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Independência química

Autor original: Mariana Abreu

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor





Independência química


De acordo com estudo da Unesco, o Brasil está entre os países que apresentam os índices mais altos de evasão escolar e violência entre os jovens. Nas escolas cujos alunos consomem ou fazem tráfico de drogas, principalmente as públicas, esta violência é bem maior, segundo relatório apresentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE). No mundo inteiro, pesquisas e estudos similares relacionam programas de prevenção ao uso de drogas com a redução destes problemas, além dos gastos do governo com tratamentos e violência gerada pelo tráfico. Ainda assim, segundo Neliana Figlie, psicóloga especializada em dependência química, no Brasil a prevenção ainda não é encarada como prioridade: "Não existe um conceito definido, as pessoas confundem, acham que tratamento é prevenção. Por incrível que pareça, na área de saúde o governo prioriza o tratamento, quando na verdade a prevenção traz mais resultados, porque evita o estrago e diminui gastos futuros", diz.

O Programa Independência de prevenção ao uso de álcool e drogas em escolas, do qual Neliana é coordenadora geral, é uma iniciativa que pretende fazer com que a prevenção receba o merecido destaque no país. O programa foi criado por profissionais da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas, da Escola Paulista de Medicina (Uniad) em 2001, quando colégios próximos à unidade solicitaram ajuda para lidar com o problema. Neliana conta que o projeto foi elaborado a partir das necessidades apresentadas pelos profissionais das escolas, de forma a dar a eles conhecimentos e recursos para desenvolverem atividades preventivas com os jovens.

No primeiro ano, com recursos do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), o projeto capacitou educadores de 52 colégios públicos da zona sul de São Paulo, por meio de palestras, cursos e oficinas.

A coordenadora do programa diz que uma das principais dificuldades iniciais foi a resistência de alguns professores. Mesmo querendo fazer a prevenção, muitos deles, principalmente os que lecionam à noite, temiam retaliações por parte de traficantes de dentro e de fora das escolas. Esta foi uma das razões que levaram os profissionais da Uniad a proporem uma abordagem diferente.

Embora os professores e professoras recebam todas as informações teóricas sobre drogas e dependência química, este não é o foco principal. Para não entrar em choque com a comunidade e evitar represálias, na metodologia desenvolvida pela Uniad não se fala das drogas diretamente, a não ser que surja uma demanda diretamente dos alunos. Os professores são orientados a trabalharem atividades preventivas, de forma a melhorar a comunicação dos alunos e desenvolver o espírito crítico, dando destaque a liberdade de expressão, qualidade de vida, saúde e outros aspectos que diminuem os riscos do jovem usar drogas. "Temos que trabalhar a prevenção em todos estes domínios, com diferentes focos, pensando a escola como um ambiente de formação. Hoje, quando falamos de prevenção, pensamos em reduzir os fatores de risco e aumentar os de proteção, promovendo um equilíbrio saudável entre eles", diz Neliana Figlie.

Aos poucos, a iniciativa foi sendo aprimorada e a equipe quis estender a capacitação aos alunos, para formar líderes que implementassem ações preventivas não só nas escolas mas também nas comunidades onde vivem. A convite do consulado americano em São Paulo, Neliana e sua equipe foram aos Estados Unidos conhecer o trabalho de diversos centros de prevenção. O resultado foi o desdobramento do Independência no projeto Folia - Formação de Líderes de Atitude, baseado no modelo americano do Teen Institute, que usa uma metodologia de valorização dos jovens e da transmissão da mensagem de igual para igual.

"A gente sabe que quando a mensagem é passada de igual para igual sofre menos resistência", diz Neliana. A psicóloga explica que, por isso, é preciso um cuidado especial ao escolher os jovens para a capacitação: "Não podemos pegar aquele aluno todo certinho, que tira as maiores notas, visto pelos colegas como CDF, porque senão eles não se identificam e o trabalho pode ir por água abaixo". Os estudantes escolhidos não precisam ter notas excelentes, apenas na média. O importante é que tenham liderança natural e entrosamento tanto com professores como com os diversos grupos da escola.

Neliana diz que o modelo americano precisou ser adaptado para a realidade brasileira: "lá eles pregam muito aquela coisa do ‘diga não às drogas’ e os agentes falam basicamente de álcool e drogas. Percebemos que aqui esta abordagem geraria confronto e uma certa rejeição, então resolvemos colocar a questão de outra forma, mais indireta, valorizando o jovem, e trabalhar também com a redução de danos. Quer dizer, se o jovem já bebe, vamos tentar conscientizá-lo para se intoxicar o menos possível".

Como o financiamento do CMDCA foi cortado por falta de verbas, nos meses mais recentes a equipe do Independência continuou o trabalho de forma voluntária e o Folia pôde atender estudantes de apenas quatro escolas. Por três dias eles participaram de oficinas e aprenderam sobre sexualidade, drogas, habilidades de comunicação e resolução de problemas, entre outros temas. No final da capacitação desenvolveram planos de atividades preventivas para serem implementadas nas escolas. "Não precisa ser algo relacionado diretamente às drogas, mas, sim, que promova a melhoria do ambiente escolar e a participação dos outros alunos neste processo" diz Neliana.

As iniciativas variam de acordo com a estrutura da escola e vão desde a colocação de um simples bebedouro até a formação de uma rádio informativa. "Nós acompanhamos os grupos e vamos às escolas a cada um ou dois meses. Iniciativa e vontade eles têm, a maior dificuldade é conseguir espaço, como no caso da rádio, e tudo depende da direção da escola. Nas visitas chamamos a direção e fazemos um entendimento entre as partes", diz a psicóloga.

Num momento em que o trabalho sofre com a falta de recursos, a iniciativa foi brindada com o reconhecimento da Mentor Foundation, organização internacional que atua na prevenção ao uso de drogas entre jovens. O Independência foi classificado entre os três finalistas, em meio a 146 projetos enviados por mais de 40 países. "Isto foi muito importante para nós, porque deu força para continuarmos o trabalho voluntário, porque a prevenção exige muito empenho. É uma confirmação de que estamos no caminho certo", diz Neliana Figlie.

A ausência de verbas, entretanto, não impede os planos de ampliar o programa. Neliana diz que a equipe está disponível para capacitar grupos interessados em usar a metodologia. Não precisa ser uma escola, basta ser um espaço que concentre jovens. Pode ser até um grupo de basquete, desde que estejam dispostos a se organizar para nos receber", diz a coordenadora do programa.

Organizações e grupos interessados precisam apenas entrar em contato com a equipe através da página do Independência na Internet (www.uniad.org.br/independencia).

Mariana d' Abreu

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