soluções e que há um terceiro setor que busca resolver os problemas sociais.
ONG Solidária
Os ideais de Arlindo e Aline acabaram se tornando maiores que o TV Solidária. Por isso, paralelamente à reformulação do programa, a equipe se reuniu para discutir a criação da Sinos - Organização para o Desenvolvimento da Comunicação Social. A ONG acompanhou a discussão mundial sobre a utilização da mídia como instrumento de transformação social e da comunicação como um direito humano e fez dessa a sua principal missão.
Formalmente constituída, a Sinos obteve diversas conquistas, como apoio de patrocinadores e organizações com as quais trabalha em parceria. Além disso, a equipe, mesmo sendo ainda voluntária, aumentou de tamanho e conta com um cinegrafista exclusivo. A organização, hoje, também tem seu próprio espaço e não é mais tão dependente da Maga Vídeo, embora esta continue sendo sua maior parceira e financiadora. A meta é conseguir mais apoio para que a Sinos seja capaz de sustentar suas atividades e adquirir equipamentos próprios.
Segundo Aline Lucena, que assumiu a coordenação executiva da organização, o objetivo é trabalhar em todas as áreas da comunicação. Mesmo curto, o tempo de existência da Sinos já foi suficiente para ampliar os trabalhos e diversificar os campos de atuação, embora a maior parte dos projetos ainda esteja em desenvolvimento. Novos quadros estão sendo desenvolvidos para serem exibidos no TV Solidária, como um sobre os direitos da mulher. O programa, atualmente, apresenta uma vez por mês o Documenta Jovem!, com vídeos realizados por adolescentes capacitados por organizações da sociedade civil. Aline conta que a Sinos pretende abrir um programa de capacitação audiovisual tão logo tenha recursos para isso.
O TV Solidária agora faz parte do programa Mídia Social, que inclui ainda a produção de um programa de rádio, um jornal impresso e documentários para outras organizações, além do Olhar e Ver – ensaios fotográficos sobre temas sociais. O primeiro ensaio foi o "Sem Terrinha", que registrou o cotidiano das crianças do Movimento dos Sem Terra de Pernambuco e participou de várias exposições no Brasil e exterior.
Além disso, a organização colhe outros frutos. A Sinos foi convidada a compartilhar sua experiência em congressos e palestras em vários estados do Brasil. O programa TV Solidária, que está sendo exibido pela TV Comunitária de Maceió (AL) há seis meses, também recebeu propostas da Paraíba e vai ser, pela terceira vez, tema de trabalhos de universitários de comunicação de Pernambuco.
Por tudo isso, a credibilidade, a legitimidade e o espaço que a Sinos conseguiu são considerados por Aline Lucena a maior conquista da organização. "Estamos realizando um sonho coletivo de luta para que a comunicação seja um direito humano respeitado. Estamos construindo isso. Ainda faltam muitos passos, mas temos certeza de que estamos no caminho certo", afirma.
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