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Para enxergar a cidadania

Autor original: Mariana Abreu

Seção original: Serviços de interesse para o terceiro setor

Juliana Morgado tem 19 anos e enxerga muito pouco: tem 30% de visão, apenas no olho direito. Isso não a impede de ser uma jovem ativa: estuda programação de computadores e faz curso pré-vestibular, entre outras coisas. As pessoas que, como Juliana, possuem até 30% da visão normal (com ajuda de óculos especiais), são consideradas portadoras de baixa visão. Segundo o Vidi - Instituto para Visão e Desenvolvimento, elas representam significativos 75% da população com deficiência visual no Brasil e têm os mesmos direitos que os deficientes visuais totais, como gratuidade em ônibus e metrô. Esses direitos, no entanto, são ignorados por boa parte das pessoas que podem exercê-los. Foi este desconhecimento que levou o instituto a elaborar o Guia para o Cidadão com Deficiência Visual.


"As pessoas com baixa visão se reconhecem como deficientes visuais, mas não sabem que a lei lhes garante os mesmos benefícios daqueles que perderam totalmente a capacidade de enxergar", diz Silvia Veitzman, oftalmologista e superintendente do Instituto Vidi.


O manual esclarece dúvidas sobre baixa visão e suas principais causas. Também traz orientações sobre as leis e a quem recorrer para garantir direitos em aspectos como acesso à educação, garantia de trabalho, participação em concursos públicos, crimes contra as pessoas com deficiência, benefício assistencial e transporte.

Segundo Silvia, um dos direitos mais básicos - o de estudar em uma escola comum - muitas vezes não é respeitado por pura falta de informação. "As escolas alegam não estarem preparadas, mas as crianças com baixa visão não precisam de nada tão extraordinário. Elas enxergam o quadro negro, por exemplo. Precisam no máximo sentar na frente da sala", diz a oftalmologista.

O que mais falta é mesmo informação. A maioria dos familiares não sabe que eles também têm benefícios. Se uma mãe precisa levar o filho com deficiência visual à escola ou a uma consulta médica, por exemplo, tem direito ao passe livre tanto quanto a criança.

Foi pensando em melhorar o conhecimento sobre detalhes como esse que o Instituto Vidi fez a publicação. A principal preocupação é fazer com que as pessoas não só conheçam a legislação, como também entendam o que ela garante na prática. Como no Brasil não existe um estatuto específico que concentre as leis de proteção às pessoas com deficiência visual, a Veirano Advogados - parceira no projeto, assim como o programa CitiEsperança, do Citibank - fez um levantamento das leis federais, estaduais e municipais, para reuni-las em uma única fonte. Em seguida, a equipe do Vidi entrevistou pessoas com alto grau de deficiência para mostrar, a partir de situações vividas por elas, como se podem garantir os direitos no dia-a-dia, em uma linguagem bem simples.

A cartilha, além de esclarecer o que é baixa visão e quais os direitos das pessoas com deficiência visual, apresenta um guia de serviços onde podem ser encontrados endereços de centros de apoio pedagógico, instituições que atendem pelo SUS, entidades que realizam trabalhos de reabilitação e locais de atendimento do Ministério Público Federal e do Trabalho em todos os estados brasileiros.

De acordo com Silvia Veitzman, a magnitude do problema no Brasil é desconhecida, apesar de, nos últimos anos, vir crescendo a atenção dada à questão. A importância da divulgação de informações sobre o assunto pode ser percebida quando se lembra que a Organização Mundial de Saúde instituiu o tratamento da baixa visão como forma de prevenção da cegueira. Estima-se que no Brasil aproximadamente 4% da população infantil pobre têm algum problema de visão irreversível. Entre esses casos, 60% são lesões graves que, se não forem detectadas cedo, podem levar até mesmo à perda total da visão. Entre a população carente, o problema não é percebido com rapidez porque o acesso aos cuidados básicos de saúde é precário e os pais, em geral, não recebem orientação adequada.

A falta de preparo, aliás, pode ser percebida também nos postos de atendimento listados no guia. Voluntários do Instituto Vidi fizeram um teste prático em alguns destes locais, em São Paulo, percorrendo os caminhos necessários para se obter os benefícios. Juliana Morgado foi uma dessas pessoas e testou, entre outras coisas, o processo para renovação da carteira especial para deficientes, usada em ônibus. Ela conta que, como a maioria dos serviços testados, este foi reprovado pelo excesso de burocracia. No total, Juliana teve que comparecer sete vezes ao posto autorizado e levou quase três meses para conseguir a renovação: "só para receber a senha para marcar hora com a assistente social eu fiquei na fila três dias, no último dia precisei chegar às cinco da manhã!", conta. Para piorar, em São Paulo o metrô e cada uma das empresas de ônibus têm uma carteira diferente. Ou seja, Juliana teria que percorrer o mesmo caminho várias vezes se precisasse utilizar o metrô ou linhas de ônibus de mais de uma empresa.

Os testes mostram que ainda é preciso melhorar muitas coisas e o guia é uma das ferramentas para este processo. "Nós fomos além da pesquisa jurídica porque se parássemos por aí o guia não surtiria o mesmo efeito. É essencial que os serviços estejam disponíveis, mas a pessoa com baixa visão também precisa fazer a sua parte, exigindo que seus direitos sejam cumpridos. Nós criamos a cartilha para que sirva como um instrumento que possibilite este exercício de cidadania", conclui Silvia Veitzman.

O Guia para o Cidadão com Deficiência Visual pode ser solicitado ao Instituto Vidi pelos telefones (11) 287-9217 e (11) 288-9083 ou através do correio eletrônico ividi@ig.com.br. O material é gratuito para pessoas com baixa visão, familiares ou instituições que trabalhem com este público. Profissionais e pessoas interessadas podem comprá-lo por R$ 30. O valor servirá para custear novas publicações do Instituto.


Mariana d' Abreu

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