Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original:
Fundação Banco do Brasil e Fundação Getúlio Vargas*
As chamadas pessoas portadoras de deficiência (PPDs) possuem limitações físicas, sensoriais ou mentais que muitas vezes não as incapacitam, ou provocam desvantagens para determinada atividade, mas geram inferioridades individuais e coletivas. Essas deficiências sociais se apresentam como desvantagens cruciais, uma vez que estereótipos e discriminações impedem que a pessoa com deficiência tenha vida normal em sociedade. Uma das principais fontes de preconceitos é a desinformação existente acerca das dificuldades, anseios e potencialidades deste grupo da população.
Esta monografia traçou um retrato sem retoques do universo das pessoas com deficiência, estabelecendo diagnósticos e propondo alternativas de políticas de inclusão social a serem implementadas, passando por diferentes canais de inserção como escola, saúde, família, transferências de renda, até a sua inclusão trabalhista, anseio dos cidadãos em geral. O leitor está convidado a explorar a base de dados disponibilizada que contém bancos de dados com estatísticas, leis e referências bibliográficas de forma a permitir a cada um desenhar os seus próprios quadros das pessoas com deficiência. De acordo com os nossos parceiros da Fundação Banco do Brasil, retratos são não só formas de revelar as pessoas deste segmento, como visam retratar essas mesmas pessoas, no sentido de corrigir atitudes, ações e tratos da sociedade para com elas.
Apresentamos inicialmente uma sucessão de retratos das pessoas com deficiência desde antes da libertação dos escravos no século XIX até o limiar do século XXI. Preservamos no texto os termos originais utilizados em cada levantamento, alguns podem parecer inadequados desde uma perspectiva atual. Dos inquéritos domiciliares de 1872 e de 1900 ao Censo de 1920 investigou-se os cegos e os surdos-mudos. O Censo de 1940 procurou ainda contemplar a origem dessas deficiências sensoriais. A PNAD de 1981 abrange um universo maior de deficiências o que foi acompanhado pelo Censo de 1991. Quando cerca de 1,15% da população brasileira era de pessoas com deficiência, número próximo dos 1.78% obtidos em 1981. Já em 1998, segundo a PCV da Fundação Seade, cerca de 1,03% dos paulistas possuíam incapacidade e 5,56% apresentavam alguma dificuldade de audição, visão ou locomoção.
O Censo de 2000 incorporou não apenas uma maior variedade de tipos de deficiências, como seus respectivos graus, chegando ao universo de 14.5% de pessoas com deficiência na população, distribuídos da seguinte forma: deficiência mental (11,5%); tetraplegia, paraplegia, ou hemiplegia (0,44%); falta de um membro ou parte dele (5,32%); alguma dificuldade de enxergar (57,16%); alguma dificuldade de ouvir (19%); alguma dificuldade de caminhar (22,7%); grande dificuldade de enxergar (10,50%); grande dificuldade de ouvir (4,27%), grande dificuldade de caminhar (9,54%); incapaz de ouvir (0,68%); incapaz de caminhar (2,3%) e incapaz de enxergar (0,6%).
Ao restringimos o foco de análise às incapacidades sensoriais, de acordo com o Censo de 2000, mensuramos taxas de incapacidades visuais (0,1%) e auditivas (0,12%) em patamares inferiores aos da maioria dos levantamentos anteriores: 1991, 0,1% de cegos e 0,095% de surdos; 1981, 0,148 de cegos e 0,232% de surdos; 1920, 0,3% de cegos e 0,26% de surdos; 1900 (0,19% de cegos e 0,07% de surdos- mudos); e 1872, 0,16% de cegos e 0,12% de surdos-mudos. Esta diferença pode ser creditada não só às mudanças dos instrumentos de coleta da população e a própria mutação da percepção da sociedade do conceito de deficiências sensoriais.
