Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Até o início da semana passada, pelo menos cinco unidades de conservação estavam sendo destruídas por incêndios. Em uma delas, o Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, mais de 15 mil hectares de vegetação foram consumidos pelas chamas. O combate ao fogo era feito com muita dificuldade, devido à grande extensão territorial das áreas de reserva, em contraste com o número reduzido de brigadistas.
Ocorrências desse tipo não são incomuns. Agravadas por períodos de seca, por queimadas e ações criminosas e pela falta de recursos para a administração adequada de áreas tão extensas, repetem-se com alguma freqüência e demonstram a fragilidade de um imenso patrimônio. Cláudio Maretti, vice-presidente para a Região Brasil da Comissão Mundial de Áreas Protegidas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), aponta três problemas básicos na gestão das unidades de conservação: o isolamento, a falta de capacitação e o orçamento modesto.
“Essas áreas costumam ser tratadas como algo isolado, separado da sociedade”, critica. “São afastadas do eixo do crescimento para serem protegidas, quando deveriam ser integradas às comunidades, proporcionando o desenvolvimento sustentável. Além disso, o pessoal é pouco capacitado. A gente percebe um esforço enorme dos funcionários públicos, que muitas vezes arriscam suas vidas para defender os parques, mas o fato é que lhes falta capacitação para essas tarefas. Por fim, o orçamento. Eu costumo brincar, dizendo que nós temos 1% do 1%. Isso porque o orçamento para o meio ambiente é, normalmente, 1% de todo o orçamento federal. Da mesma forma acontece nos estados. Desse 1%, a maior parte vai para outras áreas e principalmente para as capitais. O que sobra para as unidades de conservação é algo também em torno de 1%”, lamenta.
Para Maria de Lourdes Nunes, vice-presidente da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação e gerente técnico-administrativa da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, a questão do isolamento das áreas protegidas sempre foi utilizada de forma pejorativa em relação às unidades de conservação. “As UCs são entendidas como ilhas de isolamento, pois para muitos caberiam a elas todas as soluções dos problemas encontrados ao redor, sejam de saúde, educação, saneamento ou emprego”, analisa. Ela, no entanto, levanta duas questões básicas para tentar esclarecer o assunto: “A primeira é que as áreas são criadas, sim, como resposta à sociedade, à degradação desenfreada que ocorre nos ambientes naturais. Não são as responsáveis pelos problemas existentes, mas vítimas, também, desse processo. A segunda é que a sociedade, de uma forma geral, ainda não está pronta para defender o interesse coletivo acima do individual. Também temos que lembrar que a maioria das áreas protegidas sofre dos problemas crônicos de falta de gente e recursos financeiros, o que faz com que não consigam ainda desenvolver todas as atividades que deveriam desenvolver”.
As dificuldades são muitas. Na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, por exemplo, apenas 13 agentes ambientais voluntários (recrutados nas próprias comunidades locais) e quatro guarda-parques fazem a fiscalização de mais de um milhão de hectares. Eles recebem treinamento do Ibama e passam por uma avaliação a cada dois meses. Andréa Pires, diretora de Alternativas Econômicas do Instituto Mamirauá, responsável pela gestão da reserva, considera crítico o problema da fiscalização. “Existem várias ameaças: invasões, problemas fundiários e de licenciamento de atividades”, preocupa-se. “As UCs demandam investimentos para garantir o manejo sustentável e a fiscalização, mas a maior parte dos financiamentos dura cinco anos e os custos de implementação dos programas de manejo são muito grandes”.
O problema da capacitação foi abordado em vários seminários do Congresso Mundial. A IUCN já está propondo a criação de uma rede institucional de capacitação, juntando o Ibama e organizações da sociedade civil. “Temos o apoio verbal de várias organizações, e algumas já praticam isso, como a Fundação O Boticário e o Instituto Estadual de Florestas, de Minas Gerais. Outras já manifestaram interesse em participar dessa rede”, diz Maretti. “Nosso escritório para a América do Sul está buscando recursos para implementar a proposta e o próximo passo será elaborar um projeto executivo”.
Quanto ao desenvolvimento sustentável, existe hoje praticamente um consenso de que é fundamental desenvolver atividades ao redor das unidades de conservação, como parte do próprio programa de manejo. Porém, aconselha Maria de Lourdes, é preciso esclarecer qual a ênfase dessa atividade. “Não se pode trabalhar apenas com o entorno e esquecer da área em si, que possui outros objetivos. Também é preciso lembrar que existem distintas categorias de manejo, quer sejam mundiais, quer nacionais, e para cada uma dessas são destinados objetivos específicos, alguns primários e outros secundários, que devem ser respeitados”, pondera. Com base nessa definição, acrescenta, é que as atividades prioritárias devem ser indicadas. “É preciso deixar claro que o papel do gerente da unidade, ou de seus representantes, é muito mais de articulação da sociedade do que de execução”, adverte. “A unidade deve, sim, servir de interlocutora e conseguir trazer o maior número de pessoas e instituições, e cada uma deve cumprir seu papel”.
