Autor original: Mariana Abreu
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
"Quem conhece de verdade uma favela logo percebe que o discurso geral da sociedade, que a associa somente ao tráfico e à violência, é muito pobre. A favela produz mais do que isso, é muito mais rica do que se imagina". A opinião é de Diógenes Pinheiro, professor da Unirio e pesquisador do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro (OF/RJ). A partir desta afirmativa, ele traduz um dos principais objetivos do novo projeto de pesquisa do OF, "O Fenômeno de Favelização da Cidade do Rio de Janeiro": romper com o preconceito e a visão estereotipada que a sociedade tem da favela.
O Observatório de Favelas foi criado há cerca de dois anos para estudar espaços populares, formar profissionais capazes de lidar com o fenômeno, especialmente gente da própria comunidade, e criar redes de articulação para transformação social destes espaços. O novo projeto de estudo, por sua vez, surgiu a partir da constatação de que o material publicado sobre as favelas a partir dos anos 90 trata de algum aspecto específico, como violência, ou aborda de forma geral uma única comunidade. Segundo Jaílson de Souza e Silva, professor da UFF e coordenador do OF e do projeto, o que falta é uma análise integrada sobre os espaços populares.
A pesquisa pretende suprir esta carência e unir o conhecimento acadêmico à intervenção social, ao transformar os dados colhidos em ações sociais concretas. Assim, se o mapeamento mostrar número reduzido de universitários em uma determinada comunidade, o grupo que lá atua poderá se empenhar na criação de um pré-vestibular comunitário. Os dados levantados na pesquisa também ajudarão na formação de políticas públicas para as favelas. Isto porque, segundo Diógenes, normalmente os programas voltados para estas comunidades pecam justamente por desconhecê-las. Ele diz que muitas vezes são mal-direcionadas, pois os recursos não são usados para quem mais precisa, o que torna o impacto bem menor do que poderia ser. "Poderemos levar os dados levantados ao poder público e mostrar o que funciona, onde dá certo e onde está sendo mal-direcionado", diz o professor.
Um diferencial marcante no projeto é o fato de os pesquisadores escolhidos serem universitários moradores das próprias comunidades pesquisadas. Diógenes Pinheiro lembra que, de uma maneira geral, pesquisadores não fazem parte das comunidades que estudam. "Assim não há reflexão por parte de quem é objeto de estudo. Queremos que essas pessoas também se transformem em atores de transformação social e que haja esta reflexão por parte delas", explica. Por esta razão um dos critérios para a escolha dos universitários foi que tivessem algum envolvimento comunitário anterior, o que funciona para facilitar a identificação e inserção junto à comunidade.
Diógenes acrescenta outro aspecto importante do projeto: "Queremos criar uma identidade cultural para as comunidades e um sentimento de pertencimento nos moradores, tanto em relação à favela como à sociedade". Segundo Rosângela Santos, que faz pós-graduação na UFF, é pesquisadora e moradora da Vila Kennedy, na zona oeste do Rio, criar esta identidade é de extrema importância. "Vimos que a maioria dos jovens quer entrar para a faculdade só para ganhar dinheiro e sair daqui. Não há o entrosamento com a comunidade. Eles não têm aquela visão de lutar para melhorar e transformar o local onde vivem". Segundo ela, com as reuniões que estão sendo feitas, alguns estão se conscientizando a este respeito: "ainda é uma minoria, mas já é um começo".
A diferenciação entre favela e sociedade é outro conceito que a pesquisa quer combater. Segundo Jaílson, é preciso entender que as favelas têm um papel importante na constituição da cidade, reconhecer que fazem parte dela e desta forma romper com o conceito errôneo de "cidade partida". Diógenes completa, afirmando que a favela não está à margem e faz parte da cidade como outro bairro qualquer, apenas com suas características diferenciadas.
O projeto é tão plural quanto as comunidades que pretende estudar e se desmembra em quatro frentes que resultarão em livro, banco de imagens populares, seminário e filme documentário. O livro, na definição de Jaílson de Souza, é "um trabalho acadêmico em linguagem para leigos" e aborda por meio de diferentes linguagens - fotos, falas de moradores, charges - a favelização desde o início do século XX até seus futuros possíveis. Para ajudar na reflexão sobre estes assuntos, acontecerá o seminário "Os futuros possíveis das favelas da cidade do Rio de Janeiro", no início de outubro, a fim de debater os temas a partir de diferentes pontos de vista, como de pesquisadores e lideranças locais.
Depois do seminário, as próximas iniciativas a ficarem prontas serão a página www.observatoriodefavelas.org.br e o banco de imagens populares, que devem ser lançados na primeira quinzena de outubro. O fotógrafo Luiz Roberto Ripper está documentando o cotidiano das comunidades para mostrar que nelas existe muito mais que violência. Segundo Diógenes Pinheiro, o fotógrafo vai captar a beleza existente na estética, na solidariedade e no dia-a-dia da favela: "Tenho certeza que as imagens vão surpreender muita gente e causar um grande impacto", afirma.
Ao final do estudo, que deve seguir até o início do ano que vem, a intenção é que se forme uma rede que leve o saber acadêmico para dentro da favela. "Se um jovem chegou à universidade, por que seguir uma trajetória individual? Queremos que haja troca, mostrar que outros também podem seguir esta trajetória", pondera Diógenes.
O professor acrescenta que o objetivo é que a rede ultrapasse o grupo dos universitários e dê subsídios para as vozes da favela. "Nas comunidades há sempre vozes comunitárias qualificadas, mas que são desconsideradas, em razão do preconceito, dos estereótipos e do discurso de coitadinhos sobre os moradores", diz. A pesquisa pretende acabar com este discurso e também promover um diálogo mais rico, de igual para igual entre as comunidades e o Estado. "Quando formos falar com o poder público, estaremos embasados com informações concretas e poderemos mostrar que dentro das comunidades há opiniões qualificadas, sim".
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