Como estratégia, analisamos complementarmente ao universo de pessoas com deficiência do Censo apenas aqueles que possuem limitações mais severas, convencionados aqui como pessoas perceptoras de incapacidade (PPIs) isto é, indivíduos com pelo menos alguma incapacidade de andar, ouvir ou enxergar, deficientes mentais, paraplégicos, falta de membro ou parte dele , deixando de fora as demais PPDs. Quando avaliamos o universo de pessoas com percepção de incapacidade, esse corresponde a 2,5%, um percentual mais próximo daquele obtido em levantamentos anteriores. As relações das PPDs com educação, ocupação, posição na família, dentre outras, encontradas na literatura anterior, não foram, de maneira geral, corroboradas pelo conceito de PPD desse novo inquérito domiciliar.
Agora, quando se excluiu os indivíduos com alguma ou grande dificuldade, ou seja, quando considerados apenas o universo das PPIs diminui a heterogeneidade e se produz uma aproximação com os resultados empíricos previamente encontrados na literatura. E cerca de 27% das pessoas com deficiência não têm nenhum nível de instrução, número esse que se aproxima ao obtido entre a população em geral (25%). Entretanto, quando avaliamos somente o grupo de PPIs, esse percentual aumenta para 42,5%, evidenciando que a representatividade das pessoas com percepção de incapacidade entre os analfabetos está em maior conformidade com a literatura técnica e às expectativas do cidadão comum.
O Censo de 2000 ao incorporar neste universo as pessoas com alguma ou grande dificuldade de caminhar, enxergar ou ouvir, multiplicou por 12 a participação das pessoas com deficiência face aquela observada no Censo de 1991. O novo número oficial de PPDs acabou por incorporar grande parte da população idosa, uma vez que dificuldades funcionais tendem a acompanhar o processo natural de envelhecimento. A solução proposta é além do número oficial de PPDs, trabalhar com pessoas com percepção de incapacidades (PPIs). Em relação à taxa de deficiência, observa-se um crescimento contínuo à medida que os indivíduos envelhecem, mas um impacto menor sobre as incapacidades. Verifica-se que entre as pessoas com mais de 60 anos, a possibilidade de declarar alguma deficiência é de 49,64%, ao passo que esse número entre crianças de zero a quatro anos é de apenas 2,26%. Entretanto, quando se avalia as PPIs, constata-se que o acúmulo dos anos de vida estaria menos associado com o aparecimento de incapacidades do que as dificuldades apresentadas pelas PPDs. Uma evidência é que quando são avaliados apenas as PPDs com menos anos de vida, a participação de PPIs chega a 57%, enquanto que entre as PPDs com mais de 60 anos o percentual de PPIs é de 14,7%.
Na análise de correspondência aplicada a um amplo conjunto de atributos sócio-demográficos, comprovamos a tese identificando o “fator-idade” como determinante mais fundamental da posse de deficiência encontrado. Observou-se, por exemplo, que as pessoas sem deficiência e as PPIs têm perfis estatísticos de pessoas jovens e de idade mediana, respectivamente, ao passo que aquelas com alguma ou grande dificuldade de ouvir, enxergar ou caminhar apresentavam perfis das pessoas com idade mais avançada (inativos, chefes de família, viúvos e aquelas com mais de 50 anos).
A representatividade das PPIs aproxima-se daquela obtida em levantamentos anteriores sobre a deficiência no Brasil. Verificamos que o acúmulo dos anos de vida relaciona-se mais com a presença de deficiências do que de incapacidades. Essas últimas guardam menor associação com a idade quando comparadas com as deficiências do tipo “alguma ou grande dificuldade de ouvir, andar ou enxergar”, cuja relação com o avanço da idade tende a ser mais acentuada. Este ponto é mais do que uma curiosidade analítica: até 2025, mantidas as taxas de deficiência e incapacidades por faixa etária, as taxas agregadas devem atingir 18,6% e 3,01%, respectivamente, crescendo 30,6% e 19,3% em relação a 2000. O que está por traz deste cenário é o crescimento demográfico projetado de 69% da parcela da população acima com 60 anos até 2025. É preciso preparar adequadamente o acervo de políticas e práticas para os efeitos da transição demográfica e da onda de violência, hoje. A idéia é caminharmos em direção à igualdade, sendo preciso considerar a diversidade de necessidades especiais de cada um.
