Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original:
![]() Luis Felipe Florez | ![]() |
Em 17 de outubro, as 11 ONGs (ver relação no box ao lado) que compunham metade do colegiado do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza renunciaram a seus cargos. O motivo dessa decisão, que deveria paralisar o trabalho do órgão até as organizações suplentes ocuparem as posições, foi a aprovação da lei municipal 8.775 de 9 de outubro de 2003 e o modo como ela foi levada à Câmara Municipal.
O projeto que originou a lei foi apresentado aos vereadores em 2 de outubro em nome do colegiado do conselho por um de seus integrantes, um vereador. As ONGs, entretanto, afirmam que o texto era muito diferente do que estava sendo discutido pelo colegiado há seis meses. Além disso, o vereador não teria avisado sobre a apresentação do projeto de lei.
A lei altera o sistema eleitoral dos conselho tutelares ao permitir a votação em mais de um candidato na eleição de representantes. Antes, só era possível votar em uma pessoa, sendo os cinco mais votados, eleitos. Segundo os renunciantes, com o novo modelo, a formação de chapas é possível, o que acaba com o princípio de diversidade do conselho.
Com a renúncia, o Conselho de Direitos deveria ficar paralisado, pois só pode funcionar enquanto seu colegiado apresentar paridade entre poder público e sociedade civil. Porém, segundo as organizações, não é isso que tem acontecido. As suplentes ainda não assumiram os postos – algumas apoiaram a renúncia e não tomarão posse - e mesmo assim o Conselho continua funcionando.
A Rets conversou com a advogada Neiara de Morais -uma das pessoas que renunciou - que coordena o Programa de Orçamento do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca). Para ela, a renúncia não foi uma desistência do cargo, mas sim a forma encontrada para chamar atenção para um problema grave e com antecedentes. “A sociedade precisa estar alerta, pois esse é um órgão importante para ela. Este é o momento de maior fragilidade que já vivemos”, diz.
Rets - Por que tomar uma atitude drástica como a renúncia?
Neiara de Morais - O Conselho Municipal há seis meses discutia mudanças na lei que o regulamenta. Chegamos até a contratar um consultor para nos auxiliar nessa tarefa, mas outro projeto de lei (PL), diferente do que estávamos pensando em apresentar, foi encaminhado à Câmara, em nosso nome, por um parlamentar [o vereador Walter Cavalcante] que também é conselheiro. Em Fortaleza, dos 22 conselheiros, um é representante da Câmara de Vereadores (outros dez são representantes da prefeitura e 11 da sociedade civil organizada). Ele conseguiu aprovar o projeto em tempo recorde – sete dias. A lei aprovada é a 8.775 de 9 de outubro de 2003.
O vereador defendeu um PL e uma emenda à lei que alteravam nossa proposta de escolha de conselheiros. Usou nosso nome para convencer os demais deputados sobre a necessidade de aprovação de um projeto que não era nosso. Tudo foi feito de forma silenciosa e só no momento de votação da proposta final no Conselho ele avisou que tinha incluído o projeto na pauta da Câmara. A presidência do Conselho possui voto de Minerva e ultimamente vinha "fechando" com o vereador. Não podíamos emprestar nossos nomes a essa manipulação. Temos trabalhos de respeito há anos. Por isso tivemos que renunciar, mas para nós essa renúncia não significa desistência e, sim, o pedido de um novo processo de eleição no Conselho.
É um absurdo os conselheiros continuarem a passar resoluções antes da posse das organizações suplentes como estão fazendo, pois o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma ser necessária a paridade para que as resoluções sejam aprovadas. Já entramos com uma medida cautelar e uma ação popular para anular as ações. É um momento bastante interessante de coesão do Fórum de Direitos da Criança e do Adolescente, quando a sociedade civil organizada está dizendo que não vai aceitar manipulação desse órgão tão importante.
Rets - Como estão reagindo as ONGs suplentes? Estão apoiando a renúncia e se recusando a assumirem cargos também?
