Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Serviços de interesse para o terceiro setor
Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), toda criança tem o direito à convivência familiar e comunitária. Na prática, porém, nem sempre isto acontece. Segundo a organização Aldeias Infantis SOS, vem crescendo significativamente o número de jovens em abrigos e instituições de longa permanência, afastados definitivamente de suas famílias em decorrência de abusos. Nesses casos, o ECA determina a colocação em uma família substituta, por meio de adoção, guarda ou tutela. O problema é que muitas crianças e jovens - principalmente os negros, ou maiores de cinco anos ou que tenham irmãos - são rejeitados por não corresponderem ao perfil desejado pela maioria das pessoas dispostas à adoção. "A lei é maravilhosa, mas infelizmente deixou de lado o caso da criança que não tem o privilégio de ser bonita, vistosa", diz Luiza Dias, diretora nacional da Aldeia SOS.
Para buscar alternativas que possam reverter este quadro, a organização vai realizar em outubro, na cidade de São Paulo, o I Congresso Internacional sobre o Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária. O objetivo é debater a construção de políticas eficazes que assegurem às crianças esse direito. Ao propor para a sociedade civil e o poder público esta discussão, a Aldeia SOS pretende colocar em pauta a real situação das crianças que continuam vivendo dentro de instituições sem ter seus direitos fundamentais respeitados. Luiza Dias alerta para o perigo da "institucionalização" da criança. "O maior problema dos jovens que vivem em instituições é que acabam sendo rotulados como massa. Quer dizer, ao tratá-los como massa, deixa-se de fazer o trabalho com o indivíduo. Temos que acabar com isso."
Durante os dois dias do evento, 21 e 22 de outubro, conferências e palestras vão abordar como temas principais o direito à convivência familiar e comunitária, a desestruturação das famílias, políticas públicas para prevenção e erradicação do abandono e também a institucionalização de crianças. Mais do que o debate, o congresso pretende buscar saídas transformadoras, que resultem em ações concretas e na construção de políticas eficazes. Para isso foram criadas quatro oficinas de trabalho, correspondentes aos temas principais, onde debatedores convidados e participantes inscritos vão discutir e elaborar propostas alternativas. O objetivo, segundo a diretora da Aldeia SOS, é sair do congresso com um protocolo de intenções e ações concretas: "não adianta mobilizar sem partir para a ação", diz ela.
Luiza acrescenta que as propostas devem se basear em duas situações distintas: a das crianças que se encontram em estado de abandono total e não podem voltar a viver com suas famílias e a das que ainda têm esta possibilidade. Para as primeiras, é preciso criar um modelo de família substituta, como faz a Aldeias Infantis desde 1967 no Brasil. O trabalho da organização será apresentado no final do Congresso, para que possa ser ampliado e também servir como referência para outras organizações.
Nas "aldeias", em cada lar uma mãe social e até nove filhos recriam o ambiente e a estrutura familiar e constroem vínculos afetivos que não tiveram em suas famílias de origem. A experiência muda completamente a perspectiva de vida desses jovens. A história de Eneldilson Santos confirma: ele viveu dos 10 aos 17 anos na aldeia de Brasília. Ao sair, cursou a faculdade de Direito e hoje, aos 32 anos, é procurador do Banco Central. "A aldeia foi essencial pra mim, pois me proporcionou a estrutura material e psicológica que me ajudou a vencer na vida", diz Eneldilson.
A outra frente das propostas que a Aldeias pretende levar para o congresso é voltada para as crianças que ainda têm condições de permanecer com suas famílias. Neste caso, a diretora da ONG diz que o mais importante é a criação de programas de desenvolvimento familiar e prevenção de abandono. Luiza explica que não se pensa em assistencialismo e que as ações devem ser realizadas na própria comunidade. As prioridades serão educação, saúde e profissionalização para o desenvolvimento de toda a família. A Aldeias SOS possui programas-piloto na Paraíba, na Bahia e no Rio. Nas comunidades, os próprios moradores ajudam a transformar espaços populares em centros sociais, com educadores voluntários, e criar lares sociais, onde as crianças passam o dia em atividades esportivas e educativas.
Luiza Dias admite que o trabalho a ser feito é muito amplo e a expectativa é alta, mas confia no sucesso desta empreitada. A mobilização em torno do congresso é grande e o maior problema até agora é na verdade uma satisfação: falta espaço para todos os interessados em participar. Luiza está feliz com a perspectiva do evento: "Este não é o projeto de uma pessoa ou de uma organização: é o projeto de uma sociedade", diz.
O I Congresso Internacional sobre o Direito da Criança e do Adolescente à Convivência Familiar e Comunitária vai acontecer nos dias 21 e 22 de outubro, na Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado, na Avenida da Liberdade, nº 532, em São Paulo (SP). As inscrições são gratuitas. Quem quiser participar pode obter a programação completa do evento e outras informações na página das Aldeias Infantis SOS (www.aldeiasinfantis.org.br) ou pelo telefone (11) 5594-8188.
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