Diferentes bases de dados retrataram o passado e o presente das pessoas com deficiência, respondendo perguntas do tipo: quantos são, quem são, como vivem, aonde moram, quais são as suas necessidades entre outras? Em linhas gerais, observou-se que os instrumentos de coleta foram se aprimorando ao longo do tempo, o que permitiu abarcar um número maior de deficientes em seus diferentes tipos e graus de limitações. Outra novidade é que os indivíduos auto-avaliaram essas capacidades, considerando o uso de aparelhos auditivos, óculos, lentes de contato, próteses e bengalas. Isto permite dar maior ponderação ao fator econômico, captando indiretamente aquelas pessoas que detêm recursos para gastos com equipamentos corretivos da deficiência. Esta maior riqueza estatística facilitou a realização de um diagnóstico diferenciado para o grupo de PPDs.
O Censo Demográfico de 2000 também permitiu avaliar os estados, municípios e subdistritos com maior e menor incidência de pessoas com deficiências, avaliando características relacionadas a outros grupos do tema diversidade (afro- descendentes, mulheres, sem voto, sem escola etc.), ao acesso a ativos (moradia, serviços públicos, entre outros), fontes de renda (trabalho, benefícios previdenciários, etc.) e pobreza (número e gravidade). Em geral, observamos que as regiões cuja incidência de deficiência é acentuada os níveis de educação e renda também são baixos, ao passo que aquelas onde o registro é menor,observa-se o reverso. No subdistrito de Lago Sul, por exemplo, a taxa de deficiência é a menor do Distrito Federal e a educação média das PPDs chega a quase 11 anos, uma taxa bastante alta, ao passo que a renda média é de mais de R$3mil, sendo que a média nacional alcança R$600. A posse de deficiências de um lado, escolaridade e renda de outro, se mostraram inversamente correlacionadas.
No mapa das rendas verificamos que entre os indivíduos com incapacidade, as aposentadorias e pensões representam a principal fonte de renda (47%). Trata-se de um indicativo que este grupo é mais vulnerável e dependente de recursos do Estado quando comparado à população total e às pessoas portadoras de deficiência, cuja maior parcela da composição de rendimentos é proveniente do trabalho principal, ou seja, 75,3% e 61,5%, respectivamente. O resultado era esperado, pois as incapacidades são vistas como obstáculos para a inserção no mercado de trabalho e desse modo dificulta prover o próprio sustento.
Avaliando a questão da pobreza enquanto insuficiência de renda constatamos que: 32,02% da população brasileira têm renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo. Essa situação é mais grave no caso das pessoas com percepção de incapacidade, pois 41,62% vivem em situação de miséria. O que surpreende é que a taxa de miseráveis no caso das PPDs é inferior à da população total: 29,05%. Cabe lembrar que este resultado decorre em larga medida da própria atuação do Estado através de programas de transferência de renda no âmbito do Loas e do INSS. Quando analisamos pelo mapa de rendas, a participação das transferências mediadas pelo estado entre as PPDs situadas abaixo da linha da miséria chega a 31% contra menos de 6% dos miseráveis em geral.
O atributo ser portador de algum tipo de deficiência, ou incapacidade, tem uma contribuição baixa na desigualdade de renda familiar per capita 0,26% e 0,10% no caso das PPIs. Estes valores se situam em níveis bem inferiores ao poder explicativo da escolaridade: 36,6% e da idade 6,9%.
Analisamos também a distribuição espacial das PPDs e PPIs comparando indivíduos com as mesmas características observáveis (idade, renda, educação, etc) em diferentes áreas. Esta análise ajuda a identificar e guiar focos espaciais para ações de políticas especiais. Exemplo: num estado onde a população é jovem, um alto grau de deficiências também pode indicar a necessidade de políticas que evitem acidentes de trânsito, acidentes de trabalho e violência urbana. Complementarmente, observamos que homens brancos sem deficiência que moram nas mesmas UFs e em cidades de tamanhos similares pertencentes aos mesmos grupos de escolaridade e de idade iguais, apresentam diferenciais de salários cerca de 55% maiores que o de mulheres negras com deficiência.