Neiara de Morais - Algumas já renunciaram, outras estão sendo chamadas para conversar com o Conselho. É uma situação bastante complicada, onde há vários tipos de pressão. Entendemos que têm havido distorções do trabalho dos Conselhos, manipulados por vereadores. Com a possibilidade de formação de chapas, os conselhos de direitos podem virar conselhos da igreja, do partido etc. Não teriam mais autocontrole, seriam mais facilmente dominados. Não queremos ver isso acontecer.
Rets - Que alterações na legislação as ONGs gostariam de ver?
Neiara de Morais - Segundo o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente, deveria haver um conselho tutelar para cada 200 mil pessoas. Essa é uma reivindicação. Outra é o aumento de salário para os conselheiros tutelares, para que possam se dedicar mais à função.
Rets - Casos de manipulação das atividades dos Conselhos municipais são comuns?
Neiara de Morais - Já houve alguns casos aqui em Fortaleza, quando o processo eleitoral ainda era por chapas. Depois ele foi modificado e isso parou de acontecer. Agora há abuso econômico, interferência de vereadores nos assuntos específicos. A sociedade precisa estar alerta, pois esse é um órgão importante para ela. Este é o momento de maior fragilidade que já vivemos. É importante que as pessoas sejam escolhidas por seu histórico no movimento, ética e capacidade de execução.
Rets - Como você vê a participação da população nos Conselhos?
Neiara de Morais - Acho importante que haja eleição direta. Atualmente quem participa é apenas a sociedade civil organizada. A população precisa estar informada sobre a importância dos conselhos em todos os seus níveis e que seu atendimento pode estar sob risco. O Conselho Tutelar (que é uma instância diferente do Conselho de Direitos) em muitos casos assume atribuições de juiz, o que é muito importante. O ECA pensava em colocar alguém mais perto das pessoas para cuidar de problemas relacionados às crianças e aos adolescentes.
Rets - E como está o nível de informação da população em relação aos conselhos?
Neiara de Morais - Ela tem muito pouca informação sobre esses órgãos. O atendimento que vem sendo feito pelos Conselhos Tutelares, por exemplo, não era função do conselheiro, mas da Justiça. Mas o trabalho já se mostra como fundamental para a população, pois ele determina o atendimento. A decisão do Conselho Tutelar só pode ser modificada por um juiz.
Rets - Renunciar ao conselho e forçar a paralisação das atividades não é prejudicial à população?
Neiara de Morais - Em nenhum momento, é bom deixar claro, nossa intenção foi paralisar as atividades do Conselho. Mas não podemos admitir que a Prefeitura continue a tomar decisões como se fosse dona do conselho. Não entendemos nossa atitude como uma paralisação do conselho. Uma das conseqüências é dar posse às outras ONGs. A renúncia, embora lembre desistência dos cargos, não é isso. Quisemos chamar atenção para o que aconteceu. Conseguimos e dizemos agora que não queremos ser marionetes.
Rets - Essa tentativa de manipulação poderia estar ligada às eleições municipais do próximo ano?
Neiara de Morais - É possível. Muitos perceberam que ter conselhos a seu lado é bom, pois todos reconhecem o trabalho do órgão. Além disso, ele pode dar emprego para muitos cabos eleitorais.
Rets - A tentativa de manipulação é uma tendência da política nacional para os próximos anos?
Neiara de Morais - Se não tomarmos cuidado, esse órgão [o Conselho de Direitos] pode ser desvirtuado. São 13 anos de trabalho de consolidação da instituição. É importante marcarmos posição nesse momento delicado.
Rets - Qual a avaliação dos conselhos em Fortaleza desde o seu começo?
Neiara de Morais - Em Fortaleza temos quatro Conselhos Tutelares, com três gestões cada. Os mandatos são de três anos. É difícil avaliar, pois cada um possui sua particularidade. No último ano tivemos uma experiência legal: a implantação de uma comissão de ética. Ela investiga tanto problemas com a administração como denúncias de irregularidades. Sua criação segue proposta do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) de regulamentação e fiscalização dos conselhos tutelares.
Rets - E o que o Conselho de Ética está achando disso tudo?
Neiara de Morais - Ainda não houve manifestação oficial. Queremos ouvir algo, especialmente a opinião sobre a implantação do voto múltiplo ou por chapas, que avaliamos negativamente por prejudicar a diversidade do órgão.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer