Autor original: Marcos da Silva Graça
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Criar ações de assistência e educação das crianças e adolescentes de camadas populares, em situação de risco pessoal e social. É esse o principal objetivo do Centro de Articulação Retome sua Vida, criado em 1992 na cidade do Recife (PE). As linhas de ação da ONG são direcionadas para o incentivo à geração de trabalho e renda nas famílias de crianças e adolescentes em situação de risco; apoio às entidades articuladas para o fortalecimento da sua intervenção nos aspectos financeiro, material e pedagógico; além de atendimento direto no apoio à execução de medidas socioeducativas junto ao Juizado da Infância e da Juventude.
“Os grupos de base articulados ao Retome sua Vida têm organização jurídica, pedagógica, econômica e administrativa independente, elegendo a diretoria em assembléia formada por representantes das entidades”, destaca a assistente social e coordenadora do Programa de Medida Socioeducativa em Meio Aberto, Mônica Tavares. Segundo ela, o Centro de Articulação começou a ser pensado com a formação de uma comissão paritária no Fórum da Criança, realizado em 1990. “Esse grupo considerou que uma intervenção para as crianças de rua do Centro de Recife tinha que estar associada a ações preventivas já existentes nos bairros periféricos da cidade de onde os meninos eram provenientes, sendo fundado o Retome sua Vida em junho de 1992”, acrescenta.
Mas foi a partir de 1994 que uma parceria com a Vara da Infância e Juventude de Recife - e desde 2002 também no Município de Paulista - permitiu a implementação do Programa de Apoio à Medida Socioeducativa em Meio Aberto - Liberdade Assistida Comunitária. “Buscamos atuar de forma integrada com os juizados na execução e monitoramento das medidas: indicamos e capacitamos orientadores para acompanharem os jovens que foram sentenciados pelo juizado a terem liberdade assistida e prestarem serviços à comunidade. Monitoramos sua relação familiar e damos apoio para integrá-los na escola e em outras atividades que promovam sua ressocialização”, destaca Mônica. Ela acrescenta que o Retome também contribui para a inclusão social desses jovens (a ONG trabalha com 112 do total de 180 jovens em liberdade assistida no município), permitindo sua participação em projetos educativos e profissionalizantes realizados pela instituição.
“Queremos dar uma chance para que esses rapazes e moças que cometeram um ato infracional, que estão numa faixa etária de 12 a 21 anos, possam redefinir um novo projeto de vida, freqüentar uma escola, realizar o tratamento de dependência química, se for necessário, freqüentar um curso de iniciação profissional, ‘retomar’ as suas verdadeiras vidas”, acentua a assistente social.
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Segundo ela, o Retome conseguiu desenvolver um trabalho com ótimos resultados, com reconhecimento de instâncias governamentais e não-governamentais, inclusive permitindo criar um projeto para conceder uma ajuda de custo de R$ 100 para cada orientador, que normalmente são voluntários, proveniente de um convênio com o Fundo Municipal da Criança. “Neste mês, recebemos uma consultora do UNICEF, que está visitando vinte instituições em todo o país que desenvolvem este tipo de trabalho. A grande dificuldade permanece o preconceito que a sociedade como todo tem com este público, pois ainda existe o senso comum de que ‘eles são marginais e marginais tem que estar na cadeia’", assinala.
Fora a participação nas medidas socioeducativas, o Retome sua Vida atua por meio de outros programas: Apoio ao Educador, que investe na capacitação destes como mecanismo de qualificação do atendimento à criança e ao adolescente; Apoio às Entidades, visando ao fortalecimento político e pedagógico dos grupos; e Geração de Renda, ação voltada para grupos como catadores de materiais recicláveis e moradores de comunidades carentes no desenvolvimento da reciclagem de plástico. “Oferecemos ainda cursos de profissionalização na área da construção civil, voltados para adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas e em situação de risco pessoal e social”, lembra Mônica. Segundo ela, em 2004 os cursos realizados no Núcleo de Profissionalização da Mangabeira, no bairro de Casa Amarela, serão ampliados, incluindo eletricista predial, bombeiro hidráulico, serralharia, auxiliar de eventos, teatro e artesanato.
Interpretar uma vida melhor
Reunindo jovens em cumprimento de medidas socioeducativas ou oriundos da população de baixa renda da Região Metropolitana do Recife, o Grupo Teatração foi formado em abril deste ano com participantes do “Projeto Ação Vida”, implementado pela ONG. “Foi a partir da realização de uma oficina de teatro em um dos encontros promovidos para adolescentes e jovens em liberdade assistida, o I Encontro dos ‘Agentes da Paz’, realizado em julho de 2002, que começou a idéia de formação do grupo, inicialmente com 15 jovens. Mas o Teatração começou de fato a partir de um projeto aprovado no concurso ‘Geração da Paz’, da Petrobrás Social, que beneficiou 75 adolescentes de baixa renda por meio de ações que contribuíram para a promoção da cultura da paz, com profissionalização dos jovens e práticas esportivas”, conta Beto Vieira, diretor do Teatração.
Segundo o arte-educador, foram os próprios jovens que pediram a realização de uma oficina de teatro. “Eles produziram uma peça que representava os fatos do cotidiano, exibida para os novos orientadores do programa de medidas socioeducativas por duas vezes, no Juizado da Infância e da Juventude e no Conselho Estadual da Criança e do Adolescente”, lembra Beto Vieira. O primeiro trabalho do grupo foi o espetáculo “A paz começa em mim”, criada pelos alunos, que enfoca o tema violência e é apresentada até hoje em eventos realizados por ONGs e entidades ligadas à defesa dos direitos humanos em Recife.
“Nossa última montagem é baseada no texto, adaptado pelo grupo a partir da literatura de cordel de José Laurentino, chamado “A Triste História de Chico Pedreiro”. A peça busca discutir o alcoolismo, provocando um debate sobre os males do abuso do álcool”, conta o diretor do Teatração. O trabalho foi apresentado pela primeira vez no Festival de Teatro Estudantil de Recife, em agosto, recebendo um prêmio especial na categoria adulto. Recentemente, o espetáculo foi apresentado no Festival de Teatro de Rua do Recife, ocorrido em outubro na capital pernambucana.
Uma das participantes, Janaína Ferreira dos Santos, defende o trabalho realizado no Teatração. “Estou desde o ano passado neste esforço coletivo de realizarmos peças de teatro, refletindo sobre a nossa realidade, e percebo o quanto isto tem sido importante para todos nós, que hoje somos quase vinte integrantes”, relata a estudante de 18 anos. Segundo ela, a importância para os seus colegas que participam do programa de medidas socioeducativas é ainda maior. “Não participo destas medidas, mas para eles é, como dizem, tudo. Uma oportunidade de aprender algo, de desenvolver suas capacidades, buscar um caminho de profissionalização”, acrescenta. Ela acrescenta que nas comunidades carentes em que eles vivem não há muitas chances de se trabalhar a auto-estima e de tentarem encontrar um caminho para as suas vidas, como a proporcionada pelo Teatração.
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