Identificamos também as carências e necessidades das PPDs, bem como as principais limitações para sua inserção social, através dos dados de registros administrativos (MTE, MEC, MS, MPAS, entre outras), pesquisas domiciliares (Censos, PNADs, PCV, entre outras) e estudos empíricos da literatura em questão (IPEA, OIT, Corde). Traçamos um arcabouço analítico de políticas que transpõem as barreiras da exclusão. Dentre essas carências anotamos o déficit educacional, uma vez que a escolaridade média das pessoas com deficiência é um ano menor que do grupo de pessoas sem deficiência. As taxas daqueles que nunca freqüentaram escola são 16,3%, 21,6% e 33,7% para a população em geral e para os subgrupos de pessoas com deficiência e pessoas com percepção de incapacidade, respectivamente. Outra questão fundamental da educação relaciona-se a sua oferta, seja ela especial ou inclusiva. Verificou-se que a especial é quase que exclusiva à rede privada de ensino, ao passo que o percentual de matriculas de pessoas com deficiência na educação regular é maior na rede pública de ensino. A educação inclusiva é o caminho mais rico para os indivíduos desenvolverem as suas potencialidades e ganharem respeito junto à sociedade. Entretanto, a estrada precisa ser pavimentada, criando condições de igualdade nas escolas regulares, em termos de preparo dos professores, de infra-estrutura, de condições arquitetônicas e outras mais.
Também é grande a dificuldade que uma jovem com deficiência enfrenta para avançar no seu grau de instrução. Pessoas com deficiência e aquelas com percepção de incapacidade concluem com menor freqüência as séries em idade hábil, e interrompem o processo educacional, especialmente na fase de alfabetização. Um reflexo é a maior taxa de matrícula em alfabetização de adultos, uma vez que cerca de 32% e 11% do total das matrículas nesse nível de ensino são de pessoas com deficiência e pessoas com percepção de incapacidade, respectivamente. As taxas de inscrições e matrícula no ensino fundamental e primeiro grau para indivíduos de 16 a 21 anos, são maiores para pessoas com deficiência (1,5%) e pessoas perceptoras de incapacidade (2,8%) do que para as não PPDs (1,1%), também sinalizando a extensão do atraso escolar.
Outra limitação importante é a falta de apoio familiar, pois é maior a proporção de pessoas com deficiência residentes em domicílios coletivos, em particular o grupo de doentes mentais, onde moram 2,08%, contra um percentual de 0,62% entre o grupo mais amplo de pessoas com deficiência e 0,19% para pessoas sem deficiência. O que mais impressiona é que entre as pessoas com deficiência que vivem em domicílios coletivos cerca de 44% possuem deficiências mentais. Este problema é objeto de um novo programa do governo federal chamado “De volta para casa”, dando às famílias uma ajuda de custo para abrigar pessoas com deficiência mental.
A renda do trabalho das pessoas com deficiência é cerca de R$100,00 menor que àquela da população em geral, R$529,00 contra R$628,00, embora os membros destes grupos possuam jornadas de trabalho maiores e as possibilidades de uma pessoa com deficiência conseguir um emprego seja inferior. Este dado nos remete às necessidades de políticas de assistência social e de apoio à família. Quanto à assistência governamental, a atual legislação garante um salário mínimo mensal às pessoas com deficiências com renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo, o critério de elegibilidade do Benefício de Prestação Continuada. Além do mais, essa garantia legal faz com que dissociemos deficiência e pobreza, uma vez que se verificou uma maior proporção de miseráveis entre a população sem deficiência (32,5%) quando comparada à população com deficiência (29%). Tal fato é reflexo das políticas até então implementadas, pois percebe-se que o país avançou após a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) nas políticas compensatórias, deixando as políticas estruturais, indutoras de um reforço do estoque de riqueza das PPDs, em segundo plano. O resultado dessa política social não podia ser diferente. Afinal, a falta de acesso aos diferentes tipos de capital (físico, social e humano) limita a capacidade de geração de renda sustentável, transformando o país em uma nação de “bolsistas”. Um exemplo disso, são as menores taxas de acesso a educação e ao computador observada nas pessoas com deficiência quando comparada à população em geral.