Meta superada
Existem no Brasil mais de 250 unidades de conservação – dados do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) –, além de 617 reservas particulares (segundo o Instituto Socioambiental). De acordo com a Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, as unidades de conservação – conhecidas como UCs – são áreas permanentes de proteção da biodiversidade que devem manter um conjunto representativo ou único de aspectos naturais considerados relevantes. Elas se dividem em Unidades de Proteção Integral (nas quais os ecossistemas devem ser preservados em seu estado natural, com um mínimo de alterações, sendo admitido apenas o uso indireto dos recursos existentes) e Unidades de Uso Sustentável (onde se admite a exploração de parte dos recursos disponíveis, conciliando preservação da biodiversidade e uso sustentado). No primeiro caso encontram-se Estações Ecológicas, Reservas Biológicas, Parques Nacionais, Monumentos Naturais e Refúgios de Vida Silvestre. No segundo, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico, Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna, Reservas de Desenvolvimento Sustentável e Reservas Particulares do Patrimônio Natural.
Em setembro, na cidade de Durban, na África do Sul, a importância, a articulação e a função dessas áreas foram discutidas no V Congresso Mundial de Parques, organizado pela IUCN – organização que reúne mais de 70 governos nacionais, 100 agências governamentais e cerca de 750 organizações não-governamentais de todo o mundo. O tema do evento, que é realizado a cada dez anos, foi “Benefícios além das fronteiras”.
Este ano, em um balanço dos objetivos traçados na edição anterior, uma conclusão foi positiva: a meta de garantir a proteção de pelo menos 10% do planeta foi superada. “Hoje estamos com 12%, o que representa aproximadamente 100 mil UCs espalhadas pelo mundo”, anuncia Cláudio Maretti. Ele, porém, faz uma ressalva: “Nem todos os ecossistemas estão bem protegidos, sobretudo o mar, as regiões costeiras e zonas consideradas menos nobres, como lagos e áreas de água doce”.
A crítica de Maria de Lourdes é semelhante: “Embora tenha havido um incremento no número e na extensão das áreas protegidas, isso ainda é insuficiente diante da diversidade de ambientes encontrados em todo o mundo, devendo-se destacar a baixíssima representatividade das áreas protegidas marinhas, um dos ambientes de maior extensão no mundo, mas, contraditoriamente, o menos protegido”.
Do que foi debatido no Congresso, alguns pontos podem ser destacados. Os incêndios florestais, por exemplo, estiveram em pauta: um programa voltado para a prevenção a essa ameaça será desenvolvido em breve pela IUCN, em parceria com as organizações The Nature Conservancy e WWF.
Também foram enfatizados aspectos que dizem respeito à gestão e ao controle de resultados. “Além de criar áreas de proteção, é preciso ter recursos e é fundamental que haja boa governança”, diz Maretti. “A grande conclusão do evento foi que já estamos em um novo modelo de gestão de áreas protegidas. Um dos pontos seria o aspecto da prestação de contas, da conduta ética, da avaliação da própria efetividade dessas áreas. E a construção de novas formas de gestão compartilhada, seja com o governo ou com organizações não-governamentais”. Sobre mecanismos de controle, Maretti conta que foi discutida a possibilidade de uma certificação como forma de analisar se os objetivos estão sendo atingidos dentro de cada categoria de manejo. “Os governos reagiram negativamente, consideraram que seria uma interferência indevida”, revela. “Vamos começar pelas áreas de reserva particulares”.
Direito de todos
Os problemas das unidades de conservação brasileiras dificilmente serão resolvidos sem uma orientação política séria para gestão de áreas protegidas, aliada a uma conscientização cada vez maior da população sobre a importância desse patrimônio. “As UCs desempenham um papel fundamental para garantir a nossa qualidade de vida e das futuras gerações ante o processo generalizado de destruição ambiental que o atual modelo de desenvolvimento gera”, afirma Maria de Lourdes. “Cabe a todos nós, cidadãos brasileiros, defender as unidades de conservação, sejam de proteção integral ou de uso sustentável, e exigir dos nossos representantes públicos que a lei seja cumprida”.
A lei a que ela se refere é a própria Constituição, que diz, em seu artigo 225: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
* Para esta reportagem, procuramos ouvir algum representante do Ministério do Meio Ambiente. Tentamos, sem sucesso, contato com o secretário de Biodiversidade, João Paulo Capobianco; com o diretor de Áreas Protegidas, Maurício Mercadante; e com a coordenadora para a Amazônia, Mary-Helena Alegretti
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