As políticas existentes para inclusão das pessoas com deficiência atacam, conseqüências e não as causas da insuficiência de renda ou de sua necessidade de transferência. É importante pensar em ações complementares que dêem as motivações para que este grupo possa ava nçar de maneira mais autônoma e independente. Uma idéia nesta linha é fornecer um adicional de renda além do piso constitucional condicionado ao investimento das pessoas com deficiência em sua educação. A iniciativa atenderia uma reclamação freqüente das empresas: a carência de um contingente de pessoas com deficiência com as qualificações necessárias.
É preciso políticas que impactem tanto a oferta quanto a demanda de trabalho decente para as pessoas com deficiência como as políticas de inclusão educacional, digital e de saúde em função dos seus efeitos duradouros, além de preparar esse grupo discriminado para enfrentar em condições de igualdade o mercado de trabalho. E diante da empregabilidade formal baixa entre as PPDs, seria uma forma de aumentar receitas e diminuir os gastos da previdência social. O problema sugere a adoção de políticas de caráter estrutural.
A lei de cotas, vigente desde 1999, passou a ser o principal instrumento disponível às pessoas com deficiência para barganhar um lugar no mercado de trabalho formal. Entretanto, a lei esbarra em problemas de cumprimento, afinal sabe-se que no Brasil, em muitos casos, as leis não são cumpridas. Os dados divulgados pelas próprias empresas comprovam isso, pois se a lei de cotas fosse cumprida, 518 mil novos postos de trabalho para pessoas com deficiência teriam de ser gerados, ao nível de emprego observado de pessoas sem deficiência. Seriam as empresas com 1000 ou mais empregados as maiores fornecedoras de emprego, proporcionando cerca de 310 mil de novas vagas para trabalhadores com algum tipo de deficiência. Elas contratam apenas 2,3% de PPDs do seu quadro de funcionários contra os 5% exigido em lei. Pela análise condicional, as chances de encontrarmos uma pessoa com deficiência com as mesmas características trabalhando em empresas com menos de 100 empregados é duas vezes maior do que naquelas com mais de 1000 trabalhadores. E quando olhamos apenas os vínculos com menos de um ano como forma de verificar o processo de adaptação à lei, verificamos que essas empresas tem em média maior participação de pessoas com deficiência do que no estoque total de empregados respectivamente 2,97% contra 2.03%.
A lei de cotas obriga qualquer tipo de empresa com mais de 100 funcionários a empregar um dado percentual de PPDs, mesmo que cada uma delas tenha custos e desvantagens diferenciados, ignorando heterogeneidades entre firmas. Uma forma de conciliar justiça social e eficiência econômica seria permitir que as empresas que não cumprissem as cotas contribuíssem para um fundo destinado a financiar ações voltadas às pessoas com deficiência. Neste caso, as que contratassem um número acima da cota legal receberiam um subsídio como incentivo para inclusão trabalhista adicional gerada.
Uma crítica de alguns às cotas é que elas exacerbariam preconceitos e conflitos entre os desiguais. Cabe lembrar também as diferenças existentes entre os demais grupos preferencialmente excluídos do tema diversidade. Exemplo: vimos que a posse, ou não, de deficiência explica uma parcela pequena da desigualdade de renda existente no país. Tal situação contrasta com os cortes de gênero e em particular com a questão racial. No entanto, não observamos entre grupos raciais e de gênero diferenças entre pessoas com e sem deficiência. No aspecto ético, a questão talvez deva ser vista não como uma equalização de resultados de renda per se entre diferentes cidadãos, mas sim uma equidade de bem-estar num sentido mais amplo que a renda monetária consegue alcançar. Nesta perspectiva, as PPDs deveriam ser compensadas de alguma forma pelo sofrimento imposto por suas deficiências.
Existem outras possíveis diferenças de abordagem entre grupos do tema diversidade. A deficiência é uma característica adquirida assim como, por exemplo, a pobreza ou a idade, já gênero e raça são atributos fixos. Toda pessoa é passível de adquirir alguma deficiência física ou mental ao longo do seu ciclo de vida, em particular durante a velhice quando metade das pessoas apresentam alguma deficiência. Outra possibilidade é a pessoa ter um filho com deficiência. A proteção social neste caso está também ligada à noção de risco de qualquer adquirir alguma deficiência. Este aspecto contrasta com políticas sociais ligadas a outros grupos excluídos como afro- descendentes quando falamos basicamente de mudanças distributivas. No caso da deficiência, estamos não só falando em melhorar as condições de vida deste grupo específico mas da prevenção das conseqüências da transição para situações a que todos estão sujeitos. O tratamento das políticas pública à questão da deficiência está relacionada a um seguro social de caráter universal.
O assunto diversidade é complexo, pois trata-se de grupos em situações claramente desiguais. Afinal, ao estudar as questões de inclusão social por raça, gênero e deficiências, torna-se necessário avaliar o que pode ser feito para colocar estes grupos em situações de igualdade com o total da população. Desse modo, uma vez que tais grupos são vítimas da desigualdade de oportunidades, são válidas políticas que usem essa desigualdade para conseguir a equidade. Isto significaria tratar os desiguais na medida da sua desigualdade. Ou seja, se existem grupos com um histórico de discriminação acentuado, e se objetiva promover a igualdade de oportunidades, eles precisam de ações especiais.
O grupo das pessoas com deficiência é pioneiro em algumas conquistas sociais. Por exemplo, enquanto a sociedade brasileira começa a debater a implementação de cotas para afro-descendentes, já existe uma lei de cotas em operação para pessoas com deficiência. A política de assistência social constitui outro exemplo do pionerismo das pessoas com deficiência, a Constituição brasileira garante um salário mínimo mensal àquelas com renda familiar per capita inferior a um quarto de salário mínimo, critério de elegibilidade do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Agora , o pioneirismo significa a necessidade constante de aprimorar políticas. Uma sugestão seria introduzir a possibilidade de colateralização dos benefícios sociais pelo menos no que tange a aquisição de equipamentos corretores de deficiência. Na prática se permitiria a antecipação de alguns dos benefícios para financiamento de próteses, órteses, aparelhos de audição, óculos etc. A parcela da renda oriunda do estado para as pessoas com deficiência pobres é de 30% da renda total contra 16% do conjunto da população. No caso do BPC a maior parte dos recursos são pagos por instituições financeiras oficiais, como o Banco do Brasil, o custo administrativo adicional para transformar o pagamento rotineiro destes benefícios em mecanismo de crédito é desprezível. As informações já cadastradas deste público em particular os fluxos de rendas prospectivos, alguns garantidos pela constituição, tornam o custo de coleta de informações e o risco de crédito condicionado às informações já disponíveis particularmente baixos. O melhor retorno que a sociedade poderá obter de políticas já em operação como o BPC e as cotas, é permitir que as oportunidades por elas criadas sejam plenamente aproveitadas1.
De maneira geral, o que se percebe é que ações específicas para grupos discriminados necessitam mais do que políticas compensatórias paliativas. São urgentes políticas que promovam a sustentabilidade das ações empreendidas, provendo meios para que o público-alvo consiga se inserir permanentemente na sociedade. As pessoas com deficiência são historicamente o grupo cuja política pública é do tipo mais assistencialista possível, vista por muitos quase como uma esmola. É preciso que, pelo menos, uma parcela expressiva da população composta por pessoas com deficiência, deixem de ser objetos da mera filantropia institucional para se tornarem sujeitos protagonistas das melhoras alcançadas em suas vidas.
1 Neste caso, o capital do pobre pode ser mais “vivo” que dos demais, segun do terminologia de Hernando de Soto. O problema, em geral, do mais pobre não é só pouca quantidade mas a baixa qualidade do capital. A impossibilidade de realizar determinadas transações como garantias creditícias, a alta informalidade dos direitos de propriedade “mataria” o capital dos pobres. Os dilemas entre eficiência e equidade na escolha de políticas são afrouxados num contexto com informação e garantias imperfeitas quando os recursos distribuídos são colateralizáveis.
*O estudo foi divulgado no dia 16 de outubro, pelas fundações Banco do Brasil e Getúlio Vargas. A íntegra pode ser lida em www.cidadania-e.com.br e em www.fgv.br/cps/deficiencia_br/inicio.htm.
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